Introdução

Jesus não deixou para seus discípulos um manual de conduta moral, nem uma lista de preceitos para serem cumpridos à risca, muito menos um código de doutrinas para serem defendidas a todo custo. O que Jesus recomendou a seus discípulos foi o Mandamento Novo: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos» (Jo 13,34-35).

O evangelista Marcos comentou no evangelho a admiração do povo diante dessa novidade vivida por Jesus: “Todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: «O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade. Ele manda até nos espíritos maus e eles obedecem!» E a fama de Jesus logo se espalhou por toda parte, em toda a redondeza da Galiléia” (Mt 1,27-28).

O mandamento novo não se resumia simplesmente às palavras de Jesus, mas sobretudo, estava contida nos seus gestos, atitudes, opções pelos pobres, sofredores e excluídos do seu tempo. Jesus se manifestou, assim, como sinal e portador da misericórdia de Deus. Foi unicamente isso que ele pediu a seus discípulos; é isso que encontramos sintetizado na frase “vá e faça a mesma coisa”, concluindo a parábola do bom Samaritano (cf. Lc 10,37). A Igreja deve estar de os olhos fixos em Jesus para poder segui-lo

 

  1. Quaresma e fraternidade

A proposta da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica no Brasil está dentro do compromisso de autêntica conversão como objetivo do tempo quaresmal. Isso exige de nós o esforço pessoal, luta, propósitos para vivermos como irmãos. Quem diz que conhece a Deus, mas não ama o seu irmão é um mentiroso, porque não se comporta como Jesus se comportou (cf. 1Jo 2,4-5).

A Campanha da Fraternidade está dentro do contexto do caminho para a Celebração da Páscoa; não há autêntica celebração da Páscoa sem a experiência da cruz da Caridade, sem o esvaziamento do egoísmo, da frieza e da promoção da dignidade humana. Isso requer de cada um de nós colocar todos os nossos recursos a serviço de uma vida mais fraterna, ser mais irmão, mais humano; mais filho de Deus, Pai que é rico em Misericórdia.

Portanto, a campanha da fraternidade só será possível se houver outras campanhas. Por exemplo: a campanha da proximidade, da empatia, da escuta, do perdão; a campanha da compaixão, da misericórdia e da solidariedade; a campanha da acolhida incondicional, da superação dos preconceitos agressivos e do alargamento do coração.

Enfim, a campanha da superação do fundamentalismo, do doutrinalismo, do intimismo religioso vazio e da visão fragmentada da vida cristã. Visto que, ao longo do seu ministério Jesus Cristo combateu toda forma de hipocrisia religiosa, que o mesmo nos livre da negação da misericórdia divina que podem se manifestar através das nossas ideias fechadas, gestos agressivos, culto sem caridade, posturas religiosas reducionistas.

 

  1. Jesus defende e promove a dignidade humana

A rejeição dos princípios fundamentais da moralidade cristã nos leva a desviar o nosso olhar dos gestos e das atitudes de Jesus Cristo, fazendo-nos perder de vista o essencial, que é a plenitude da lei, a Caridade (cf. 1Cor 13,10). Por isso Jesus alertou os fariseus, mestres e doutores da lei do seu tempo que andavam demasiadamente seguros em suas teses: «Pois eu garanto a vocês: os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino do Céu” (Mt 21,31). Para que isso não aconteça conosco é necessário voltarmo-nos continuamente para contemplação das palavras, gestos e atitudes de Jesus Cristo. E seguir o seu exemplo!

Toda a vida de Jesus de Nazaré foi plenamente dedicada à salvação integral da pessoa humana: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância!” (Jo 10,10). Por isso a fé cristã abraça e dinamiza a totalidade da vida humana, tocando todas as suas dimensões e em todos os contextos existenciais.

Quem nega a abertura da Igreja às realidades sociais está revelando sua ignorância sobre a missão de Jesus reconhecida por ele mesmo na sinagoga de Nazaré: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,28-20).

A todos Jesus deixou bem claro que a entrada no Reino dos Céus depende da prática do amor a Deus e ao próximo manifestando sua preocupação sobre o perigo de uma vida religiosa intelectualista e teórica: ”Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu” (Mt 8,21).

 

  1. Os preferidos de Jesus Cristo

É clara nos evangelhos, a opção preferencial de Jesus pelos pobres, sofredores e mais desprezados do seu contexto sociocultural. Os doentes (de toda espécie), os pobres e os marginalizados foram alvo de especial atenção por parte de Jesus Cristo.

Fiel à sua missão, Jesus conviveu com aqueles que não tinham vez e lugar dentro do sistema social do seu tempo: as prostitutas foram preferidas aos fariseus (cf. Mt 21,31-32; Lc 7,37-50); os pecadores públicos (publicanos) para Ele tinham precedência sobre os escribas, radicais defensores da lei e da doutrina mas tinham um coração frio (cf. Lc 18,9-14; 19,1-10; Mt 21); Jesus vai eu encontro dos leprosos, toca e deixa-se tocar por eles (cf. Mt 8,2-3; 11,5; Lc 17,12).

Jesus acolhe as mulheres de todas as condições (cf. Jo 8,2-11) e, mais, elas passaram a fazer parte de um grupo de benfeitoras que o acompanhava (cf. Lc 8,1-3); Jesus mestre da compaixão acolhe os desprezados samaritanos e por Ele, são apresentados como modelo para os judeus (cf. Lc 10,33;17,16), isso para os ortodoxos judeus era inadmissível e uma verdadeira afronta.

Nessa mesma linha podemos colocar também os estrangeiros e os pagãos que receberam especial atenção de Jesus porque eram desprezados. Os estrangeiros são vistos sem desprezo, acolhidos e atendidos com bondade e respeito (cf. Lc 7,2-10; Mc 7,24-30; Mt 15,22) e Jesus se identifica com eles: “Eu era estrangeiro e me recebeste e em casa” (Mt 25,35). Os pagãos, também objetos de repulsa por parte dos judeus, são por Jesus, visitados, seus dramas existenciais acolhidos e curados (cf. Mt 8,5-13; Mc 5,1-20).

Dessa forma, estrangeiros e pagãos são tocados pela misericórdia divina através das atitudes de Jesus, se sentiam livres e se aproximaram dele (cf. Mt 15,22; Mc 7,26). Não esqueçamos que foi a um estrangeiro e pagão, o oficial romano, ao qual Jesus dirigiu um profundo elogio dizendo: «Eu garanto a vocês: nunca encontrei uma fé igual a essa em ninguém de Israel!” (Mt 8,10).

A conversão para ser profunda precisa ser integral. Esse é o grande desafio do tempo quaresmal. Somos chamados a mudar nossas ideias errôneas, ampliar a beleza e a profundidade do mandamento do Amor, redimensionar nossas atitudes. Sem a Fraternidade nada disso é possível. 

 

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Por que é difícil colocar em prática o mandamento do Amor a Deus e ao próximo?
  2. É possível pensar em Quaresma e conversão sem fraternidade?
  3. Diante da sensibilidade social de Jesus é possível justificarmos uma postura fria e distante das questões sociais?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2