Nossa vida de cristãos é uma servidão em relação a Deus? Religião serve para controlar as pessoas e seus impulsos? Não são poucas as pessoas que abandonam a fé, por considerá-la um jugo pesado, impedindo-lhes a liberdade desejada! Entretanto, é impressionante a liberdade e a alegria resplandecente no rosto e na vida dos santos, homens e mulheres plenamente realizados em todas as dimensões humanas e espirituais, seja qual for o estado de vida abraçado, segundo o chamado de Deus!

O mês de maio, tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora, e neste ano marcado pelo chamado do Papa à oração intensa com o Rosário, pedindo o fim da pandemia, suscita a oportunidade de refletir a partir justamente daquela que, primeira no serviço e na disponibilidade, verdadeira heroína aos pés da Cruz, começou sua aventura de ser a Mãe de seu próprio Senhor, com a opção pelo serviço. Maria disse: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). A mesma Maria, indo com presteza à casa de Isabel para servir, proclamou o Magnificat numa explosão de alegria, na qual reconhece sua pequenez diante do amor de Deus e ao mesmo tempo a certeza de que todas as gerações viriam a chamá-la bem-aventurada, a pessoa mais servidora e mais feliz de todas! Sua aventura foi percorrida na simplicidade da Casa de Nazaré, nas lides de mãe de família, muito parecida com tantas mães cujo dia estamos para celebrar. Uma pequenez do tamanho do infinito, justamente por causa do amor que movia seus desejos, pensamentos e atitudes, aquela que maior proximidade experimentou com o Verbo de Deus feito Carne! O diferencial era o amor, e não aquilo que fazia! Aquela que viria a ser elogiada por todas as gerações quis ser serva, escrava da Palavra de Deus, na liberdade do discipulado, seguindo o seu próprio Filho. “Fazei tudo o que ele disser” (Jo 2,5) resume seu jeito de ser!

Jesus seu Filho, aquele que veio para servir e não para ser servido (Cf. Mt 20,28), “levantou-se da ceia, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a à cintura. Derramou água numa bacia, pôs-se a lavar os pés dos discípulos e enxugava-os com a toalha que trazia à cintura. Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e voltou ao seu lugar. Disse aos discípulos: Entendeis o que eu vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque sou. Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós”. (Cf. Jo 13, 1-6). Pouco depois vai dizer: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,12-15). Servos ou amigos? Servos e amigos?

Quando Jesus revelou o “seu” mandamento, aquilo que mais lhe estava a peito, abriu o coração para indicar o segredo provindo da Trindade. Trata-se do “como vos amei”. Todo relacionamento autenticamente cristão começa com a disposição para lavar os pés. Este lava-pés pode ser feito de olhares, escuta, perdão, visitas, acolhimento, cuidado dos mais fracos, partilha dos bens, inciativas corajosas para transformar a sociedade, honestidade no trato com a coisa pública, superação da corrupção, e daí por diante. Quem dá o primeiro passo, mais cedo ou mais tarde vai provocar interrogações sobre as motivações de seus gestos. Depois suscitará a reciprocidade, o amor mútuo. Sim, porque o amor pedido por Jesus aos que o seguem passeia entre o serviço e a amizade. Todos se dispõem a ser servos, e neste serviço a amizade autêntica pode florescer. Com o tempo, acontecerá o que Jesus disse, logo após o lava-pés: “Nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). Entretanto, o modelo está na Santíssima Trindade, o segredo é o amor divino que Jesus veio trazer à terra.

Nossa sociedade conhece muitos gestos de filantropia, e sejam todos eles reconhecidos e valorizados. Entretanto, o desafio maior é que cada cristão experimente o amor mútuo ou recíproco. Este é o nosso sinal característico. E o Dia das Mães pode ser excelente oportunidade para privilegiarmos primeiro o amor gratuito, livre e desinteressado, que Deus plantou no coração de nossas mães. Depois, a família é justamente um espaço em que o amor mútuo pode ser experimentado. Todos já vimos como são as brigas de crianças entre irmãos! Bastam poucos minutos para fazerem as pazes! E me recordo como meus pais eram exigentes ao não permitir rixas entre os filhos! Aliás, o Dia das Mães, em tempo de muita casa e pouca rua, como desejado atualmente, pode ser oportunidade para valorizar o afeto entre os parentes. Fomos quase obrigados e ficar dentro de casa e certamente aproveitamos as oportunidades para cultivar os gestos de carinho e respeito. É aquele sentimento que nos faz reagir quando alguém fala mal de nossa família! Se não é perfeita, como as outras não o são, mas é a nossa família, e dela, com muito amor, temos um santo orgulho.

Só que as atitudes de amor mútuo não se restringem às famílias. Todos nós temos necessidade e mesmo obrigação de espalhar a cultura do amor recíproco, que faz as pessoas reconhecerem os discípulos de Cristo. Podemos pensar nas muitas formas de vida comunitária, como as Comunidades Eclesiais, ou valorizar mais a experiência da vida religiosa e das Comunidades de Vida e Aliança, ou os espaços comunitários criados nos Movimentos Eclesiais tão presentes na Igreja. Existe na Igreja uma sede de comunhão de bens e de experiências do Evangelho que impressiona fortemente. Há inclusive um número significativo de jovens que se identificam com formas ousadas de vida comunitária e missionária, numa prática de vida evangélica exemplar. Além disso, a própria vida litúrgica da Igreja, que nos faz reconhecer a presença de Jesus em nosso meio é a referência indispensável para a vida em comunidade, em que servos e amigos vivem este maravilhoso jogo de amor, cuja fonte é a Santíssima Trindade.

POR Dom ALBERTO TAVEIRA CORRÊA

Arcebispo Metropolitano de Belém - PA e Vice-Presidente Regional da CNBB Norte 2