A frase que encabeça este texto está tomada do evangelho de João (8,32) e foi dita por Jesus para os judeus que se consideravam pessoas livres por serem filhos de Abraão, que nunca foi escravo, e não aceitavam a pessoa e as palavras de Jesus. Nessa mesma conversa, Jesus lhes indica o que realmente torna o ser humano escravo: “Quem comete o pecado é escravo” (Jo,8,34). Desta forma deixa evidente a relação entre pecado e escravidão; entre verdade e libertação. A verdade que é Jesus, a Palavra verdadeira do Pai, quando aceito, liberta verdadeiramente o ser humano de todo tipo de escravidão, especialmente da escravidão de si mesmo, de seus instintos, da sua concupiscência, do pecado.

No capítulo 14 do seu evangelho, João recolhe as palavras de Jesus que definem o Espírito Santo como, “Espírito da verdade, que o mundo não pode acolher porque não o vê nem o conhece” (Jo, 14,17s). Para João, o Espirito Santo se contrapõe ao príncipe deste mundo que é o pai da mentira: satanás, por isso é o Espírito que mostra a verdade para todos os amigos de Jesus. Satanás, pelo contrário, quer confundir os discípulos de Jesus com a mentalidade mundana valorizando como positivos os vícios que Jesus denuncia como fonte de escravidão: o orgulho, a vaidade, a luxúria, a inveja, a ambição da riqueza, a mentira, entre outros. Essa é a missão do pai da mentira: confundir com mentiras e meias verdades ao ponto de apresentar a verdade como falsa e a mentira como verdade. Tudo isso para que não vejamos claro onde está a verdade, e não vendo nos deixemos envolver pela sua mentira.

Sempre ensinamos às crianças a não mentir e lhes recordamos que o oitavo mandamento da lei de Deus proíbe levantar falso testemunho e mentir. Com a psicologia, temos apreendido que dizer a verdade é um dos sinais que indicam o nível de maturidade humana. De fato, quem mente de forma sistemática é uma pessoa imatura, incapaz de assumir diante dos outros a responsabilidade de seus atos. Para quem mente, os outros são sempre os responsáveis e ele nunca assume os seus erros nem as suas consequências. Este é um mecanismo de defesa para não assumir a responsabilidade dos próprios atos.

Mas hoje assistimos estarrecidos ao uso da mentira não só como defesa pessoal, porém como instrumento de ataque a pessoas e instituições nas redes sociais através das chamadas “fake news”. Estas notícias falsas (mentiras) são disseminadas pelas redes sociais e facilmente reproduzidas com definida intencionalidade. Nas eleições de 2014 e 2018 observamos que as fake news se generalizaram como instrumento eleitoral de ataque e destruição dos adversários. Os famosos marqueteiros usaram desta estratégia de forma imoral e criminosa, semeando sempre a suspeita e a dúvida, sem provar a veracidade das acusações levantadas.

Mas as fake news vieram para ficar e, umas vezes de forma ingênua, outras de maneira intencional, elas continuam a ser amplamente disseminadas na sociedade desrespeitando, em ocasiões, as pessoas e lançando dúvidas sobre a honestidade das instituições. Com alguma assiduidade a própria Igreja Católica, o Papa Francisco, a CNBB ou os bispos são alvo destas noticias com a intenção de desmoralizar e confundir o povo católico mais simples. Este é o reino da mentira, reino de Satanás.

Mas, é preciso entender que, quem vive intencionalmente espalhando notícias falsas é também escravo de sua falta de verdade. Diríamos que vive nas trevas que é onde realmente impera a mentira. A palavra grega “Aletheia” traduzida à nossa língua significa verdade, não no sentido de dogma, de princípio intocável, mas de adequação do que falamos com o que vivemos. Assim, o cristão, chamado a ser luz no meio do mundo e a proclamar a única verdade que é Cristo Jesus, sente-se responsável pela palavra que pronuncia sabendo que esta pode fazer o bem ou ferir as pessoas. Porém, também, ele deve crescer na sintonia e coerência entre o que fala e o que vive.

 E esta responsabilidade vê-se aumentada em aqueles que, por sua missão, devem proclamar e refletir a Palavra de Deus no meio do povo, vivendo na própria vida o que proclamam na liturgia. Neste sentido o ritual de ordenação de diáconos traz uma frase que resume o que estamos falando. Quando o bispo entrega o Evangelho ao neo-diácono lhe diz: “Recebe o Evangelho de Cristo do qual foste constituído mensageiro; transforma em fé viva o que leres, ensina aquilo que creres e procura realizar o que ensinares”

Porém, viver na verdade não é só missão daqueles que são ordenados, mas de todo batizado, de todo cristão. Embora não nos dediquemos a propagar falsas notícias, podemos viver na mentira quando em nossa vida não há coerência entre o que professamos e o que vivemos. Vivemos na mentira quando, sendo criados para viver na intimidade do amor de Deus, na luz, escolhemos morar longe dele, nas trevas. Viver a verdade é, portanto, graça de Deus. Peçamos ao Senhor Ressuscitado, vencedor da morte e da mentira a graça de sermos livres no amor de Deus e do próximo.

Que Deus seja sempre nossa luz e verdade!

POR Dom JESUS MARIA CIZAURRE BERDONCES, OAR

Bispo de Bragança-PA