A vida deve ser outra coisa

   Dom Pedro José Conti, bispo

 

Uma famosa jornalista relata, em um dos seus livros, o diálogo que teve certa noite, com a netinha de cinco anos. A pequena Elizabeth soube que a avó ia viajar, assim decidiu passar a noite na cama com ela. De repente, antes de dormir a criança perguntou a avó: – A vida o que é? A avó quis buscar palavras que a criança pudesse entender e respondeu: – A vida é o tempo que passa entre o momento que nascemos e o momento que morremos. – Só isso? – insistiu a criança. – Só isso – respondeu a jornalista. – E a morte o que é – voltou a questionar a pequena. – A morte é quando tudo acaba e não mais existimos. – Como quando chega o inverno e a arvore seca? – Mais ou menos – Porém, a árvore não acaba não; quando vem a primavera ela floresce de novo. – Mas para as pessoas não é assim; quando alguém morre é para sempre, não renasce – continuou a avó. – Também mamãe? Também uma criança? – insistiu a netinha. – Também as mães e as crianças. – Não é possível – É assim mesmo, Elizabeth – Não é justo – insistiu a pequena. – Eu sei; mas agora dorme, já está na hora – disse a avó, querendo encerrar o assunto. – Eu durmo – continuou a criança – mas não acredito naquilo que a senhora disse. Eu acredito que quando alguém morre acontece como com as arvores que secam no inverno, mas depois renascem. A vida deve ser outra coisa!

Para nós cristãos a vida é mesmo, e deve ser outra coisa! É muito mais daquilo que estamos vendo, ouvindo, experimentando. Muito mais do tempo que passa inexoravelmente para todos. A vista do túmulo vazio e o anúncio da ressurreição de Jesus ecoam na história humana como uma luz nova, sem comparação nem antes e nem depois. Uma brecha, pequena, mas mais que suficiente para abrir o nosso olhar nada menos que sobre o “mistério” daquele Deus Pai que Jesus veio nos fazer conhecer. Até a morte e o túmulo, o caminho, nos é familiar. Ainda vivos, acompanhamos outros. Um dia, serão os outros a nos levar para a última despedida.

Jesus percorreu este mesmo nosso caminho, uma morte trágica, com certeza uma das maiores injustiças da humanidade. Tudo porque ensinou e mostrou um Deus com o rosto e o coração de Pai. Ele acolhia os doentes, os impuros, os pecadores e pecadoras, todos filhos e filhas, desgarrados ou não. Os grandes de todos os tempos, quando não se proclamam eles mesmos deuses, querem ter Deus ao seu lado. Talvez para enganar; com certeza por medo de serem eles mesmos julgados por um Deus “diferente” daquele cujo nome usam e abusam. Jesus nunca usou o nome de Deus para se promover ou forçar alguém. Aos seus discípulos pediu para serem compassivos e misericordiosos como o Pai. Um Pai bondoso até com os ingratos. Um Pai providente que não quer o acúmulo dos bens materiais, porque não deixa faltar o necessário nem aos pássaros do céu e veste maravilhosamente os lírios dos campos. Um Deus Pai que escolhe e privilegia os pobres e os pequenos; convida ao seu banquete os cegos, os coxos e os aleijados, aqueles que nunca poderão devolver o que receberam de graça. Jesus ensinou que o pouco partilhado se multiplica porque crescem a esperança e a alegria da fraternidade entre as pessoas. Estes bens não são vendidos e nem comprados, só podem ser fruto da confiança e da comunhão de quem alimenta o mesmo sonho de paz, bem longe dos projetos de poder e dominação dos ricos.

Deus Pai ressuscita o Filho Jesus não como troca ou recompensa pela sua obediência, mas porque o Pai, o Filho e o Espírito Santo vivem a mesma e única realidade do amor perfeito, da doação perfeita, da Vida plena prometida a quem acreditar e fazer o mesmo doando também a sua própria vida. Na Páscoa precisamos respirar um ar novo, nos libertar das amarras do consumo e da ganância, do imediato, do útil e cômodo, de tudo aquilo que pode ser contabilizado. O Amor de Deus passou neste mundo, se encarnou, se tornou visível, ensinou e convidou a segui-lo. Mas não nos obriga. Estamos livres de duvidar, de zombar, de crucificá-lo de novo. Mas a criança que, por ventura, ainda está dentro de nós nos lembra sempre: “Não é justo! A Vida Verdadeira deve ser outra coisa!”.  Feliz Páscoa para todos e todas!