Introdução

Outra característica muito forte da espiritualidade pascal é a experiência do entusiasmo no testemunho de fé. O próprio Jesus declarou: «Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). Antes de ser crucificado disse aos seus discípulos que o Espírito Santo daria testemunho dele (cf. Jo 15,26). O testemunho sobre a pessoa do Ressuscitado, por parte dos apóstolos, que tinham se dispersado e estavam amedrontados, é manifestação evidente do Espírito do Ressuscitado agindo neles.

A partir da diversidade das narrações bíblicas podemos afirmar que a experiência do testemunho sobre Jesus se manifestava de muitos modos na pessoa dos apóstolos, dos diáconos e da comunidade primitiva. Não se trata simplesmente de uma questão de palavras, mas de gestos ousados, atitudes corajosas, opções provocantes. Todas elas confirmam uma intrépida fé e forte vínculo afetivo com a pessoa de Jesus Cristo, como o Salvador, vencedor da morte, Senhor da Vida.

A palavra testemunho, em grego, significa mártir (martírio). A testemunha é alguém que, movido pela fé e grande paixão por Jesus Cristo e seu Reino é capaz de anunciá-lo em todos os contextos, mesmo nos mais hostis, embora lhe cause sofrimento e a morte. Por isso, toda autêntica testemunha do Ressuscitado, movida de paixão pelo Reino de Deus, é uma candidata ao martírio.

 

  1. Testemunhar é narrar uma experiência

A experiência do testemunho passa pela comunicação e segue nas atitudes. Testemunhar é comunicar uma profunda e íntima experiência vivida, autêntica e verdadeira. O próprio Deus se comunica a nós por meio do seu Filho; por isso Jesus afirmou dizendo: “eu comuniquei a vocês tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15).

Jesus testemunhou a seus discípulos a sua intimidade com o Pai falando-lhes de tudo aquilo que viu e ouviu Dele, por isso, afirmou: “Aquele que vem do alto, está acima de todos. Aquele que vem do céu dá testemunho daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. E quem aceita o seu testemunho, comprova que Deus é verdadeiro” (Jo 3,31.32). No livro do Apocalipse Jesus Cristo é chamado a Testemunha Fiel (cf. Ap 1,5). 

João Batista narrou ao povo a sua experiência com Jesus: como se aproximou dele, passou a conhecê-lo, o que nele percebeu (o cordeiro de Deus), quem de fato ele era, bem como testemunhou a visão das manifestações do Espírito Santo no Batismo dele (cf. Jo 3,29-33) e concluiu dizendo “eu vi, e dou testemunho de que este é o Filho de Deus» (Jo 3,34).

A experiência do primeiro testemunho do Ressuscitado foi confiado a Maria Madalena que, após ter encontrado o Senhor vivo foi ao encontro dos discípulos lhes disse: «Eu vi o Senhor» (Jo 20,18). Esse anúncio contagiou os apóstolos, que por sua vez, a pós a mesma experiência testemunharam a outros. «Nós vimos o Senhor» (Jo 20,25), disseram os apóstolos reunidos a Tomé que estava ausente. Estando sendo perseguidos por causa da cura do paralítico pelo poder do Ressuscitado, Pedro e João disseram às autoridades judias: “Quanto a nós, não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos» (At 4,20).

Muito forte e incisiva é a declaração do evangelista João no início da sua primeira Carta dando o seu testemunho a respeito da sua convivência com Jesus de Nazaré: “Aquilo que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e o que nossas mãos apalparam: falamos da Palavra, que é a Vida. Porque a Vida se manifestou, nós a vimos, dela damos testemunho, e lhes anunciamos a Vida Eterna. Ela estava voltada para o Pai e se manifestou a nós. Isso que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês, para que vocês estejam em comunhão conosco” (1Jo 1,1-3).

 

  1. A dimensão profética do testemunho

Em todas as narrações sobre o testemunho da experiência de encontro com o Ressuscitado há sempre uma conotação de firmeza de ânimo e parresia (ousadia e coragem). Nunca se trata de uma narração psicologicamente jornalística, seca e informativa. Isso é mais evidente por causa do contexto de pressão psicológica onde acontece o testemunho.

Isso nos recorda que o testemunho é dom do Espírito Santo, como alertou Jesus Cristo: “Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará” (Jo 16,13). Em seu processo de despedida disse aos seus discípulos que o Espírito da Verdade, o defensor e consolador estaria com eles. “Quando ele vier, dará testemunho de mim. Vocês também darão testemunho de mim, porque vocês estão comigo desde o começo» (Jo 15,26-27). “O Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão força para serem as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os extremos da terra» (At 1,8). Eis de onde vem a força e do entusiasmo do testemunho sobre Jesus.

Animados pelo Espírito Santo e cheio de coragem Pedro denuncia: “Vocês o entregaram e o rejeitaram diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. Vocês, porém, renegaram o Santo e o Justo, e pediram clemência para um assassino. Vocês mataram o Autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos. E disso nós somos testemunhas” (At 3,13-15).

Diante do Sinédrio que condenou Jesus à morte, Pedro com liberdade e firmeza declara: “O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem vós matastes, pregando-o numa cruz. Deus, por seu poder, o exaltou, tornando-o Guia Supremo e Salvador, para dar ao povo de Israel a conversão e o perdão dos seus pecados. E disso somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem” (At 5,30-32).

  1. Testemunho e experiência de vida

A beleza, profundidade e força impactante do testemunho de alguém depende de uma  experiência vivida. Os apóstolos não falaram de estudo, de reflexão sobre a pessoa de Jesus e nem de lições que aprenderam com ele. Eles deram verdadeiramente testemunho de Jesus compartilhando com seus interlocutores uma experiência de vida e compromissos assumidos.

Por isso, Pedro, no discurso da conversão de Cornélio, diz a seus companheiros que comeram e beberam com Jesus depois que ressuscitou dos mortos (At 10,40-43). “Comer e beber” com Jesus é a experiência fundamental que marcou profundamente a mente e o coração de Pedro e dos demais que os fez testemunhá-lo com alegria e coragem. Não podemos falar com honestidade de quem não conhecemos e não amamos.

Essas narrações sobre a importância do testemunho nos convocam a refletir como está a nossa experiência de relacionamento com Jesus Cristo mediante a Fé. Não podemos testemunhar alguém sem uma experiência pessoal com ela; o testemunho para ser real precisa ser envolvente; quem fala de ideias ou de imaginações pessoais é frio. Diferente, porém, é quando narramos aquilo pelo qual fomos envolvidos ou com quem convivemos. O testemunho é sempre uma experiência comemorativa e afetiva, muito mais que intelectiva.

Os apóstolos foram entusiastas testemunhas de Jesus Cristo; não foram teóricos, romancistas, escritores. Foram narradores que contaram a sua própria história de convivência com o Mestre. Falaram sobre a pessoa de Jesus a partir do relacionamento com Ele, sua amizade comendo e bebendo com Ele. Também nós somos chamados a narrar aos outros a nossa experiência de fé que pode ser evidente através da promoção da dignidade humana onde quer que estejamos; do cuidado com os mais vulneráveis e sofredores; da experiência do voluntariado; da vida fraterna comunitária e na família onde podemos nos exercitar na prática do acolhimento, da paciência, da compaixão, do perdão, da misericórdia, da solidariedade etc. Sem experiência de vida o nosso testemunho, lamentavelmente, se reduzirá a um puro discurso sem vida, porque “a fé sem obras é morta!” (Tg 2,17).

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Por que o testemunha é um possível candidato ao martírio?
  2. Como podemos superar a timidez do nosso testemunho sobre Jesus de Nazaré?
  3. Por que, em geral, é sempre prazeroso ouvir o testemunho de fé de alguém?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2