Foto: Dom Wilmar Santin 

As águas, os rios e os mares sempre provocaram a humanidade, ao mesmo tempo que são fonte de vida e alimento, meio de transporte e comunicação entre as pessoas. Nossa Arquidiocese de Belém, com seus vários núcleos insulares de assistência pastoral, convive com embarcações de todo porte, desde os grandes navios e balsas, passando pelos barcos, lanchas, rabetas e simples “casquinhas” que transportam pessoas e gêneros alimentícios. Nossos portos e trapiches, de todo tipo e tamanho, podem servir para o bem e, infelizmente, muitas vezes servem para o terrível tráfico humano e de drogas. Convivemos com as águas, ouvimos tantas vezes as pessoas dizerem que o rio é nossa rua, assumimos juntos o desafio de conservar as imensas riquezas de nossas águas, educando as novas gerações ao trato mais respeitoso com os dons que Deus nos prodigalizou em abundância.

Há poucos dias, indo à Comunidade de Santo Antônio, na Ilha do Combú, mais uma vez impressionou-me o gosto com que os ribeirinhos e as muitas embarcações com que cruzamos nos cumprimentavam e se cumprimentavam reciprocamente. Durante a missa, uma embarcação cheia de turistas, todos apetrechados com seus equipamentos e remos, interrompeu sua viagem, permanecendo próxima do trapiche para escutar a homilia. Depois, viagem adiante, certamente com a semente parecida com o grão de mostarda do Evangelho daquele domingo, cujos frutos certamente aparecerão, na hora e na medida de Deus!

Jesus também, em tempos de Galileia, atravessou muitas vezes o Lago, que de grande era chamado de Mar, percorrendo as vilas e cidades. Quem está no cimo do Monte das Bem-aventuranças, onde pronunciou o Sermão da Montanha, tem uma visão privilegiada. Foi à beira do Lago que Jesus determinou que os discípulos de ontem e de hoje se aventurassem por águas mais profundas (Cf. Lc 5,1-11). Tabga, lugar do primado de Pedro, às margens do Lago, onde Jesus, não uma sombra ou um fantasma, mas o próprio Senhor, os mandou lançar as redes e preparou-lhes uma refeição mais do que simbólica, ou Cafarnaum, quem sabe, Magdala, Tiberíades e outros tantos lugares. É possível ver, do outro lado do Lago, áreas que pertencem hoje à Síria. Por aquelas bandas Jesus foi à região da Decápolis, onde mostrou também sua força, poder e missão. Foi também pelo Lago que Jesus foi a Gerasa (Cf. Mc 5,1-20), onde expulsou demônios e foi rejeitado pelos moradores. Muitos os fatos, todos eles carregados de ensinamentos, que não estamos diante de um livro de histórias edificantes, mas do Evangelho!

Entretanto, a Liturgia do décimo segundo Domingo do Tempo Comum (Jó 38,1-8.11; 1 Cor 5,14-17; Mc 4, 35-41) oferece oportunidade privilegiada para uma reflexão a partir do receio provocado pelas águas e a força de Deus Criador e Senhor, que aliás se manifesta diante dos discípulos, acostumados ao medo das águas revoltas, por muitos dos antigos consideradas habitações de monstros e sinal de morte! Provavelmente não lhes era claro o que já se encontrava no livro de Jó, pronunciado pelo Senhor: “Quem fechou com portas o mar, quando ele irrompeu como se saísse das entranhas, quando eu lhe dava a nuvem por vestido e o envolvia de escuridão como de fralda? Eu o demarquei com meus limites e lhe pus ferrolho e portas, dizendo: ‘Até aqui chegarás, e não além; aqui dominarás as tuas ondas encapeladas!’” (Jó 38,8-11)

Jesus determina aos discípulos a viagem para outra margem (Mc 4,35-41). Noutra ocasião, mandou-os à frente, para depois caminhar sobre as águas (Jo 6,16-20), quando podemos imaginá-lo “cavalgando sobre as águas” (Cf. Sl 46,1-12; Sl 68,1-5). Agora Jesus está placidamente dormindo dentro da barca, e o vento e a chuva se enfurecem. Pensam estar perecendo por não terem tomado consciência daquele que os acompanhava, cujo poder faz as águas se acalmarem.

Agora, os discípulos de hoje. Não basta repetir o que tenhamos feito até hoje! Os desafios são novos e diferentes. O apelo do Papa Francisco ressoa a atitude de Jesus, lançando-nos a descobrir caminhos novos, sair missionariamente ao encontro dos mais afastados. Aceitar a provocação positiva que nos lança a buscar águas mais profundas (Cf. Lc 5,1-11), mesmo quando nos sentimos frágeis e pecadores, pois o Senhor vai além de nossos pecados e fraquezas, fazendo de todos nós pescadores de homens, como aconteceu com os primeiros discípulos.

A atitude a ser assumida é a coragem vinda da fé, lançando-nos a buscar caminhos novos, criatividade, ousadia. Em meu primeiro encontro com o Papa Francisco, na Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro, 2013, ao apresentar-me como Arcebispo de Belém, ouvi palavras fortes, à época transmitidas ao povo de Belém: “Sejam corajosos, sejam ousados. Se não forem ousados, já estarão errando de princípio”. E nossa Igreja há de retomar esta proposta. Temos abertas algumas estradas! Retomamos o caminho do Primeiro Sínodo da Arquidiocese de Belém – “Belém, Igreja de Portas abertas” – com as diversas atividades nas Paróquias, Regiões Episcopais e outros organismos arquidiocesanos. Abriu-se recentemente o processo da Primeira Assembleia Eclesial Latino-americana e Caribenha, “Somos todos discípulos missionários em saída”, programada para o mês de novembro, na Cidade do México. Todos os que desejarem podem enviar suas propostas pessoais ou em grupo, acessando na Internet “Assembleia Eclesial”. Mais ainda, começa a preparação do Sínodo dos Bispos, a ser realizado em 2023, com a fase de “escuta”, em processo em nossas Paróquias e Regiões Episcopais. É um tempo novo e desafiador, com outras margens e águas mais profundas.

Podemos rezar e cantar nestas intenções, dizendo assim: “Mesmo na tempestade, mesmo que se agite o mar, te louvo, te louvo em verdade. Mesmo longe dos meus, mesmo na solidão, te louvo, te louvo em verdade. Pois somente tenho a ti, tu és a minha herança, te louvo, te louvo em verdade. Mesmo que me faltem as palavras, mesmo que eu não saiba louvar, te louvo, te louvo em verdade” (Martin Valverde).

POR Dom ALBERTO TAVEIRA CORRÊA

Arcebispo Metropolitano de Belém - PA e Vice-Presidente Regional da CNBB Norte 2