Introdução:

Após refletirmos sobre as exigências da quaresma e a conversão, com suas múltiplas consequências, falamos agora da necessidade da experiência do crescimento na fraternidade. De fato, não há conversão sem fraternidade e, por outro lado, esse deve ser um irrenunciável fruto da fé. Não existe amor a Deus sem o amor ao próximo. Sem caridade fraterna a fé se torna vazia e permanece um estéril discurso religioso.

Eis porque é tão importante entendermos a necessidade da reflexão sobre a fraternidade neste tempo de preparação para a Páscoa. Naturalmente quem rejeita a experiência do diálogo está assumindo uma postura alheia ao dinamismo do amor e também da paixão pela verdade.

Por outro lado, também quem não dialoga com o outro é porque presume já estar pleno da verdade e dessa forma, peca profundamente por presunção, orgulho, vaidade e egolatria. Está negando as atitudes de Jesus que, sendo a verdade, acolheu e dialogou com todos para promover a conversão e salvá-los.

O Papa Francisco, com seus gestos, atitudes e discursos, está insistentemente nos convidando à experiência da abertura, do desarmamento psicológico, da proximidade e do diálogo. Entre tantos desafios socioculturais e religiosos “a Igreja é chamada a ser servidora de um diálogo difícil” (EG, 74).

 

  1. Os horizontes do tema da CF 2021

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano é “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor!” Quem poderia negar a existência da íntima relação entre fraternidade, diálogo e amor? Isso significa que na experiência do amor entre os irmãos que se amam está o diálogo. Assim como o diálogo que alimenta a comunicação é o “segredo do amor eterno” (John Powell), da mesma forma podemos afirmar que o segredo do bom entendimento entre os irmãos está na experiência da comunicação. Quem ama se comunica! Mas o egoísmo se retém e nos faz refém de nós mesmos.

A Campanha da Fraternidade deste ano nos convida à abertura para a comunicação nos exercitando no diálogo como caminho para superar as polarizações e violências; dessa forma seremos capazes de testemunhar a importância da diversidade que nos enriquece. A riqueza da sociedade está na diversidade dos indivíduos, instituições, culturas, mentalidades, crenças, sensibilidades, profissões etc.

Os objetivos específicos nos apresentam uma série de horizontes que dependem do diálogo a serem perseguidos por todos nós, a saber: o exercício de relações marcadas pelo amor; o reconhecimento do bom entendimento para a promoção da casa comum; a promoção do engajamento nas ações concretas de amor ao próximo; a importância de promoção da cultura do convívio fraterno entre fieis de crenças, ideologias e concepções diferentes.

A experiência do diálogo, por outro lado, estimulando a cultura das boas relações humanas, promove a denúncia das múltiplas violências religiosas, estimula a superação da cultura do ódio e derruba as barreiras causadas pelos preconceitos. 

 

  1. Um bom exemplo para todos

No dia 04 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi (capital dos Emirados Árabes Unidos), o Papa Francisco e o Imã de Al-Azhar Ahmed Al-Tayyib, considerado como a maior autoridade do mundo muçulmano sunita, assinaram um importante documento sobre a fraternidade humana em prol da paz. A carta é provocante e nos convida a contemplar a beleza da busca do essencial nas relações humanas e a conceber a religião como instrumento de promoção da Paz e da concórdia.

O documento afirma que a pluralidade no mundo como a diversidade de religiões, de cor, de sexo, de raça e de língua “fazem parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à liberdade de credo e à liberdade de ser diferente. Por isso, condena-se o fato de forçar as pessoas a aderir a uma determinada religião ou a uma certa cultura, bem como de impor um estilo de civilização que os outros não aceitam”.

Dessa forma a promoção da justiça e da misericórdia é um imperativo para as religiões porque, admitindo que o ser humano tem em Deus a sua fonte, a dignidade deveria ser sempre acolhida e respeitada. “O diálogo, a compreensão, a difusão da cultura da tolerância, da aceitação do outro e da convivência entre os seres humanos contribuiriam significativamente para a redução de muitos problemas econômicos, sociais, políticos e ambientais que afligem grande parte do gênero humano”.

O diálogo, portanto, é muito mais que uma pura estratégia de boas maneiras; é na verdade um valor ético que deve qualificar as relações humanas; é uma virtude a ser cultivada; o diálogo é o caminho e a ponte para paz. A negação do diálogo gera violência, egoísmo, orgulho, fantasia da autossuficiência. A prática do diálogo nos faz mais humanos.

 

  1. “Fratelli Tutti”: somos todos irmãos!

Na encíclica “Fratelli Tutti”, sobre a fraternidade e a amizade social, o Papa Francisco nos revela um dos seus nobres sonhos dizendo:Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” (FT,8).

Muitas vezes, o fundamentalismo, o doutrinalismo e a intolerância religiosa, que sempre geram violência, são consequentes da separação entre verdade e justiça. Todavia, o papa Francisco nos alerta: “a verdade é uma companheira inseparável da justiça e da misericórdia. Se, por um lado, são essenciais – as três, todas juntas – para construir a paz, por outro, cada uma delas impede que as restantes sejam adulteradas” (FT, 227). O papa se inspira no que diz o Salmista: “Amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85,11).

Caminhando para a conclusão dessa maravilhosa carta o Papa Francisco faz esta prece: “Peço a Deus que «prepare os nossos corações para o encontro com os irmãos independentemente das diferenças de ideias, língua, cultura, religião; que unja todo o nosso ser com o óleo da sua misericórdia que cura as feridas dos erros, das incompreensões, das controvérsias; peço a graça que nos envie, com humildade e mansidão, pelas sendas desafiadoras mas fecundas da busca da paz» (FT,254).

 

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Qual é a importância do diálogo nas relações humanas?
  2. Por que em nome de Deus, da verdade e da fidelidade muitos se fecham ao diálogo? O que está errado?
  3. “Amor e verdade se encontram, justiça e paz se abraçam” (Sl 85,11) – O que esse versículo bíblico lhe inspira?

 

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2