Santo Agostinho teve uma homilia muito bonita que fez para o povo de Deus a respeito do Salmo 132, em que fala da alegria do amor fraterno. Acreditamos que tais considerações são importantes na realidade atual, eclesial e social para vivermos o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo, assim como nos solicita o Senhor Jesus Cristo.

            O salmo é bem simples, curto no qual fala da beleza, da situação de como é agradável a irmãos unidos viverem em comum. É palavra suave como a caridade que leva irmãos a conviverem unânimes. Agostinho fez uma análise para ver se o salmo é referente a todos os cristãos em geral, ou se haviam alguns mais perfeitos que habitam unidos para a vivência da palavra de Deus[1].

            Tendo presente esta indagação, o bispo de Hipona afirmou que aquelas palavras do saltério, como agradável, quer cantadas, quer ouvidas, deram origem aos mosteiros[2]. Tal som ressoou em toda a terra e reuniu as pessoas que estavam dispersas, sendo este um clamor divino, profético, do Espírito Santo,[3]. É claro que primeiro foi dada essa benção, para os que seguiam a Jesus Cristo. O bispo de Hipona levantou perguntas no sentido da proveniência dos quinhentos discípulos que viram o Senhor ressuscitado, conforme relembrou o Apóstolo Paulo, de onde veio tanta gente? Depois, os cento e vinte, reunidos em no mesmo recinto após a ressurreição e ascensão do Senhor ao céu e no dia de Pentecostes, desceu o Espírito Santo, segundo a realização da promessa? (cf. At 1,15). Todos começaram a viver em comum. Muitas coisas eram vendidas e era depositado o preço aos pés dos apóstolos, e a multidão era um só coração e uma só alma (cf. At 4,32). Sem dúvida. aquelas pessoas foram as primeiras que ouviram a palavra: “Eis como é bom, como é agradável a irmãos unidos viverem em comum” [4].

            No entanto, se para Agostinho foram os primeiros, mas não foram os únicos, porque a caridade e a união fraterna não se limitaram somente a eles, mas a alegria da caridade e o voto feito a Deus abrangeram também muitas pessoas posteriores[5]. Deriva deste salmo o nome de monges, no seu verdadeiro sentido, de seguidor do Senhor, pessoa consagrada a Deus, ao próximo como a si mesmo. Não se tratavam dos circumcelliones, (circunceliões) pessoas que andavam errantes pelas celas, costumavam ir a muitos lugares, não sendo domiciliados e cometiam o mal, pela violência de atitudes, muitas vezes por onde passavam. Estes eram também de chamados de falsos monges. Porém para Santo Agostinho, não se arruinava a pia fraternidade aos que não professam ser o que não são. É claro que no cenário geral, familiar, comunitário e social existem falsos monges, falsos clérigos e falsos fieis[6].

            Se neste salmo, Santo Agostinho tinha presentes os circumcelliones, eram também chamados de agonistas, lutadores, combatentes, conforme declarou o Apóstolo Paulo: “Combati o bom combate” (2Tm 4,7). Agostinho afirmou que oxalá eles mesmos fossem soldados de Cristo e não do diabo, os quais a saudação que se davam entre eles era Louvor de Deus (De laudos), incutia maior medo do que o provocado pelo rugido do leão. Enquanto a saudação dos monges era graças a Deus (De gratis), agradece a Deus, porque um irmão vê o outro irmão[7]. Isto é motivo de dar graças a Deus, o encontro dos que vivem com Cristo[8]. Assim eram chamados os monges, aqueles que vivem unidos de tal sorte que formaram um só ser humano, do qual foi escrito que são uma só alma e um só coração (At 4,32), sendo muitos corpos, mas não muitas almas, não muitos corações, chamando-se monos, isto é, um só. Já os circumcelliones, espécie de monges dos donatistas, não queriam viver unidos aos irmãos, mas seguiam a Donato, e abandonaram a Cristo[9].

            Santo Agostinho convidou o povo de Deus a cumprir a lei de Cristo que consiste os irmãos viverem em comum, no amor. Tudo isso é dom de Deus, é graça, qual orvalho que cai do céu. A terra não produz a chuva por si mesma, porque tudo seca se do alto não descer a chuva. Cristo é, pois a luz exaltada na cruz, pois na humilhação ocorreu a elevação. Se as pessoas quiserem viver em comum, desejam o orvalho, a chuva que vem do alto[10]. Deste modo, é preciso viver em comum, porém com a caridade perfeita de Cristo, porque senão a vivência fraterna não tem verdadeiro sentido, podendo viver só corporalmente[11], mas isso seria pouco. O Senhor derrama as suas graças sobre os irmãos que vivem em comum, na concórdia, na caridade[12].

[1] Santo Agostinho, Comentário aos salmos, 9/3. São Paulo, Paulo, 1998, pg. 764.

[2] Idem, pg. 764.

[3] Idem, pg. 764.

[4] Idem, pg. 765.

[5] Idem, pg. 765.

[6] Idem, pg. 766.

[7] Idem, pg. 769-770.

[8] Idem, pg. 770.

[9] Idem, pg. 771.

[10] Idem, pg. 775.

[11] Idem, paz. 775-775.

[12] Idem, pg. 776.

POR Dom VITAL CORBELLINI

Bispo de Marabá - PA