Introdução

Celebrando solenemente a Festa de Corpus Christi somos convidados a aprofundar o sentido e as consequências do Sacramento da Eucaristia em nossa vida. Para sermos mais estimulados consideremos as preocupações do apóstolo Paulo presentes na primeira Carta aos Coríntios (cf. 1Cor 11,17-33).

O breve texto desta leitura é o mais antigo relato sobre a Eucaristia (do ano 56 d.C). O texto é uma resposta ao problema do esvaziamento do significado da Eucaristia presente na comunidade de Corinto. Essa comunidade vivia sérios problemas internos: divisão, disputas, exclusão, rixas, destemperança, egoísmo, insensibilidade, embriaguez etc. (cf. 1Cor 11,17-19) e, no entanto, celebrava tranquilamente a Eucaristia.

O apóstolo chama a atenção da comunidade para a coerência de vida daqueles que recebiam a Eucaristia. Essa preocupação é sempre válida para toda a Igreja nos seus mais variados níveis. O contexto sociocultural e pastoral em que vivemos, nos apresenta muitos desafios que podem contribuir para uma espécie de “dessignificação” do Sacramento da Eucaristia. Essa dessignificação é consequência da ignorância catequética, da perda do sentido do sagrado, da falta da relação entre o Jesus dos Evangelhos e o Cristo Eucarístico, da fragmentação dos mistérios da nossa fé, da ruptura entre fé e vida etc. Estamos diante do risco do “costume” ou da “rotina” da comunhão eucarística em nossa vida.

Assim a grandeza do mistério da Eucaristia tende a ser esvaziado sendo tratado como “coisa”, amuleto, objeto portador de efeitos mágicos, como alimento de dieta. Parece estranho, mas foi exatamente isso o que me declarou certa vez uma piedosa senhora. “Eu fiquei boa da minha doença, somente comendo hóstia consagrada todos os dias”.

 

  1. As preocupações paulinas

Paulo observava uma espécie de paralisia no crescimento da comunidade de Corinto, pois a Eucaristia já não mais fazia efeito na vida das pessoas: “em vez de ajudá-los a progredir, os prejudicam” (1Cor 11,17). A causa dessa ineficácia eucarística era percebida pelo apóstolo: “quando estão reunidos em assembleia, há divisões entre vocês” (1Cor 11,18). “Quando se reúnem, o que vocês fazem não é comer a Ceia do Senhor, porque cada um se apressa em comer a sua própria ceia. E, enquanto um passa fome, outro fica embriagado” (1Cor 11,20-21).

O apóstolo Paulo denunciando a incoerência da vida cristã da Comunidade de Corinto, testemunha o verdadeiro significado da Eucaristia, corrigindo seus desvios e afastando os riscos da banalidade do seu significado (cf. 1Cor 11,17-22). Fala-lhes com firmeza, dizendo que aquilo que transmitiu a eles, foi o que ele mesmo recebeu do Senhor Jesus (cf. 1Cor 11,23). Com honestidade, Paulo quis dizer-lhe que a Eucaristia não é uma instituição humana, mas divina; não é uma convenção simbólica da Igreja e por ela criada, mas encontra-se sua origem e significado no próprio Jesus.

Na comunidade de Corinto todos eram assíduos ao encontro da fração do Pão (Eucaristia). Mas essa participação era vazia de frutos, pois muito já tinham perdido o seu sentido, ou de fato, desde o início não a tinham compreendido. Os fiéis estavam perdendo o senso da comunhão, de solidariedade, o compromisso comunitário, o equilíbrio pessoal; se reuniam simplesmente para comer e beber. Isso era consequência da perda da consciência do significado daquilo que celebravam. Era grave! Com isso a Eucaristia riscava de se transformar num mero ritual sociorreligioso despido da sua importância, do seu mistério e significatividade, das suas exigências morais etc.

Paulo os advertiu dizendo que, se a reunião fosse só para comerem e beberem, que o fizessem em casa, pois o comer e beber eucarístico tem um sentido e disso deriva uma séria responsabilidade. Não se pode receber o Corpo de Cristo se não o obedecemos espiritualmente, se não o assumimos moralmente. Não se pode comer o Corpo de Cristo e continuar sendo insensível aos necessitados da comunidade: desprezando os doentes, continuando divididos, abandonando os parentes, promovendo práticas desonestas de vida, gerando a exclusão, violentando as pessoas, vivendo desequilibradamente.

 

  1. O sentido da Comunhão Eucarística

A solução para aquela situação estava na retomada da consciência da sacralidade da Eucaristia, superando a tentação do simbolismo descomprometido. Paulo convida a comunidade a retornar ao passado e a recuperar o sentido das Palavras de Jesus. Se para o fiel a participação na Eucaristia não representar comunhão com Jesus, compromisso consigo e com os outros, nada significará. Ao contrário, um mal representará (cf. 1Cor 11,27-29). Não se pode “comungar”, sem comunhão; ir ao encontro do amor, sem amar; e viver desprezando os outros negando a palavra, a atenção, o perdão, a ajuda!

Não é coerente entrar na fila da comunhão e ignorar a vida de Jesus Cristo, viver na banalidade moral, assumir um estilo de vida agressivo, ser indiferente aos outros, viver mesquinhamente, maquinar contra a vida dos irmãos, ser desonesto nos negócios, violento na família, acomodado e fechado no próprio mundo.

É incoerência entrar na fila da comunhão e continuar a “estar-de-mal” com o outro; não é coerente entrar na fila da comunhão e não aceitar as exigências do ser discípulo de Jesus Cristo. Esse texto nos chama atenção para aprofundarmos em nossa vida as consequências concretas da nossa participação na Eucaristia. Caso contrário, corremos o perigo de cair no esvaziamento do mais nobre sacramento deixado por Jesus Cristo.

 

  1. Comungar é assumir a Vida de Cristo

Paulo lembra aos fiéis de Corinto que as palavras de Jesus «Isto é o meu corpo que é para vocês; façam isto em memória de mim.»; «Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em memória de mim.» (1Cor 11,24-25), significam um sério compromisso de comunhão com Ele, de gerar mudança de vida pessoal capaz de nos levar ao senso de fraternidade. Sem compromisso moral com o presente e nem com o futuro, a comunidade de Corinto corria o risco de transformar a Eucaristia num mero ritual material, simbólico do passado.

A Eucaristia é a celebração da presença real e viva de Jesus Cristo entre nós. Fazer memória é torná-lo vivo outra vez e, com Ele, renovamos os compromissos de sermos seus discípulos promovendo o Reino de Deus. A Eucaristia é a celebração da Nova Aliança (cf. 1Cor 11,25), isto é, pacto de Amor que renova as relações humanas e gera uma nova humanidade, um novo mundo onde as relações se baseiam na prática da fraternidade, da partilha, da solidariedade, da comunhão, do cuidado, da compaixão, do perdão, da obediência, da missionariedade.

Comungar não é um rito que gera status (privilégio), mas é um dever que se assume; a Eucaristia não é um momento litúrgico, mas é a espiritualidade de total comunhão com Cristo e com os irmãos. Sem essa perspectiva de compromisso, que é o caso denunciado por Paulo na comunidade de Corinto, corre-se o perigo da promoção do esvaziamento moral desse sacramento. Sim, somos todos pecadores, mas isso não justifica a hipocrisia que forja uma ilusória harmonia entre amor e ódio, fé e desonestidade, piedade e violência, veneração ao mistério de Deus e prática da corrupção e da injustiça contra os outros; diálogo com Jesus e negação da palavra ao irmão.  A Eucaristia recebida, portanto, não pode ser estéril.

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que você tem a dizer sobre a relação entre “Eucaristia e moralidade”?
  2. Quais são as consequências da perda da visão de compromisso com a Eucaristia?
  3. Qual é a relação entre Eucaristia e Reino de Deus?