Introdução

A cada ano, na proximidade da festa do Natal do Senhor, muitas pessoas e instituições despertam do sono da indiferença e, em poucos dias, querem forçosamente, sanar suas dívidas para com os mais pobres e sofredores. Também o mesmo pode acontecer com paróquias, congregações e outras instituições católicas.

É nesse contexto, que muitas vezes, aparecem as Campanhas de “Natal Solidário”, a doação de cestas básicas, a distribuição de presentes, experiências momentâneas de voluntariado, etc. São boas obras, mas não satisfazem o nosso dever ético, pois os pobres e indigentes, com suas múltiplas necessidades, estão ao nosso lado todos os dias! Eis aqui um sério convite para a nossa reflexão, uma vez que o nosso compromisso com os pobres e sofredores deve ser permanente.

A Igreja, seguindo as pegadas de Jesus Cristo, em todas as épocas e contextos socioculturais, sempre, de modo geral, testemunhou essa grande sensibilidade desde os seus primórdios. Uma das primeiras atitudes de sensibilidade social da Igreja, encontramos nos Atos dos Apóstolos quando foi instituído o diaconato (cf.At 6,1-7).

 

  1. A Amazônia dos pobres

O compromisso para com os pobres e sofredores não tem fronteiras. Mas faz bem tomarmos consciência de que há territórios em ambientes concretos onde os clamores da realidade são mais gritantes e dramáticos. Essa questão se faz presente seja em nível nacional, quanto regional, diocesano ou paroquial.

Em nível nacional, a pobreza na Amazônia, lamentavelmente, se destaca e é gritante por todos os lados. Segundo o IBGE, atualmente no Brasil, há quase 52 milhões de pessoas em estado de pobreza e cerca de 13 milhões que vivem na extrema pobreza; sessenta e seis por cento (66%) dos piores municípios do Brasil, em qualidade de vida, estão na Amazônia. Apesar das suas múltiplas fontes de riquezas naturais, a Amazônia brasileira reúne os piores indicadores de desenvolvimento humano do país.

O mosaico da pobreza Amazônica é composto por muitas situações: a carência de investimentos na educação que estimule a produção de ciência e tecnologia; a crise de liderança, a corrupção, a falta de planejamento, a crise das instituições de controle social, a carência de políticas públicas municipais estaduais integradas e permanentes, etc.

Mas esse não é um carimbo amazônico! Somos chamados a olhar para o ambiente onde vivemos e como interagimos com ele. Quem estamos enxergando? O que percebemos? Quais lugares frequentamos com mais assiduidade? Uma coisa é certa: a Palavra de Deus nos adverte para não esquecermos os pobres (cf. Gl 2,10; Sl 10,12), pois é uma realidade permanente entre nós! Não basta uma mera recordação com eventos circunstanciais, é necessário compromisso permanente, sistemático e projetual para com o cuidado com a dignidade humana (cf. Is 58,6-10).

 

  1. Jesus Cristo, a Esperança dos pobres

Jesus declarou a sua missão como serviço de libertação dos pobres, aprisionados, cegos e oprimidos (cf. Lc 4,14-20). Ele era profundo conhecedor da realidade da sua gente porque estava no meio do povo; andava pelas vilas e cidades, campos, desertos e praias; entrava nas sinagogas e nas famílias.

Com olhar sensível, cheio de compaixão e crítico, Jesus percebeu que havia uma dura realidade que contrariava a vontade de Deus Pai: gente faminta, descuidada e desorienta (cf. Mc 6,34-44), gente explorada por um sistema político-religioso injusto (cf. Mt 23,1-12); desemprego (cf. Mt 20,1-6); pobres, famintos e sem cuidados (cf. Mc 6,34); doentes  excluídos (cf. Mc 2-5); ricos que esbanjavam seus bens no luxo, prazeres e não se importavam com o sofrimento dos pobres (cf. Lc 16,19-21), etc. Como Bom Pastor declarou: “eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

O Papa Francisco escolheu como tema da V Jornada Mundial dos pobres a frase de Jesus «sempre tereis pobres entre vós» (Mc 14,7). Por isso a sensibilidade para com eles não deve ser passageira!

 

  1. A Igreja e os pobres

A Igreja não pode ser orientada por outra sensibilidade, senão por aquela de Jesus Cristo; e para tornar visível o seu compromisso de promoção do Reino de Deus é necessária a atenção para com a dignidade humana ofendida, que pode ser pela pobreza ou por outros males.

O zelo pela promoção da justiça, fruto da caridade, é um imperativo vocacional para a Igreja. A Igreja foi fundada para continuar a obra de Jesus e a indiferença para com os pobres, doentes, oprimidos, sofredores, famintos, injustiçados, seria uma traição à sua missão e ao seu Mestre e Senhor. O cuidado pastoral para com os pobres tem um claro e profundo fundamento bíblico e teológico. O Deus da Igreja é o “Pai dos pobres”, dos órfãos e das viúvas!

O nosso Deus é Aquele que faz justiça aos oprimidos, que dá pão aos famintos, que liberta os prisioneiros; o nosso Deus é aquele que abre os olhos dos cegos, que endireita os encurvados e protege os estrangeiros; que sustenta o órfão e a viúva… (cf. Sl 146,7-9). Por isso, não há espaço para uma fé fria e intimista.

Essa mesma responsabilidade missionária da Igreja tem uma dimensão canônica, ou seja, o próprio Direito Canônico define que “os fiéis têm obrigação de socorrer às necessidades da Igreja, a fim de que ela possa dispor do que é necessário para o culto divino, para as obras de apostolado e de caridade e para o honesto sustento dos ministros. Têm também a obrigação de promover a justiça social e, lembrados do preceito do Senhor, socorrer os pobres com as próprias rendas” (Cân. 222,1.2).

O Cânon 529, explicita a sensibilidade do pároco, como pastor, que deve cuidar de todos.  Além do devido cuidado para com as famílias, doentes, moribundos, afirma o Direito: “especial cuidado dedique aos pobres e doentes, aos aflitos e solitários, aos exilados e aos que passam por especiais dificuldades. Empenhe-se também para que os esposos e pais sejam ajudados no cumprimento de seus deveres; incentive na família o crescimento da vida cristã”.

Uma vez que a promoção da Caridade e da Justiça é para todos os fieis e, com responsabilidades específicas para os ministros ordenados, também os diáconos e bispos devem ser portadores da mesma sensibilidade.

Além do Mestre Jesus Cristo, a Igreja também é chamada a imitar Maria, como a mestra da Caridade e da sensibilidade para com os necessitados. Ela, profundamente solidária para com os carentes, foi ao encontro da sua prima Isabel para servi-la; em Caná da Galileia, discretamente, percebeu a falta de vinho e tomou as devidas providências.

 

  1. Respostas permanentes

A resposta permanente da Igreja às carências humanas deve se dar através das pastorais e de muitas outras formas de serviços. A pastoral da criança, a pastoral juvenil, a pastoral da pessoa idosa, a pastoral dos enfermos, a pastoral carcerária, a pastoral da saúde, a pastoral familiar, a pastoral dos migrantes, dentre tantas outras, são instrumentos que manifestam a sensibilidade humana da Igreja, sua ternura e compaixão para com os prediletos de Jesus.

Uma paróquia que não tem pastorais está em profunda carência de paixão pelo Reino de Deus, porque não está sendo sensível para com os mais pobres e sofredores. Uma paróquia sem sensibilidade pastoral vive na frieza é um corpo frio, que carece de paixão pela vida e está doente! Por outro lado, revela a fragilidade da fé e da liturgia, porque carece de relação com o dinamismo do Reino de Deus. A liturgia deve celebrar o Cristo na sua totalidade existencial.

A fé tem uma dimensão social, por isso não deve ser reduzida a um ato de bondade privada. Sobre isso, São Paulo nos estimula dizendo: “Não se amoldem às estruturas deste mundo, mas transformem-se pela renovação da mente, a fim de distinguir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que é agradável a ele, o que é perfeito” (Rm 12,1-2). A caridade é experiência de Deus! (cf. Mt 25,3-46).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que você acha das Campanhas de Natal sem compromissos?
  2. Por que a Igreja não deve se afastar dos pobres?
  3. Como está a sensibilidade da sua paróquia para com os mais pobres, há pastorais?