por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

A terceira expressão de oração reconhecida pela tradição da Igreja, além da oração vocal e oração mental (meditação) é a oração contemplativa (cf. CIC, 2699). Na língua portuguesa o verbo “contemplar” tem muitos significados. Pode significar admirar, apreciar, observar, fitar, perscrutar, examinar, investigar, refletir profundamente, remoer, ruminar, supor, imaginar, idealizar…

  1. O que é a contemplação?

No campo da espiritualidade, a contemplação é o mais alto grau da experiência da oração, como consequência da meditação. A meditação tem um duplo movimento: ao mesmo tempo que leva o sujeito a aproximar-se mais profundamente do objeto refletido, analisando-o, se distancia da sua realidade contingente, limitada, contextualizada. Na filosofia esse processo se chama “abstração” quando o sujeito pensante não se interessa pelas qualidades particulares de um objeto concreto. Mas interessa-se pela categoria dele, enquanto tal!

A contemplação é como que o voo da meditação pelo mundo das imagens, relações, conexões, movimentos, possíveis compromissos… Por isso a contemplação é profundamente dinâmica e pode conduzir o sujeito ao êxtase, do grego ékstasis, que significa “sair fora de si”. Todavia, a autêntica contemplação, sobretudo na perspectiva cristã, jamais aliena a pessoa, mas sempre a convida a dar a máxima qualidade para a realidade em que vive. Dessa forma, o fiel capaz de contemplação é sempre alguém que, como alguns pássaros hidrófilos, que voando sobre as águas, tudo observam e estão sempre prontos para um profundo mergulho para pescar seu alimento. No monte Tabor a contemplação de Pedro, Tiago e João se conclui com a descida à realidade da vida do povo. Eles porém, desceram abastecidos, serenos e animados (cf. Mc 9,2-10).

A contemplação não se identifica com a pura observação de caráter físico e dimensional, nem se iguala à atitude mentalmente especulativa e examinadora de uma realidade. Na verdade, o objeto da contemplação não tem dimensões materiais porque está além da pura realidade material. Na experiência da contemplação, mais que a razão, é a alma quem trabalha, impulsionada pela fé e o afeto, que se entretém e mergulha nas manifestações de Deus que se revela de muitas formas.

A contemplação, por isso, é uma experiência religiosa. Essa conexão com a espiritualidade está na sua etimologia. Desse modo, a palavra contemplação deriva do termo latino “contemplatio”; na sua raiz está o termo “templum”; espaço de oração, adoração e conexão com o mundo divino. Contemplar é transcender o mundo das limitações. Por isso quem contempla movido pela fé o mistério do sofrimento, não se perde na ansiedade, mas é fortalecido e se enche de esperança. A contemplação nos estimula a passar do mundo das ideias, para o dinamismo dos sonhos. Sem a visão da mente nada realizamos e não crescemos!

  1. A contemplação no Catecismo da Igreja Católica

Para definir o que é a contemplação, o Catecismo da Igreja Católica recorre ao pensamento de Santa Teresa que afirma que a contemplação é uma experiência de relacionamento amoroso com Deus. “A contemplação procura «Aquele que o meu coração ama» (Ct 1,7), que é Jesus, e n’Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d’Ele e viver n’Ele” (CIC, 2709).

Por ser expressão de uma relação de amor, o lugar da contemplação é o coração (cf. CIC, 2710). “A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder amando ainda mais… A contemplação é a entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com o seu Filho muito amado” (CIC, 2712). “A contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do nosso ser. A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança» (CIC, 2713).

A contemplação é, também, o tempo forte da oração. Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós sejamos radicados e alicerçados no amor (cf. CIC, 2714).
A contemplação é o olhar da fé, fixo em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele olha para mim» (São João Maria Vianey).

Contemplação é renúncia ao «eu»; é olhar que purifica o coração; experiência que nos ensina a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige o nosso olhar para os mistérios da vida de Cristo (cf. CIC, 2715); é escuta da Palavra de Deus; é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão amorosa do filho (cf. CIC, 2716); é silêncio, «linguagem calada do amor»; é comunhão de amor, portadora de vida; é estado de profunda reflexão e observação, onde se busca entender algo além da superfície aparente (cf. CIC, 2717-19).

A contemplação é imaginação do mundo das realidades divinas que buscamos trazê-las para o nosso mundo, que fortalece nossa vida, que acalma a mente, renova o espírito, fortalece os ânimos, purifica a afetividade, relança o sentido da vida, promove a paz interior, alicerça as virtudes. A contemplação nos educa para a visão do invisível, nos cura das feridas do tempo, nos concentra, nos capacita para a transcendência, nos projeta para o futuro que é a plena a comunhão com Deus, conosco e com os outros. A contemplação nos liberta do imanentismo (da prisão no mundo contingente).

Em sua obra, “Tratado do Amor de Deus”, no VI livro, São Francisco de Sales reflete sobre a oração, meditação e a contemplação. A experiência da contemplação está inserida no contexto da oração profunda; ela nos convida à meditação e, esta por sua vez, nos estimula à experiência da contemplação. A contemplação é filha da meditação. Sales faz uma advertência ao fiel para que em vez de contemplar a Deus não contemple a si mesmo. Podemos cair no erro de pensar uma imagem de Deus como reflexo de nós mesmos. A contemplação não é outra coisa mais que uma amorosa, simples e permanente atenção do espírito às coisas divinas (cf. IX livro, XII capítulo).

  1. A contemplação no cotidiano da Vida

A contemplação não está no mundo das coisas e nem das ideias, mas no horizonte dos ideais, dos desejos espirituais, da superação, da vitória, da glória. O mundo da contemplação é aquele do amor, da bondade, da busca da perfeição, da verdade, da santidade divina… A experiência da contemplação é conexão com os dons do Espírito em vista do robustecimento das virtudes para a santificação do sujeito que contempla.

Ao longo da história da Igreja, diversos santos se dedicaram ao aprofundamento da contemplação, como Santo Tomás de Aquino, São João da Cruz, Santa Teresa D´Ávila, São Francisco de Sales. De modo geral, todos eles refletiram a contemplação como experiência de sintonia com o Amor de Deus, da qual vem a sabedoria e a extraordinária moção do Espírito Santo que estimula a pessoa a buscar a santidade.

No documento “A dimensão contemplativa da Vida Religiosa”, da Congregação para os Religiosos e os Institutos seculares (1980), afirma-se que uma das principais necessidades e experiências próprias da vida consagrada é a contemplação, como sinal da primazia absoluta da vida do Espírito nos consagrados. A experiência da contemplação favorece a integração entre interioridade e atividade nos Institutos de vida ativa; a contemplação promove a vitalidade e a renovação dos Institutos especificamente contemplativos. “A dimensão contemplativa é radicalmente uma realidade da graça, vivida pelo crente como um dom de Deus, que o torna capaz de conhecer o Pai no mistério da comunhão trinitária, e poder apreciar as profundidades de Deus” (N. 1).

A contemplação é o esforço para fixar o olhar e o coração em Deus. A contemplação é participação do homem de fé no dinamismo da vida divina; é “atitude que manifesta a virtude da piedade, fonte interior de paz e portadora de paz em qualquer ambiente de vida e de apostolado”; provoca “uma progressiva purificação interior, sob a luz e guia do Espírito Santo, de modo que possamos encontrar a Deus em tudo e em todos para chegar a ser louvor da sua glória”; a contemplação é “raiz profunda que alimenta e unifica todos os aspectos da existência dos religiosos e religiosas” (N. 1).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Qual é a diferença entre meditar um assunto e contemplar um mundo?
  2. Por que a contemplação não aliena a pessoa, mas a capacita para a santidade?
  3. Por que a experiência da contemplação é tão importante para a Vida Consagrada?