por Assessoria de Comunicação / CIMI

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi, lançou, nesta quinta-feira (13) o livro “Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco”. Em 29 artigos escritos por especialistas, pessoas envolvidas e comprometidas com a proteção e existência dos povos isolados, o livro traz uma grande riqueza de informações e análises sobre a existência desses povos, seus direitos, as políticas governamentais e os riscos a sua sobrevivência nos diferentes países da América do Sul.

A publicação é uma iniciativa da Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (Eapil) do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com o apoio da Rede Eclesial Pan Amazônica (Repam). “Povos livres” é como a Eapil conceitua os povos indígenas em isolamento voluntário, enfatizando com isso a determinação por autonomia e autodeterminação expressa por estes povos através da busca de distanciamento do mundo exterior.

A capa do livro é uma homenagem ao último indígena habitante da Terra Indígena Tanaru, falecido em 2022, que se manteve em isolamento mesmo após o seu povo ter sido exterminado. O indígena “Tanaru”, também conhecido como “índio do buraco”, é símbolo da resistência de todos os povos indígenas que, na defesa da autonomia e autodeterminação, adotam a estratégia do isolamento voluntário.

Destinado tanto àqueles já familiarizados com as questões indígenas como ao público em geral, os exemplares físicos estão disponíveis para a venda no valor de R$ 45. O valor arrecadado será totalmente revertido para custear as despesas de produção do livro. Para mais informações, entre em contato pelo e-mail mobiliza@cimi.org.br.

O livro apresenta uma abordagem ampla e diversa sobre o tema, com enfoque sul-americano. Em um contexto de crescente ameaça à vida e ao futuro dos povos indígenas livres, decorrente das políticas desenvolvimentistas adotadas em diversos países da região amazônica e também pelo Paraguai, a publicação atualiza e discute aspectos relacionados a esses povos, buscando dar visibilidade e estimular ações de solidariedade e políticas públicas adequadas e necessárias para a proteção de seus territórios. Também pretende ser um subsídio para a atuação das organizações indígenas e entidades indigenistas, dos organismos públicos, nacionais e internacionais, e da sociedade civil.

Os povos indígenas livres estão presentes em grande número no continente sul-americano, na Amazônia e no Paraguai, e também existem na Ásia e na África. Segundo o levantamento “Pueblos indígenas en aislamiento: territorios y desarrollo en la Amazonía y el Gran Chaco”, feito em 2019, na América do Sul temos o seguinte quadro de registros:

 

Desses registros, 178 estão localizados na Amazônia. Do total de 185 registros de povos indígenas isolados, os Estados Nacionais reconhecem a existência de apenas 66, sendo que em 119 dessas referências, a presença desses povos permanece invisível para os governos nacionais.

A Eapil/Cimi mantém uma lista independente de registros de Povos Livres no Brasil, que é apresentada no livro. A partir de levantamentos de campo realizados por equipes locais da Eapil e de informações incorporadas da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e de outras entidades indigenistas, esta lista reúne hoje informações sobre a presença de 119 povos indígenas isolados no Brasil, sendo apenas um localizado fora da Amazônia.

Deste total, 37, ou seja, quase um terço, encontra-se em áreas sem nenhuma providência para a restrição de acesso, demarcação territorial e proteção efetiva da Funai. O órgão indigenista reconhece 114 registros de povos isolados no Brasil, e atesta como comprovada a existência de apenas 28 destes povos ou segmentos de povos em isolamento voluntário.

Um grande número dos registros de povos indígenas livres na América do Sul está localizado em regiões de fronteiras internacionais. Segundo estudo apresentado no livro, considerando diferentes fontes, esse número pode ficar entre 106 e 146 registros, sendo que entre 34 e 44 destas referências indicam povos isolados ocupando territórios transfronteiriços.

Em defesa dos povos indígenas livres/isolados

Na Parte I do livro, três artigos se posicionam firmemente em defesa da vida e dos territórios dos povos indígenas isolados, baseados na legislação internacional sobre direitos humanos assinalados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Os textos ressaltam o respeito por sua autodeterminação que se manifesta no “direito de permanecer em condição de isolamento voluntário e de viver livremente e de acordo às suas culturas” conforme defende o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Dois desses artigos destacam o posicionamento da Igreja Católica em defesa dos direitos dos povos indígenas livres, baseados na prática do Cimi e presentes em documentos da Rede Eclesial Pan Amazônica (Repam), do Sínodo dos Bispos para a Amazônia e na Encíclica Papal Querida Amazônia e em outras declarações do Papa Francisco.

Povos livres/isolados: existência e regiões habitadas

Os artigos que compõem a Parte II proporcionam uma visão geral sobre a existência dos povos indígenas isolados no mundo, com informações sobre sua presença e o contexto em que vivem em diversos continentes, com enfoque mais específico na América do Sul. Esses artigos apontam as regiões habitadas pelos povos isolados, destacando sua presença em áreas protegidas e nas fronteiras entre os países no continente sul-americano.

Além da presença dos Povos Isolados na Amazônia e no Chaco Paraguaio, estes povos também se encontram na Ásia, a exemplo dos Sentinelese na ilha de North Sentinel (Sentinela do Norte), na Índia; e dos Hongana Manyawa, na ilha de Halmaherana, na Indonésia, e na Bacia do Congo, na África.

Povos livres/isolados na América do Sul

Na Parte III do livro, um conjunto de artigos detalha as informações e aprofunda a análise sobre a existência dos povos isolados nos diferentes países. Aspectos relacionados à violência que sofreram ao longo da história como massacres, genocídios, remoções de seus territórios, e os riscos atuais à sua sobrevivência devido a invasões e pressões sobre os seus territórios, pelo desmatamento e fragmentação dos ecossistemas, pelas mudanças climáticas, pela falta de políticas adequadas e suficientes para a sua proteção, e principalmente a ameaça de contatos forçados e retrocessos nas medidas estatais de proteção aos seus territórios e suas vidas.

Marcos legais, conceituais e políticas públicas

Na Parte IV, o livro faz uma leitura dos marcos legais e conceituais e analisa criticamente aspectos das políticas indigenistas relativas aos povos isolados no Brasil e em outros países, bem como aponta caminhos para a proteção de seus territórios. Relaciona os instrumentos jurídicos para a proteção desses povos nos âmbitos do Direito Internacional e das legislações dos respectivos países apontando, por exemplo, a relevância da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a proteção territorial.

Aborda também o processo de institucionalização da política de proteção a esses povos no Brasil e discute aspectos éticos e metodológicos do seu monitoramento na Amazônia. Aponta os riscos do não reconhecimento da existência de muitos povos isolados pelos Estados e, portanto, da invisibilidade a que são condenados, que os deixa sem proteção alguma. Faz uma crítica contundente ao chamado contato controlado ou contato forçado, que dizimou muitos povos no passado e afronta o seu direito à autodeterminação e à sua decisão pelo isolamento e que tem como perspectiva o abandono da proteção territorial.

Apresenta como estratégia de proteção os Corredores Territoriais, como o “Corredor Territorial Pano, Arawak e outros”, fronteira Brasil – Peru, uma iniciativa de organizações indígenas e seus aliados para garantir a integridade desses povos transfronteiriços. Destaca ainda a relevância do papel desenvolvido pelo movimento indígena e seus aliados para visibilizar a situação de vulnerabilidade em que foram colocados os povos isolados, para avançar com as políticas públicas de proteção e no combate às invasões territoriais.

Povos livres/isolados no Brasil – casos específicos

Na Parte IV, o livro apresenta sete situações específicas de povos isolados no Brasil, descrevendo o contexto conflitivo em que vivem, denunciando a ausência de medidas protetivas e o não reconhecimento de muitos desses povos por parte do Estado, e alertando para a iminência de genocídios. São casos que muito concretamente identificam os desafios da proteção de seus territórios e de suas vidas, a necessidade urgente em adotar medidas preventivas baseadas no princípio de precaução e de fortalecer e ampliar significativamente o Sistema de Proteção a esses povos, coordenado pela Funai.

“Povos Indígenas Livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco” é um chamado à consciência coletiva sobre o direito dos povos indígenas para que possam continuar a ser quem sempre foram, grupos humanos com direito a existir em um mundo plural.

A Eapil, o Cimi e os povos isolados

Desde sua fundação, na década de 1970, o Cimi assumiu o respeito à autodeterminação dos povos indígenas como um princípio orientador de sua atuação, e compreendeu que os povos indígenas isolados estavam entre os mais afetados pela política desenvolvimentista implementada pela Ditadura Militar. Junto a outras entidades, antropólogos, indígenas e indigenistas, o Cimi participou de discussões sobre os impactos decorrentes dos contatos iniciais dos Povos Indígenas Livres e de suas consequências posteriores.

Gradativamente, ganhou força o entendimento de que a decisão desses povos de se manterem em regiões distantes e evitando relações com outros grupos sociais deveria ser respeitada, a não ser em situações de risco extremo à sua sobrevivência, em conformidade com seu direito à autodeterminação. Criaram-se, assim, as condições para a adoção da “política do não contato e da proteção territorial”, que foi instituída formalmente pela Funai em 1987 e resultou no chamado “Sistema de Proteção ao Índio Isolado”, tendo como base as Frentes de Proteção Etnoambiental.

Diante do número crescente de notícias que chegavam até às equipes locais do Cimi sobre novas referências da presença de grupos indígenas e dada a omissão da Funai em apurá-las e adotar medidas de precaução, a entidade resolveu assumir um serviço interno de registro e organização de informações e, em 2006, criou uma Equipe específica, que posteriormente passou a ser denominada de Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres (Eapil).

LEIA O LIVRO NA INTEGRA

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