por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá (PA)
O argumento da defesa da vida humana desde a concepção é bastante atual, debatido nos contextos familiar, eclesial e social, de modo que uma das maneiras para encontrar respostas, é voltar às fontes do cristianismo, os santos padres, os primeiros escritores cristãos, pois estes deram fundamentos aos pontos litúrgicos, morais, em relação à doutrina social da Igreja e seguiram a palavra do Senhor Jesus. Eles também se defrontaram com a realidade do início da vida humana, colocando como elemento fundamental a sua defesa desde a concepção materna. Outro dado era essencial da vida da qual devia ser defendida provinha de famílias que abandonavam os seus bebês, apenas nascidos, sendo esses colocados ao longo das vias, dos caminhos públicos, muitas vezes nas praças, de modo que as pessoas assumissem a sua adoção como seus filhos ou suas filhas. Esta realidade social era difícil de ser concebida para um cristão diante de uma vida que era eliminada, muitas vezes, e, estava atirada no seu menosprezo.
Os santos padres foram pastores de seu povo, de modo que eram contra o aborto, seguindo a palavra divina que vem do próprio Senhor Jesus, sendo Ele a vida (Jo 14,6), superando a morte. Eles também tinham presente a Palavra de Deus do AT pela escolha da vida e da morte, de modo que a pessoa a viveria e a sua descendência ao escolher a vida, amando ao Senhor, seu Deus, dando ouvido à sua voz e apegando-se a ele, porque ele é a vida para habitar na terra que o Senhor jurou a seus pais, Abraão, Isaac e Jacó (Dt 30, 19-20)[1]. Por isso os padres da Igreja elaboraram uma doutrina em relação à vida desde a concepção de modo que é fundamental fazer uma análise.
Didaqué, a Doutrina dos doze apóstolos: a vida no seio materno
A Didaqué, uma obra presente nos tempos apostólicos, do século I falou um ponto importante da vida desde o seio materno. A obra recomendava às comunidades cristãs pela prática da vida, diante da morte de crianças. Ela afirmou o dado que não era para matar a criança desde o seio materno, porque a vida existe desde a concepção, e também não podia matá-la após o seu nascimento. O fato era que algumas pessoas abandonavam os recém-nascidos de modo que era expô-los à morte tanto quanto a prática de eliminá-los desde o seio materno[2]. O mesmo autor reforçou a ideia que a pessoa estaria no caminho da morte, se ela colaborasse ou eliminasse as crianças, no caso desde o ventre materno[3].
Não matar a criança
A Carta de Barnabé, século II, também afirmava como a Didaqué que não era para eliminar a vida desde a concepção, porque nesta, existe a vida. A Carta exortava para não matar a criança no seio da mãe, nem logo que ela tiver nascido. A obra exortava os cristãos para que não realizassem ações para matar a criança no seio da mãe, e também não eliminá-la quando tiver nascido[4].
A vida desde o seio materno
Atenágoras de Atenas foi um Padre apologista, isto é defensor da vida cristã contra as calúnias levantadas pelos pagãos. Ele viveu em Atenas no final do século II de modo que defendeu a vida desde o seio materno. Os cristãos eram acusados de matar as pessoas e saciar-se da carne humana. O Apologista dizia que os cristãos nunca fizeram tais coisas, do contrário eles eram defensores da vida humana que iniciava no seio materno, desde a concepção. Ele dizia que as pessoas que tentam o aborto cometem homicídio tendo que dar contas a Deus por ele. Desta forma não se poderia pensar que aquele que a mulher leva, carrega não seja um ser vivente[5]. Sem dúvida o filósofo apologista cristão, afirmou que não se podia matar seja a pessoa que tinha alguns anos de vida, como também aquele que era formado no seio materno. Atenágoras tinha uma concepção muito importante da natureza do feto como ser vivo, objeto dos cuidados de Deus, da Providência divina, quando o direito romano dos primeiros tempos, não o considerava como ser vivo e muitas vezes não reconhecia o direito da sua existência[6]. Atenágoras colocava também a fé na ressurreição dos corpos de modo que os cristãos eram a favor da vida desde a concepção até a morte natural[7].
Proibido o homicídio e o que é formado no útero
Tertuliano, Padre Africano nos séculos II e III disse que os cristãos eram contra o homicídio, e também não permitia destruir até o que é concebido no útero, quando é plasmado o sangue para formar uma pessoa. Percebe-se claramente a idéia que o homicídio não estava presente na vida dos seguidores de Cristo, porque existia o mandamento da Lei de Deus, não matar, e também não destruir a pessoa na concepção dentro do útero da mulher porque já está sendo plasmada uma vida, uma pessoa. Tertuliano afirmou que o homicídio não estava apenas na pessoa que tirava a outra a sua vida, mas também quando se redundava em proibir de nascer, porque se arrancava uma alma, tanto no nascimento ou no momento do nascimento. É um ser humano também àquele que há de ser; todo fruto já existe também na semente[8]. Tertuliano era a favor da vida desde a concepção porque existe a vida, uma alma que não pode ser destruída.
O aborto é morte de uma pessoa
São Basílio Magno, bispo de Cesaréia, século IV disse que a pessoa que procurava de uma forma livre um aborto cometia um homicídio, matando uma pessoa, não se tratando apenas se o feto foi formado ou não, porque a vida existe desde a concepção. São Basílio era contra as pessoas que procuravam o ato de abortar, bem como àquelas pessoas que realizavam a ação do aborto[9].
Os padres da Igreja defenderam a vida desde a concepção até a sua morte natural. É importante lutar pelo dom da vida que o Senhor dá para as pessoas de modo que ninguém poderá eliminá-la porque é uma vida que vai se definhando para a realidade familiar, comunitária e social.
[1] Cfr. B. Honings. Aborto. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, A-E, diretto da Angelo Di Berardino. Genova-M ilano, Casa Editrice Marietti S.p.A. 2006, pg. 19.
[2] Cfr. Didaqué, 2,1. In: Padres Apostólicos. São Paulo, Paulus, 1995, pg, 345.
[3] Cfr. Idem, 5,2, pg. 350.
[4] Cfr. Carta de Barnabé, 19,5. In: Idem, pg.
[5] Cfr. Petição em favor dos cristãos, III, 35. In: Padres Apologistas. São Paulo, Paulus, 1995, pg. 163.
[6] Cfr. Idem, III, 35, pg. 163.
[7] Cfr. Idem, III, 36, pg. 164.
[8] Cfr. Tertuliano. Apologético, 9,8. São Paulo, Paulus, 2021, pg. 60.
[9] Cfr. Basilio il Grande. Lettere, 188, 2 (Ad Anfilochio). In: La Teologia dei Padri, Volume III. Roma, Città Nuova Editrice, 1982, pg. 367.