por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Neste ano no processo de preparação ao Ano Jubilar (2025) fomos convidados a refletir sobre a oração. «Peço-vos que intensifiqueis a vossa oração, a fim de nos prepararmos para viver bem este acontecimento de graça e experimentar nele a força da esperança de Deus. […] Um ano dedicado a redescobrir o grande valor e a necessidade absoluta da oração na vida pessoal, na vida da Igreja e no mundo» (Francisco. Angelus, 21 de janeiro de 2024). Na Sagrada Escritura encontramos muitas referências sobre a experiência da oração. Vale a pena refletir sobre alguns casos!

  1. A oração de Abraão: súplica pela Misericórdia

A primeira referência de oração na Bíblia aparece no quarto capítulo do livro do Gênesis, mas não tem conteúdo. Diz o autor sagrado que Enós, filho de Set e neto de Adão e Eva, “foi o primeiro a invocar o nome de Javé” (Gn 4,26). Apesar de ser apresentado como um homem justo, obediente, íntegro e bondoso diante da sua geração não menciona oração de Noé (cf. Gn 6,9.22). A primeira oração explícita é feita por Melquisedec, rei de Salém e sacerdote do Deus Altíssimo, ao apresentar e abençoar a oferta do pão e do vinho a Abrão, dizendo: «Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que criou o céu e a terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os inimigos a você» (Gn 14,19-20). É uma oração de louvor a Deus Criador e fonte das vitórias. Em seguida encontramos a breve oração de Agar, serva de Sara, que ao engravidar invocou o nome de Javé dizendo: “Tu és o Deus-que-me-vê, pois eu vi. Aquele-que-me-vê» (Gn 16,14). Agar reconhece a Deus como aquele que vê os humilhados!

Em Gênesis 18,20-32, encontramos o orante Abraão em pleno diálogo com Deus suplicando misericórdia em favor dos justos que moravam em Sodoma e Gomorra. Diz a Bíblia que os habitantes de Sodoma e Gomorra eram grandes criminosos e pecavam contra Javé (cf. Gn 13,13); desprezavam o valor sagrado da hospitalidade aos visitantes e estrangeiros (cf. Gn 19,2-3); eram libertinos e adotavam práticas homossexuais (cf. Judas 1,7; Gn 19,2-5). Considerando esse contexto histórico a oração de Abrão ganha um profundo sentido fazendo brilhar a intercessão pela misericórdia divina.

Abraão nos é apresentado com um homem que dialoga com Deus (cf. Gn 18,23-33); trata-se de um diálogo franco, sincero, honesto, sem interesses pessoais, humilde (“sou pó e cinza” – cf. Gn 18,27) e centrado no reconhecimento da grandeza de Deus, Juiz e senhor do mundo (cf. Gn 18,25-31). No final da história a justiça divina é preservada: os inocentes foram salvos e maus condenados (cf. Gn 19,29).

  1. Moisés: oração na liderança

Moisés era um homem que orava pela vitória do seu povo. À medida que Moisés mantinha suas “mãos para o alto” (em oração) os israelitas venciam; quando as abaixava, venciam os inimigos (cf. Ex 17,8-13). A narração nos sugere que nossas vitórias nem sempre dependem dos nossos investimentos técnicos: estudos, dinheiro, armas, projetos, técnicas… Mas, sobretudo, da nossa capacidade de oração que nos sustenta e anima a conservar nossa integridade, nossa paz interior, nossa retidão moral.

Às vezes, é nas “batalhas” contra os “inimigos” da vida que recorremos a meios ilícitos. Apesar de sempre contar com a participação humana, é Deus quem garante a vitória! (cf. Pr 21,31). Não basta a técnica, é necessária a fé, pois é ela que alimenta nossas forças! A luta nos cansa, mas é a motivação interior que nos mantém perseverantes. Como Moisés, também conosco acontece a mesma coisa: a qualidade da nossa vida (nossas vitórias) depende das nossas mãos erguidas.

O perfil orante de Moisés também aparece em outras passagens. “Javé falava com Moisés face a face como um homem fala com um amigo” (Ex 33,11); sentindo o peso da liderança do povo no deserto ele vai ao encontro de Deus; certa vez levantou-se de madrugada e subiu ao monte Sinai, levando consigo as tábuas de pedra e lá permaneceu com Deus (cf. Ex 34,4-5). A oração é uma necessidade pessoal e deve ser alimentada pela Palavra de Deus. No encontro com Deus, Moisés implora clemência: “caminha conosco, embora este povo seja de cabeça dura, perdoa nossas culpas e nossos pecados e acolhe-nos como propriedade tua” (Ex 34,9). A oração de Moisés é carregada de sensibilidade pastoral.

  1. Esther: diversos aspectos da oração

Outra referência de oração muito significativa encontramos na história da rainha Esther. A narração nos convida a meditar sobre a força da oração. A rainha Esther contempla o drama do seu povo oprimido e, temendo o perigo de morte, busca refúgio no Senhor (cf. Est 4,17ss). A atitude de fé de Esther nos convida a pensar numa série de elementos importantes da oração.

A oração é autêntica quando temos fé e buscamos refúgio em Deus, porque o reconhecemos como o Senhor da história, a fonte da nossa segurança, nossa esperança, nosso defensor (cf. Est 4,17q). A oração é estimulada pelo reconhecimento da nossa pequenez, vulnerabilidade, solidão, falta de perspectivas humanas (4 vezes aparecem a confissão da sua solidão (cf. Est 4,17l,t).

Na oração de Esther estão as suas necessidades pessoais e ameaças, mas também as necessidades dos outros; há uma íntima relação entre oração e solidariedade; o intimismo não é a oração, é egoísmo. Esther nos ensina a colocar as necessidades dos outros nas nossas orações; e que, diante dos problemas sociais, é necessário estimular a comunidade para a oração. A oração tem uma dimensão comunitária. Ela orava com suas servas (cf. Est 4,17p).

A nossa oração é estimulada pela memória da benevolência de Deus para conosco. A oração cheia de Esperança de Ester é alimentada pela recordação de que Deus manifestou a sua misericórdia aos seus antepassados (cf. Est 4,17p-r). O Papa Francisco nos alerta para não nos deixarmos contagiar pelo mal do “Alzheimer espiritual”, que é o esquecimento da misericórdia de Deus.

Na oração, Esther não só suplica o fim dos males, mas também a transformação do coração do opressor. Em sua oração Esther, não pede a brusca transformação da realidade, mas se oferta como instrumento, como intercessora, por isso diz: “põe em meus lábios um discurso atraente”… para falar com o Rei. Não basta suplicar na oração, é preciso que também nós renovemos a consciência da nossa responsabilidade diante das mudanças necessárias, sejam pessoais, quanto sociais. Enfim, a oração de Esther é experiência de esperança, por isso termina dizendo: “Transforma nosso luto em alegria” (Es 4,17). A oração nos livra do pessimismo e do derrotismo!

  1. Ana: louvor e ação de graças

Ana era estéril, vivia sendo humilhada, mas suplicou a Deus por um filho, foi atendida e seu filho foi chamado Samuel (cf. 1Sm 1-2). O conteúdo da oração de Ana é muito rico e vai ao encontro de algumas atitudes comuns dos autênticos orantes. Reconhecendo tão grande graça, Ana consagrou seu filho a Deus (cf. 1Sm 1,26-28). Movida pelo sentimento de alegria e gratidão, Ana louva a Deus em oração. Na oração há liberdade de expressão dos nossos sentimentos a Deus que transforma nossa realidade nos proporcionando sentimentos de alegria (cf. 1Sm 2,1-2).

Na oração há o reconhecimento da grandeza e do poder de Deus que em nada se compara ao poder dos nossos inimigos (cf. 1Sm 2,2-4); o fiel orante contempla a bondade transcendente de Deus que tudo transforma: dando pão aos famintos, fecundando as estéreis, exaltando os humilhados, restaurando os fracos e os indigentes, guardando seus fiéis, protegendo os justos (cf. 1Sm 2,5-9). A autêntica oração se concentra na contemplação das qualidades divinas que fortalece o orante!

PARA A REFFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que lhe chamou atenção nesses exemplos?
  2. O que há de comum nessas experiências de oração?
  3. Por que a oração gera conforto e alegria no fiel orante?