Dom Pedro José Conti
Administrador Apostólico da Diocese de Macapá
Certa vez houve um concurso de pintura para quem melhor representasse a paz. Os finalistas foram três. O primeiro retratava uma imensa pastagem com lindas flores e borboletas que bailavam no ar acariciadas por uma brisa suave. O segundo mostrava pássaros a voar sob nuvem brancas como a neve em meio ao azul anil do céu. O terceiro mostrava um grande rochedo sendo açoitado pela violência das ondas do mar em meio a uma tempestade estrondosa e cheia de relâmpagos. O escolhido foi o terceiro quadro. Aos protestos dos demais concorrentes o juiz explicou a motivação do prémio. Ele disse: – Vocês repararam que em meio à violência das ondas e à tempestade há, numa fenda do rochedo, um passarinho com seus filhotes dormindo tranquilamente? A verdadeira paz é aquela que mesmo nos momentos mais difíceis nos permite repousar tranquilos -.
O evangelho deste Sexto Domingo do Tempo Comum nos apresenta as Bem-aventuranças proclamadas por Jesus na versão de Lucas. São visíveis as diferenças entre estas Bem-aventuranças e aquelas do evangelho de Mateus seja no número, seja nas palavras. Cada evangelista tinha as suas fontes e as tradições das suas comunidades, além do próprio estilo literário e teológico. Lucas nos relata quatro Bem-aventuranças – os pobres, os que tem fome, os que choram, os odiados e amaldiçoados por causa do nome de Jesus – e quatro “ais” – os ricos, os que tem fartura, os que riem, os elogiados por todos. As Bem-aventuranças são então uma consolação e uma esperança para aqueles que sofrem e os “ais” são um alerta vigoroso para aqueles que confiam demais nos bens deste mundo e no sucesso entre os homens. Mas, para quem Jesus fala mais diretamente? Ao redor dele estavam “muitos dos seus discípulos e grande multidão de gente” (Lc 6,17). Muitos doentes também o procuravam para serem curados. No entanto, Jesus levanta os olhos “para os seus discípulos” (Lc 6,20) e começa a falar. Com isso, podemos entender que o Mestre esteja querendo explicar para eles as condições necessárias para fazer parte daquele Reino de Deus que ele estava começando a anunciar com atos e palavras (Lc 4,43). A contraposição dos “ais” não seria então uma ameaça, mas um alerta.
Somente quem é pobre pode abrir o seu coração e entender o valor da verdadeira riqueza que é fazer parte do Reino de Deus. Os ricos e os fartos confiam nas próprias riquezas. Os que passam a vida na alegre diversão, aplaudidos por todos, estão demais satisfeitos por eles mesmos para se lembrar de Deus e do próximo. Foram os falsos profetas que conseguiram os favores dos poderosos. Os verdadeiros profetas foram perseguidos e igualmente os seguidores de Jesus serão odiados, expulsos, insultados e amaldiçoados. Somente Deus poderá recompensar a fidelidade deles.
Podemos achar a apresentação conjunta das Bem-aventuranças e dos “ais” do evangelista Lucas radical demais, sem alternativas para os fracos que somos nós – e os cristãos de sempre – mas é justamente este o objetivo deste ensinamento. É verdade que Jesus está sempre pronto a perdoar os nossos pecados, mas ao mesmo tempo não pode negociar conosco o tesouro do Reino de Deus. Nada é comparável com o valor dele porque nada vale mais do que a presença de Deus em nossa vida. Para dar lugar a ele – e ao próximo mais pobre e desamparado que vai junto – precisa deixar de lado o consumo e o acumulo dos bens materiais, o orgulho de ser os melhores de todos, a falsa alegria fruto da indiferença e da insensibilidade que nos impede de enxergar o faminto e o excluído. Jesus não quer perder ninguém, por isso que nos alerta com palavras exigentes. Não podemos dizer que não sabíamos, que achávamos fosse tudo brincadeira. Todos buscamos a felicidade mas cada um é chamado a escolher o seu caminho e a decidir se acredita mais no projeto do Reino do Deus que o amor de Jesus nos ensinou ou nas propostas atrativas demais deste mundo. Não faltarão tempestades, momentos de medo e incerteza, mas encontraremos a verdadeira paz se escolhermos certo em quem confiar: Deus. Como aquele passarinho do quadro da paz dormindo tranquilo na fenda do rochedo.