por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Numa sociedade profundamente marcada por múltiplas formas de reducionismos e polarização, é necessário que a ação pastoral nunca perca a visão da totalidade da identidade da Igreja. Na era dos saberes fragmentados, de uma cultura voltada para a parte, para dimensões isoladas, é de fundamental importância que a ação pastoral da Igreja renove continuamente a purificação da sua visão sobre a pessoa humana, a sociedade e dos mistérios da fé.

A negação da visão da totalidade nos leva a cair no “ismo”, que significa a perda da acolhida da totalidade de uma realidade optando pela segurança da visão de uma parte ou simplesmente de uma dimensão. O Papa Francisco nos recorda que «o todo é mais do que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas» (EG, 235), e que «a mera soma dos interesses individuais não é capaz de gerar um mundo melhor para toda a humanidade” (FT,105). Às vezes, encontramos sujeitos eclesiais que apelam para a verdade do próprio ponto de vista (ou pior ainda do próprio carisma) mas lamentavelmente negando a beleza e a necessidade de uma visão global da realidade e da interação. Essa postura egoísta tem sérias consequências pastorais.

  1. Visão integral da pessoa humana

Uma pastoral juvenil autêntica pressupõe, por parte dos seus organizadores, uma visão holística da pessoa humana. A Exortação Apostólica Pós-sinodal Christus Vivit afirmou que, no mundo atual, sobretudo juvenil, há ideologias de variadas cores (cf. CV, 180-181); uma delas é o falso culto da juventude que coloca, a todo custo, como parâmetro existencial, a ditadura da aparência e a paixão desenfreada pela cosmética, que prescinde de outras belezas (cf. CV, 184).

Outras ideologias ressaltam o sonho do sucesso, a glória a todo custo, o consumismo, a ditadura do prazer (cf. CV, 223-227); todavia, há também no mundo de hoje propostas de felicidades profundamente moralistas, doutrinaristas, intimistas, sobretudo, no âmbito religioso.

Os sonhos enganadores das ideologias sempre foram, nos últimos séculos, objeto de rejeição por parte da Igreja. Esse rechaço é porque tais projetos de felicidade são falsos; são reducionistas, negando a visão da totalidade das dimensões e da dignidade humana. Sem uma honesta visão do ser humano, nenhuma experiência Pastoral se sustenta, porque carece de equilíbrio. Todo reducionismo tem sempre duas causas: de um lado a ignorância e do outro o orgulho pretencioso.

  1. A dignidade humana na Exortação Apostólica Christus Vivit

Não pode haver uma autêntica pastoral juvenil, onde há uma visão fragmentada da pessoa humana. A autêntica evangelização, por fidelidade às palavras e atitudes de Jesus Cristo, deve sempre abraçar a totalidade da pessoa humana considerando todas as suas dimensões. Com muita sabedoria, o Papa Francisco nos chama atenção para a íntima relação entre desenvolvimento humano integral e a promoção de uma pastoral juvenil aberta e popular (cf. CV, 93, 234).

Uma pastoral juvenil alicerçada na dignidade da pessoa humana, considera também o desafio da educação integral dos jovens. A pastoral não deve ser mal-educada nem míope em relação a visão do ser humano. A formação humana e a promoção da fé são pluridimensionais, ou melhor, devem ser holísticas, considerando a totalidade das dimensões humanas.

Uma dessas dimensões tão significativas da pastoral juvenil é aquela de natureza sociocultural, por isso, a Exortação Apostólica Pós-sinodal Christus Vivit, afirma que “a pastoral juvenil não pode ser indiferente diante das mudanças sociais e culturais” (CV, 202). As mudanças socioculturais condicionam a linguagem pastoral, a visão de mundo, a metodologia das propostas, o nível de envolvimento da dinâmica das atividades, os conteúdos das propostas socioeducativas e pastorais, o ritmo de vida e a mentalidade das pessoas, bem como, a organização da vida delas no dia a dia, sobretudo, nos finais de semana quando se trata dos jovens.

Uma ampla visão da dignidade humana no contexto pastoral, tem muitas consequências, como por exemplo: em primeiro lugar dá atenção à pessoa, cuida da qualidade das relações, evita a concentração em uma só dimensão, promove atividades em todas as dimensões, dinamiza a formação em diversos horizontes e com temas variados, interage com outros sujeitos, abre-se para a contribuição das ciências humanas, dá atenção ao aprofundamento de valores éticos e a Declaração universal dos direitos humanos, evita o bitolamento de exigências, educa para o discernimento, diversifica métodos, promove experiências, respeita processos etc.

  1. A necessária visão eclesial aberta e sinodal

Em nível eclesial se reconhece a proliferação e o crescimento de associações e movimentos com caraterísticas que podem ser interpretadas como uma ação do Espírito que abre novos caminhos. Mas, ao mesmo tempo, a Exortação Apostólica Christus Vivit adverte para a necessidade do aprofundamento da participação na pastoral de conjunto da Igreja, bem como uma maior comunhão entre eles e uma melhor coordenação da atividade (cf. CV, 202).

De fato, essa observação é muito pertinente, pois grupos e movimentos que carecem de sensibilidade de abertura mental e sinodal, como consequência, seguem uma agenda pastoral paralela, sem sintonia, sem comunhão e nem participação efetiva no Setor Juventude. Essa atitude enfraquece a evangelização das juventudes e empobrece a beleza carismática da Igreja, pois todo carisma, dom do Espírito Santo, é concedido para a edificação da Igreja (cf. 1Cor 14,12) e não para estar a serviço privadamente de uma instituição. Todo Carisma, dom do Espírito Santo, não deve ser objeto de vaidade e é absurdo dizer “não precisamos de vocês”, pois nós formamos um corpo (cf. 1Cor 12,12-31).

A pastoral juvenil, como as outras pastorais ao interno da Igreja, não tem sustentabilidade sem o compromisso sinodal. Essa questão, não é opcional, mas essencial para a vida da Igreja envolvendo todas as forças vivas e instituições. A pastoral juvenil só pode ser verdadeiramente sinodal se houver ao interno de cada expressão juvenil a consciência do caminhar juntos que implica a valorização do próprio carisma assumindo senso de corresponsabilidade para o bem da igreja (cf. CV, 206). “Animados por este espírito, poderemos avançar para uma Igreja participativa e corresponsável, capaz de valorizar a riqueza da variedade que a compõe, acolhendo com gratidão também a contribuição dos fiéis leigos, incluindo jovens e mulheres, a da vida consagrada feminina e masculina e a de grupos, associações e movimentos. Ninguém deve ser colocado nem deixado colocar-se de lado» (CV, 206).

O sínodo dos jovens nos convidou a pensar a pastoral juvenil de modo poliedro porque assim também é a Igreja, pois desse modo foi o dinamismo pastoral de Jesus. Essa visão poliédrica da pastoral juvenil é capaz de atrair os jovens, ao contrário, uma “visão de unidade monolítica” à empobrece (cf. CV,207).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que você pensa sobre a necessidade da visão integral da pessoa humana?
  2. Quais são as consequências pastorais de uma visão reducionista da pessoa humana?
  3. No seu contexto eclesial você percebe grupos e movimentos com tendências intimistas e fechadas? Contribuem ou atrapalham a sinodalidade e a vida fraterna?