por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá
O mês de agosto é comumente conhecido como o mês vocacional, na vida e na missão da Igreja do Brasil e para o mundo. Rezemos ao Senhor para que aumente o número de pessoas à vida sacerdotal, religiosa, matrimonial e de ministérios leigos e leigas. “Peregrinos porque chamados”: é o tema colocado pela CNBB para ser refletido nas famílias, nas comunidades e na sociedade. O tema está ligado ao ano jubilar, pelo fato de que a peregrinação possibilita a conversão de vida para Deus, para a comunidade e um dia para o seu Reino. O lema é: “A esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações” (Rm 5,5).
A vocação coloca o ponto fundamental que é o chamado do Senhor para as pessoas e a resposta humana dada com alegria e com amor. O chamado do Senhor dá a dimensão da missão para a pessoa para que ela viva em unidade com Deus e com o seu povo. A seguir nós veremos como o chamado ocorreu com profetas, com o Senhor Jesus Cristo e com os padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos.
Deus chamou pessoas para serem os seus profetas
Os profetas receberam o chamado do Senhor Deus para anunciar a sua palavra ao povo e denunciar os seus pecados. O chamado deu a eles a capacidade de viveram a missão as vezes permeada de perseguições, de calúnias, incompreensões, mas eles carregavam a esperança da presença de Deus em suas vidas em vista da fidelidade à Aliança com Deus.
Jeremias
Jeremias sentiu-se chamado pelo Senhor num plano anterior à sua existência: “Antes que te formasse no seio de tia mãe, eu te conheci, antes de saíres do ventre, eu te consagrei e de fiz profeta para as nações”(Jr 1,5). O Senhor tinha pensado nele como profeta das nações. É fundamental afirmar que o chamado pertence a Deus e faz a pessoa estar profundamente ligada ao Senhor. Ainda que Jeremias dissesse que ele não saberia falar, era apenas um menino, o Senhor lhe respondeu que ele seria enviado a todas as pessoas a quem Ele o enviasse; ele não deveria ter medo, pois, o Senhor estaria com ele. O Senhor mesmo pôs as suas palavras na sua boca para dar-lhe força sobre as nações e reinos, para arrancar e derrubar, para devastar e destruir para edificar e plantar (cfr. Jr 1, 7-10).
Isaias
Isaias sentiu o chamado numa manifestação do Senhor no templo. O profeta disse que ele era uma pessoa de lábios impuros no meio de um povo de lábios também impuros. No entanto um dos anjos tocou a sua boca afirmando que a sua culpa estava sendo tirada e o seu pecado perdoado. A voz do Senhor se fez aparecer dizendo a quem enviaria? A quem iria pelo Senhor? O jovem Isaias disse de uma forma livre e disponível ao chamado do Senhor que ele estava lá, e ele era para ser enviado (cfr. Is 6,1-8). O Senhor contou com Isaias para assumir a missão da profecia, graça de Deus, junto ao povo escolhido.
Jesus chamou pessoas
É essencial ver o chamado na pessoa de Jesus, o Enviado, o Missionário do Pai. O chamado do Senhor fez-se em meio ao trabalho das pessoas. Jesus estava caminhando junto ao mar da Galiléia de modo que Ele viu Simão, chamado Pedro e o seu irmão André. Como eles eram pescadores de peixes Jesus disse para que eles o seguissem, e Ele os faria pescadores de homens. Eles deixaram imediatamente as redes e seguiram a Jesus. No prosseguimento da caminhada vocacional Jesus viu outros dois irmãos, Tiago e o João, os quais estavam consertando as redes. Jesus os chamou e eles também imediatamente, deixando o barco e o pai, o seguiram (cfr. Mt 4, 18-22). Os discípulos serão pescadores de pessoas para levá-las até Deus, tornando-as mais humanas, serviçais ao Reino de Deus e à sua Igreja.
Jesus chamou aqueles que Ele quis
O evangelista Marcos colocou o chamado do Senhor na sua maior liberdade. Ele foi à montanha e chamou as pessoas que Ele quis e que foram até Ele. Para lembrar o número doze, em relação às doze tribos de Israel, Jesus constituiu doze pessoas para estarem com Ele, e para enviá-los a anunciar, com autoridade para expulsar demônios (cfr. Mc 3,13-15). O chamado que o Senhor fez para com os seus discípulos era para estar com Ele. Para ser enviado era preciso praticar as coisas, as obras que Jesus fazia. A pessoa deveria aprender de Jesus a amar o Senhor Deus, o próximo, como a si mesmo, as pessoas necessitadas. O chamado é um aprendizado com o Senhor para servir e amar. Jesus expulsou nas pessoas os espíritos maus de modo que os seus discípulos fizessem as mesmas atividades. Os espíritos maus são o egoísmo, a falta de amor para com o próximo, a falta da alegria. Era preciso como ontem e hoje, a expulsão dos espíritos maus nas pessoas para seguir a Jesus e a sua Igreja.
A economia divina
Em relação aos padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos, é preciso ver o chamado do Senhor às pessoas e aos povos. A Carta a Diogneto, escrito nos séculos II e III descreveu a economia divina para a salvação humana. Deus manifestou o seu poder. Nós percebemos que a vocação é graça de Deus, e, é dada na responsabilidade humana. Diante da situação de pecado e morte humanos, o Senhor veio ao nosso encontro. Ele tomou sobre si os nossos pecados e enviou o seu Filho para nos resgatar dos nossos pecados, o incorruptível pelos corruptíveis, o imortal pelos mortais[1]. Nós fomos justificados pelo Filho de Deus. A vocação do Senhor reparou a injustiça de muitos tornando justa a humanidade junto de Deus[2]
A sucessão apostólica
A vocação foi também dada pela sucessão apostólica, no sentido da continuidade da verdade que vem de Cristo e Cristo de Deus. Tertuliano, padre da Igreja do século terceiro afirmou a sucessão apostólica como um dado fundamental na vocação do Senhor ao apóstolo, e os seus sucessores. A sucessão fez ver que o primeiro bispo recebeu a investidura e foi precedido por um dos apóstolos, ou ao menos por uma pessoa apostólica na qual teve uma relação profunda até chegar ao Senhor Jesus Cristo. As Igrejas apostólicas colocaram bispos ligados aos apóstolos, os apóstolos com Cristo e Cristo com Deus[3].
A vocação da Igreja: o mundo
Santo Agostinho, Bispo de Hipona, séculos IV e V afirmou que a vocação da Igreja era de ir para o mundo anunciar a boa nova de Jesus. Por graça de Deus ela está presente em muitos lugares do mundo tendo um grande corpo e uma única Cabeça que é o Salvador Jesus Cristo (cfr. Cl 1,18). A exaltação da Cabeça, ocorrida após a ressurreição de Jesus, objetivando a palavra do Senhor dita aos séculos anteriores, onde se diz que seja exaltado a Deus, além dos céus (cfr. Sl 56,12). A Igreja difundiu-se nos diversos lugares da terra com abundantes frutos de paz e de amor[4].
A ação missionária
São Gregório Magno, papa no final do século VI e início do século VII reconheceu a ação missionária sendo vocação para a Igreja, de levar o evangelho do Senhor para as populações que ainda não ouviram falar do Senhor e da própria Igreja. O Papa aconselhava aos missionários e às missionárias para que não houvesse a destruição dos templos pagãos, mas de suas imagens, mudando-se o culto ao verdadeiro Deus. As relíquias dos santos e de mártires seriam colocadas nos altares para celebrar o louvor agradável a Deus pelas festas litúrgicas, como o Natal e a Páscoa[5].
A vocação é a doação de si mesmo para o Senhor e para o mundo na qual a pessoa corresponde à vida que recebeu de graça. Ela é um dom de Deus para ser doado para os outros e é também responsabilidade humana. Jesus fez de si mesmo uma continua doação. Será sempre importante a oração nas famílias, nas comunidades pelas vocações para que mais pessoas trabalhem pela Igreja e pelo Reino de Deus. Deus envia vocações de modo que é preciso conhecê-las e fazer sempre o discernimento para que os jovens se decidam bem na vocação. A vocação é a presença do Senhor para viver bem no mundo de hoje e um dia na eternidade.
[1] Cfr. Carta a Diogneto, 8, 2. In: Padres Apologistas. São Paulo, Paulus, 1995, pgs. 26-27.
[2] Cfr. Idem, pg. 27.
[3] Cfr. Tertulliano. La prescrizione contro gli eretici, 32. In: La teologia dei Padri, 4. Roma, Città Nuova, 1982, pg. 203.
[4] Cfr. Agostino. Le Lettere, II, 142,1-2 (A Saturnino ed Eufrate). In: Idem, pg. 20.
[5] Cfr. Gregorio Magno. Lettera all´abate Melitone in Francia. In: Idem, pg. 43.