Existe na Igreja uma ladainha dos nomes de Jesus, uma lista extensa com cento e cinquenta invocações, para serem usadas em partes ou no seu conjunto durante o ano litúrgico, todas elas com fundamento bíblico. Para o Tempo Pascal, ele é chamado, dentre outros títulos, de Senhor Jesus (Mt 15,22.20,30; At 7,59; At 16,31; Ap 22.20), Primogênito dentre os mortos (Cl 1,18; Ap 1,5), Estrela brilhante da manhã (Ap 22,16), O mais belo dos filhos do homens (Sl 44,3), Glória do Povo de Israel (Lc 2,32), Vencedor do Mundo (Jo 16,33), Vencedor do Maligno (Jo 12,31; At 2,14; 2 Ts 2,8), Novo Adão (Rm 5,14.19), Novo Moisés (Cf. Mt 5,21s; Mt 17,3), Senhor da Paz (2 Ts 3,16), Testemunha fiel e verdadeira (Ap 1,5; Ap 3,14; Ap 19,11), Luz do Mundo (Jo 8,12; Jo 9,5; Jo 12,46), Luz da Vida (Jo 8,12), Bom Pastor (Ez 34,23; Jo 10,1-18; 1 Pd 2,25; 1 Pd 5,4; Hb 13,20). E cada ano a Igreja nos apresenta de novo esta figura de intenso significado para o ambiente bíblico e também próxima de nós, mesmo para quem se encontre envolvido pela grande cidade. A Liturgia nos faz celebrar o Bom Pastor com textos do Evangelho de São João (Jo 10,1-18).
É bom lembrar que era de confronto o contexto com o qual o Evangelho conta as parábolas do Bom Pastor, quando Jesus se via cercado de incompreensões e ameaças, tanto que as figuras do mercenário, o assaltante e ainda o ladrão acirraram mais ainda seus adversários. No entanto, cabe-nos acolher a força evangelizadora do quarto Evangelho, tirando lições que ultrapassam os tempos e chegam bem vivas à nossa mente e à nossa vida.
Vida plena é o que o Bom Pastor deseja e oferece a todo o seu rebanho (Jo 10,10). Rebanho que é diferente dos conceitos que temos a respeito dessa palavra. No Rebanho de Jesus, todas as ovelhas têm nome, são conhecidas profundamente e por elas o Pastor é capaz de dar a própria vida. Nas parábolas da misericórdia (Lucas 15,1-32), uma ovelha perdida faz o Pastor caminhar por estradas difíceis, reencontrá-la e fazer festa por causa dela.
Diante de Jesus Bom Pastor, haveremos de desenvolver uma atitude de docilidade. Quem se deixa acompanhar, abrindo ouvido e coração, com certeza encontrará atitudes do Pastor que sustentem sua vida. “O pastor precisa usar o cajado como um bastão contra os animais selvagens que querem irromper no meio do rebanho; contra os salteadores que procuram enganá-lo. Também a Igreja deve usar o bastão do pastor, o bastão com que protege a fé contra os falsificadores, contra as orientações que, na realidade, são desorientações. Por isso mesmo este uso do cajado pode ser um serviço de amor” (Bento XVI). Seu cajado, erguido com firmeza para ir à frente do rebanho, tem também as curvas da ternura, para recolher quem está fragilizado pelas suas próprias limitações ou as circunstâncias do mundo, para abraçar o pecador.
O Pastor que vai à frente do Rebanho indica a todos nós atitudes de iniciativa, liderança, criatividade, coragem para dar o primeiro passo quando podemos fazer algo pelos outros. Um sadio otimismo da fé, que não significa o tantas vezes vazio “pensamento positivo”, poderá ajudar-nos a descobrir o bem que cada pessoa pode fazer, inclusive com a certeza de que seu exemplo arrastará outras muitas!
Superar a mentalidade mercenária será mais uma atitude capaz de levar adiante o Rebanho de Cristo, já que por ele somos todos responsáveis. Não tenha preço nossa consciência, não seja leviano nosso modo de envolver-nos com os outros, seja superada toda tendência a “enrolar” outras pessoas, tenhamos rejeição absoluta a toda forma de corrupção!
Estar no rebanho do Bom Pastor que é Jesus pede de todos nós a paixão pela unidade, com a qual buscaremos aquilo que nos aproxima dos outros. Num tempo de radicalizações e risco de ódio e extremismo, aos que acreditam no Senhor Bom Pastor caberá estabelecer os fios capazes de costurar a aproximação com quem é diferente. Vale esta proposta de modo especial quando o prudente afastamento social por motivos sanitários, pode isolar as pessoas, torná-las autossuficientes e acirrar o individualismo e o egoísmo ou a ideia de que a religião é apenas trato entre Deus e a pessoa. É ainda premente a exigência de uma revisão corajosa de vida, na qual identifiquemos nossas eventuais responsabilidades.
Uma palavra forte foi-nos dirigida pelo Cardeal Raniero Cantalamessa, na última Sexta-feira Santa: “A fraternidade católica está dilacerada! A túnica de Cristo foi cortada em pedaços pelas divisões entre as Igrejas; mas – o que não é menos grave – cada pedaço da túnica, por sua vez, é frequentemente dividido em outros pedaços. Naturalmente, falo do elemento humano dela, porque a verdadeira túnica de Cristo, seu corpo místico animado pelo Espírito Santo, ninguém jamais poderá dilacerar. Aos olhos de Deus, a Igreja é “una, santa, católica e apostólica”, e assim permanecerá até o fim do mundo. Isto, contudo, não desculpa as nossas divisões, mas as torna ainda mais culpáveis e deve nos impulsionar, com mais força, a restaurá-las. Qual é a causa mais comum das divisões entre os católicos? Não é o dogma, não são os sacramentos e os ministérios: coisas estas que, por singular graça de Deus, mantemos íntegras e unânimes. É a opção política, quando ela se sobrepõe àquela religiosa e eclesial e desposa uma ideologia, esquecendo completamente o sentido e o dever da obediência na Igreja. É isto, em certas partes do mundo, o verdadeiro fator de divisão, ainda que tácito ou indignadamente. Isto é um pecado, no sentido mais estrito do termo. Significa que o “o reino deste mundo” se tornou mais importante, no próprio coração, do que o Reino de Deus. Creio que sejamos todos chamados a fazer um sério exame de consciência sobre isso e a nos convertermos. Esta é, por excelência, a obra daquele cujo nome é “diábolos”, isto é, o divisor, o inimigo que semeia o joio, como o define Jesus em sua parábola” (Cf. Mt 13,25). Palavras exigentes que devem suscitar novas atitudes para contribuir com a unidade da Igreja!
POR Dom ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
Arcebispo Metropolitano de Belém - PA e Vice-Presidente Regional da CNBB Norte 2