Em mensagem divulgada nesta segunda-feira, 16, a Cáritas Internacional manifesta as preocupações da confederação a respeito da insegurança alimentar e os desdobramentos que esta provoca. Apresenta também constatações diante das experiências junto à comunidades afetadas e cita as mudanças climáticas como ameça à segurança alimentar e a migração como consequência desta realidade. O destaque neste sentido vai para o tema das migrações forçadas. A mensagem cita experiências realizadas em duas regiões da África e enfatiza o papel das mulheres nos processos de desenvolvimento de ações que promovem a resiliência nos locais mais afetados pela escassez de alimentos.
Eis a mensagem:
Grantir o Direito à Alimentação, proteger a dignidade humana em todos os lugares: tornar a migração uma escolha livre, não uma necessidade.
A Confederação Mundial Cáritas celebra o Dia Mundial da Alimentação 2017 dedicando esta data à migração, um tema que, juntamente com a Segurança Alimentar está no centro da preocupação e do trabalho diário de toda a rede Cáritas.
A pobreza, a insegurança alimentar e a desnutrição estão entre as causas profundas da migração. A Cáritas defende a dignidade humana e o direito à alimentação para todos. Isso contribui para melhorar o bem-estar de todas as pessoas. Diversas ações da Cáritas promovem a agricultura em pequena escala, em particular a agricultura familiar, e a agroecologia como estratégias de sucesso para a segurança alimentar e o desenvolvimento rural sustentável. A Cáritas promove especialmente o papel das mulheres, como produtores e provedores de alimentos, e seu papel central na agricultura, defendendo seu acesso à educação, trabalho e recursos de produção.
A mudança climática leva à diminuição da produtividade das culturas, o que ameaça a segurança alimentar. Os pequenos agricultores, dependendo do que cultivam para a sua subsistência, são extremamente vulneráveis às alterações climáticas. A insegurança alimentar e a pobreza, exacerbadas pelas mudanças climáticas são um dos principais impulsionadores da migração, forçando as pessoas a deixar suas casas para garantir o alimento para suas famílias ou encontrar meios de subsistência mais produtivos. No entanto, uma expressão elementar da dignidade humana é a possibilidade e o direito de viver na própria pátria e, portanto, nenhuma pessoa deveria ser obrigada a migrar por falta de alimento.
Apontamos para um mundo onde a migração seja apenas resultado de uma escolha livre. Garantir o direito a alimentos adequados deve ser o princípio orientador e o objetivo de todas as políticas relevantes e estratégias de cooperação. Significa garantir que os mais vulneráveis, os 815 milhões de pessoas subnutridas no mundo, sejam os beneficiários e os impulsionadores das políticas de agricultura e segurança alimentar em todos os países. Essas políticas e estratégias de cooperação para com os mais vulneráveis devem se concentrar exclusivamente nesse objetivo, sem preocupação com a limitação ou controle de migrações.
O relatório conjunto de 2017 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e do Programa Mundial de Alimentos (PMA), sobre o estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo anuncia um aumento do número de pessoas que sofrem de fome[1]. Pela primeira vez em 10 anos, o número de pessoas subnutridas aumentou para 815 milhões, 38 milhões a mais do que em 2016. Este é um recuo dramático, enquanto todas as nações se comprometeram a erradicar a fome até 2030 com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O relatório liga claramente esse aumento a conflitos e mudanças climáticas, especialmente porque a maioria dos conflitos em curso são acentuados por fenômenos climáticos extremos, como secas, inundações ou tempestades. A degradação ambiental, muitas vezes em consequência desses fatores, por sua vez, afeta a disponibilidade de alimentos e prejudica os meios de subsistência.
O resultado do aumento da pressão atmosférica sobre os recursos naturais provoca o deslocamento da população. Embora a visão da Cáritas seja que a migração deve ser uma escolha livre, a realidade mostra que a migração forçada como resultado das mudanças climáticas deve crescer no futuro. Esse fenômeno está sendo gradualmente discutido e compreendido a nível internacional[2], de modo que os “migrantes ambientais” devem receber proteção legal para garantir o gozo de seus direitos humanos.
A campanha de migração global, “Compartilhe a Viagem”, recentemente lançada pela Cáritas Internacional, tem como objetivo promover interações pessoais construtivas, aproximando as comunidades locais, os migrantes e os refugiados através de uma vasta gama de atividades.
A campanha da Cáritas é um apelo para que formuladores de políticas públicas, políticos, potenciais migrantes e pessoas receptoras estejam conectadas, com o objetivo de permitir que migrantes e refugiados tenham voz nas políticas públicas que os afetam. Os esforços de mobilização e conscientização da Cáritas pressupõem que a insegurança alimentar é uma causa significativa para a migração forçada. Uma vez que a viagem de um migrante começou, a falta de proteção ou o trabalho combinado com pouco ou nenhum acesso a alimentos adequados e nutritivos são fatores de pressão significativos que obrigam as pessoas a continuar se movendo de um lugar para outro.
Acreditamos firmemente que, ao entender a dinâmica que gera a mobilidade forçada – compartilhando a jornada e a experiência – poderemos abordar melhor em que consiste o cerne da migração forçada. As políticas e as leis de migração não devem penalizar os pobres e os mais vulneráveis. O respeito pela dignidade humana, como pedra angular da Cáritas exige dos governos a promoção do acesso a alimentos suficientes e nutritivos para todos como um direito humano em todos os momentos, especificamente para os que estão em maior risco, que são forçados a fugir do seu país e precisam de um refúgio seguro.
As organizações da Cáritas conhecem as causas geradoras da migração e intervêm para mitiga-las. Ao mesmo tempo, vêem o vínculo entre agricultura, desenvolvimento rural e migração como um círculo virtuoso. As seguintes experiências demonstram:
Região do Sahel
Nos ecossistemas degradados do Sahel, a insegurança alimentar e a desnutrição são motivos férteis para gerar o êxodo e a migração. Intervir nesta situação significa proteger o meio ambiente, bem como criar condições adequadas para favorecer o sustento dos pequenos agricultores, cuja contribuição é indispensável para garantir a segurança alimentar para a maioria das pessoas.
Na região do Sahel, a Cáritas empreende iniciativas que promovem o acesso seguro e sustentável das mulheres e dos jovens às terras agrícolas, à água de irrigação, à energia solar, bem como à capacitação na migração. Essas iniciativas reforçam a resiliência, estabelecendo bases para a segurança alimentar e combatendo a saída sistemática das mulheres e dos jovens nos processos migratórios.
Etiópia
Na Etiópia, mais de 85% do sustento da população é baseado na agricultura. Os trabalhadores rurais compõem a maioria dos deslocados internos e migrantes irregulares. Uma das principais causas da migração na Etiópia é a pobreza, devido à insegurança alimentar e à incapacidade de produzir alimentos suficientes para sustentar a família, uma vez que o cenário rural da Etiópia é aguçado pelas mudanças climáticas, pelo tamanho limitado dos territórios e pela baixa produtividade.
Mas a agricultura também é a principal oportunidade de trabalho para aqueles que chegam aos países de destino. Os migrantes são a força de trabalho que contribuem para a produção sustentável de alimentos nos países de acolhimento e os principais contribuintes das remessas para seu país de origem. Em muitos países de destino, os migrantes são a principal força de trabalho para contribuir para a produção agrícola em continentes como a Europa e a América do Norte. O trabalho físico exigido por este setor é coberto por migrantes de diferentes países vizinhos: por exemplo, os mexicanos nos Estados Unidos, os moçambicanos e os zimbabuenses na África do Sul, os africanos na Europa são os principais trabalhadores do setor agrícola dos países de acolhimento. Os migrantes etíopes no Oriente Médio estão envolvidos na criação de camelos e na produção animal.
Um estudo realizado sobre migração rural indica a potencial criação de emprego para jovens oferecidos pela agricultura em muitos estados regionais. Produção de horticultura, cereais para pão, produção de cerveja, algodão para produção têxtil são indicados como áreas de intervenção para a criação de emprego rural. Por sua vez, a agricultura também é uma das principais atividades para que os repatriados sejam reintegrados de volta à sociedade. As organizações da Cáritas testemunham que os migrantes repatriados podem se envolver em atividades como plantação de árvores frutíferas, horticultura, produção animal e criação, onde podem trazer as habilidades aprendidas nos países de acolhimento, de modo a recuperar seus meios de subsistência.
A Cáritas lembra aos gestores e lideranças governamentais do mundo que:
- A migração deve sempre resultar de uma escolha livre. Melhorar a segurança alimentar, combater as alterações climáticas são ações essenciais para garantir a dignidade humana, contribuindo para que a migração seja um ato livre.
- As políticas agrícolas devem apoiar e fortalecer os meios de subsistência rurais para ajudar os pequenos agricultores a se adaptar às mudanças climáticas e contribuir para a mitigação. Isso inclui políticas agrícolas pró-pobres que apoiam o aumento da produtividade da terra através da promoção de práticas agrícolas resistentes ao clima, como a agroecologia. Os investimentos devem ser direcionados a nível local e em pequena escala, com o objetivo de impulsionar os sistemas locais de produção de alimentos, estocagem, distribuição e acesso aos mercados locais. É preciso também garantir assistência financeira e técnica para que as populações empobrecidas possam melhorar a produção e desenvolver a resiliência.
- Os agricultores vulneráveis nos países em desenvolvimento devem ter acesso à segurança da terra, uma condição prévia para aumentar o investimento local e o desenvolvimento da agricultura sustentável em pequena escala. O planejamento e o investimento na melhoria do habitat e no gerenciamento integrado de recursos hídricos, com envolvimento comunitário adequado, devem ser priorizados.
Roma, 16 de outubro de 2017