Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

Após o domingo de Pentecostes, festeja a Igreja o mistério de Deus Uno e Trino. Deus é um só em três Pessoas e três Pessoas são dadas num único Ser, Deus. É o mistério inesgotável, infinito, e ao mesmo tempo, ele está presente em cada um de nós, nos irmãos e nas irmãs, em nossos corações, sobretudo naqueles que sofrem e são necessitados. O mistério de Deus Uno e Trino é tão grandioso e ao mesmo tempo próximo de cada um de nós. É o principio, o fim de todas as coisas e dos seres humanos. Nós somos chamados a adorar a Unidade onipotente e a Trindade santa e vivê-la nas relações humanas, familiares, comunitárias e sociais. Vejamos estas doutrinas presentes nos padres da Igreja, os escritores cristãos dos primeiros séculos do cristianismo.

A oração ao Deus Uno e Trino no momento do martírio.

São Policarpo, bispo de Esmirna, século II morreu mártir, dando a sua vida pelo Senhor, pelo Reino de Deus e pela Igreja. Um momento antes de sua entrega a Jesus o bispo proferiu uma oração trinitária onde ele disse que era bendito o Senhor, Deus todo-poderoso, Pai de seu Filho, Jesus Cristo, pelo qual as pessoas receberam o conhecimento de seu nome, Deus dos anjos, dos poderes e de toda a criação. Policarpo também disse que ele estava bendizendo a Deus por ser considerado digno daquele dia e daquela hora, de tomar parte entre os mártires, e do cálice de Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na incorruptibilidade do Espírito Santo[1].

A fé em Deus, imortal.

São João Damasceno, presbítero do século VIII, tinha presente a fé em um só Deus, único principio, privado de principio, incriado, indestrutível, imortal, eterno imenso, ilimitado, de infinito poder, simples, não composto, incorpóreo, imutável, impassível, invisível, fonte de toda a bondade e justiça. O presbítero também dizia que Deus é luz inacessível, fundador de todas as coisas, seja daquelas visíveis que das invisíveis, providente de tudo, conservador de tudo, com o reino perpétuo e imortal[2].

A fé na Trindade preenche tudo.

São João Damasceno também afirmou que a fé em Deus preenche todas as coisas sem ser por nenhuma circunscrita, antes Ele mesmo circunscreve tudo, porque tudo contém e a tudo provê, pois ele penetra todas as substâncias deixando-as intactas além de estar em todas as coisas, transcendente a toda substância, superior a toda coisa, superior pela sua divindade, bondade, plenitude. Ele está sobre toda a ordem e a todo o poder, mais alto por essência, vida, palavra, inteligência. O Deus é a luz mesma, a vida mesma, não recebendo de nenhum ser nem das coisas que existem, mas antes Ele mesmo é a fonte do ser por tudo aquilo que é a vida, por tudo aquilo que vive, dá razão por todas as criaturas que fazem uso[3].

Os fieis são chamados a acreditar num só Deus.

Segundo São João, os fiéis são chamados a acreditar em um só Deus que é causa de todo o bem para todas as coisas, que prevê tudo antes que venha a existir, única divindade, poder, vontade, atividade, reino. O escritor também afirmou em acreditar num único Deus conhecido na três perfeitas pessoas e venerado com um único ato de culto, objeto de fé e de adoração por parte de toda a criatura racional, de todos os fieis cristãos, e essas pessoas são unidas sem mistura ou sem confusão, sem alguma distância no Pai e no Filho e no Espírito Santo, no nome no qual fomos batizados. Foi desta forma que o Senhor antes de voltar ao Pai pediu para que as pessoas fossem batizadas em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19)[4].

A fé nas Pessoas divinas.

São João Damasceno manifestou a fé em cada pessoa. Ele dizia em acreditar no único Pai, principio e causa de tudo, não gerado por ninguém, único salvador não causado e ingênito, criador de todas as coisas. É Pai por natureza do seu único Filho Unigênito e Deus o nosso Jesus Cristo, do qual vem o Espírito Santo.

Ele manifestou fé no Filho de Deus Unigênito, Senhor nosso, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não criado, consubstancial ao Pai pelo qual todas as coisas foram feitas.

Ele manifestou a fé no Espírito Santo, Senhor vivificador, que procede do Pai e reside no Filho, que junto com o Pai e o Filho é adorado e glorificado sendo substancial e eterno como eles, Espírito de Deus, justo, soberano, fonte de sabedoria, de vida e de santidade. Ele é também é chamado Deus com o Pai e o Filho, incriado, perfeito, criador que governa todas as coisas, onipotente, que diviniza sem ser divinizado, que santifica mas não é santificado. Ele também é Paráclito porque acolhe as invocações de todos, porque ele é da mesma substância com o Pai e com o Filho, é concebido pelo Pai através o Filho e é recebido por toda criatura[5].

A diferença entre a geração divina e humana.

Santo Ambrósio, bispo de Milão no século IV afirmou que não se pode comparar a geração divina com a humana, porque enquanto a humana tem o pai que passa para o filho e o filho que pode depois se tornar pai, aquela divina, há um só Pai e um só Filho. É impossível pensar o Pai sem o Filho de modo que convida o fiel em reforçar a sua fé e segui-los. O Filho é primogênito do Pai e é co-eterno ao Pai, que também é eterno. O Filho não está só, mas sempre está com o Pai pois Ele disse: Eu não estou só, pois o Pai está comigo (Jo 16,32). O Pai é único, porque não há que um só Deus porque não há que uma única divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo e aquilo que é único é só[6].

As três Pessoas divinas.

O Pai é único, único é o Filho Unigênito e único é também o Espírito Santo porque o Pai não é o Filho, nem o Filho é o Pai e nem o Espírito é o Filho e o Pai. Uma pessoa é o Pai, a outra é o Filho e outra ainda o Espírito Santo. Portanto, o Senhor é verdadeiramente grande, de modo que se difunde largamente o poder de Deus, a grandeza da substância divina se estende sem medida. A Trindade não conhece limites, não tem fronteiras, não pode ser medida, não existe dimensões porque nenhum espaço pode circunscrevê-la, nenhum pensamento abraçá-la, nenhum cálculo avaliá-la, nenhuma época modificá-la[7].

Oração ao Deus Uno e Trino.

Santo Agostinho rezou à Santíssima Trindade no sentido da manifestação da fé ao nosso Deus, Pai e Filho e Espírito Santo. Pois o Filho disse que era para os discípulos batizarem a todos os povos, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19). Tudo isso não teria dito se não fosse a Trindade. E o Filho não nos ordenaria que fôssemos batizados em nome de alguém que não fosse Senhor Deus. Nem a voz divina diria que Israel ouvisse o Senhor seu Deus pois é o único Deus (Dt 6,4), se não fosse Trindade e ao mesmo tempo, o único Senhor Deus[8].

Senhor Deus, única esperança.

Santo Agostinho também disse na sua oração que o Senhor Deus é a sua única esperança de modo que ele pede que jamais se entregue ao cansaço, mas que sempre o procure a sua face, com todo o ardor (Sl 104,4). Ele pede para que fortaleça a pessoa que o busca, o Senhor que permitiu que o encontrasse e cumulou de esperança de sempre mais o encontrar[9].

O desejo de estar na sua presença.

O Bispo de Hipona continuou a sua oração afirmando de querer e estar em sua presença, pois a sua força cura a sua fraqueza. Na sua presença, estão a sua ciência e a sua ignorância. Lá onde o Senhor abriu, permita que ele entre e lá onde o fechou, abre-se ao bater. Que ele se lembre do Senhor, que o compreenda e que o ame. O bispo pede a Deus para que o livre do muito falar, o que o atormenta, no interior de sua alma, mísera, na sua presença, mas que se refugia na sua misericórdia[10].

O Senhor Deus conhece os pensamentos humanos.

Ele diz que são muitos os pensamentos dele, do ser humano, e o Senhor os conhece, pois são pensamentos humanos, que passam, são vãos (Sl 93,11). O que se pode dizer das coisas e dos seres humanos é que Deus é tudo (Eclo 43,29). Quando o ser humano chegar à presença do Senhor, cessará o muito que dissemos neste mundo, mas muito ficará por dizer, e Deus permanecerá só, tudo em todos (1 Cor 15,28) de modo que eternamente cantaremos um só cântico louvando o Senhor em um só movimento e estreitamente unidos[11].

A oração termina na intuição que a pessoa entrega-se nas mãos de Deus tendo presente a fé num único Deus, Deus Trindade, no qual tudo o que o bispo disse nos livros, do Senhor que veio a este mundo, e pede perdão pelas faltas, mas ele tem presente o louvor ao Senhor Deus Uno e Trino que está sobre todos[12].

Nós somos chamados a viver cotidianamente o mistério do Deus Uno e Trino em nossas vidas para que assim tudo se transforme no bem, na paz e no amor aos irmãos e irmãs e para glória de Deus Uno e Trino e um dia, para sempre, viveremos na sua presença, na vida eterna, como dom dado aos seres humanos.

 

 

[1] Cfr. Martírio de São Policarpo, 14, 1-2. In: Padres Apostólicos. São Paulo, Paulus, 1995, pgs. 152-153.

[2] Cfr. Giovanni Damasceno. Esposizione della fede ortodossa, 1,8. In: La teologia dei padri, v. 1. Roma, Città Nuova Editrice, 1981, pg. 37.

[3][3] Cfr. Idem, pg. 37.

[4] Cfr. Idem, pgs. 37-38.

[5] Cfr, Idem, pg. 38.

[6] Cfr. Ambrosio. Commento al Vangelo di San Luca, 2,12-13. In: Idem, pgs. 38-39.

[7] Cfr. Idem, pg. 39.

[8] Cfr. Santo Agostinho. A Trindade, capítulo 28. São Paulo, Paulus, 1994, pg. 555.

[9] Cfr. Idem, pg. 556.

[10] Cfr. Idem, pg. 557.

[11] Cfr. Idem, pg. 557.

[12] Cfr. Idem, pg. 557.