por Dom Alberto Taveira Correa
Arcebispo Metropolitano de Belém

Os discípulos de Jesus de todos os tempos aprendem com o Mestre a forma adequada de agir nas diversas circunstâncias da vida. Sabendo que ele é Homem e Deus, pois é Deus com o Pai e o Espírito Santo, temos a certeza de nele encontrar o vade-mécum de nossa caminhada nesta terra. Nossa fé cristã
fará encontrar em Jesus Cristo os valores que estão em Deus. Deus é verdadeiro, Deus é bom, Deus é Justo, Deus é belo! Ao percorrer as páginas do Evangelho, nós o encontramos assim! No Evangelho proclamado no vigésimo terceiro Domingo do Tempo Comum, a Palavra nos diz com clareza e beleza: “Ele faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (cf. Mc 7,31- 37). A ele podemos aplicar com precisão as palavras do salmista: “Tu és o mais belo dos homens, nos teus lábios se espalha a graça, por isso Deus te abençoou para sempre” (Sl 44,3).

Entremos na Casa de Nazaré, onde certamente encontramos alguns valores que nortearam a vida daquela família. Aproximemo-nos do Senhor para ver seu modo de agir e, como bons discípulos, aprender com o Mestre a fazer tudo de seu jeito. Primeira certeza é que Maria, a “agraciada”, escolheu ser serva do Senhor (Lc 1,37). José, homem bom e justo (Mt 1,19) demonstrou ser da estirpe de Davi, vivendo permanentemente “dependurado” na vontade de Deus que lhe era revelada em sonhos. Maria e José nos legaram a responsabilidade diante dos planos de Deus. Sabemos que antes de habitarem em Nazaré os três foram peregrinos pelas estradas do Egito, fugindo da fúria de Herodes, para salvar o que pertence a Deus a qualquer custo! Do Egito retornaram a Nazaré.

Ao colo de Maria e de José, Jesus, igual e nós em tudo, menos no pecado, mesmo sendo Filho de Deus, aprendeu a obedecer (cf. Hb 5,8-9) e todas as virtudes humanas. Com os pais, aprendeu a conviver com os vizinhos, criou amizades com outras crianças, depois adolescentes ou jovens, frequentou a Sinagoga de Nazaré, viveu com simplicidade e dedicação todos os passos humanos correspondentes à cultura da época e as práticas religiosas judaicas, aprendeu a profissão de José a exerceu com perfeição.

Dá para imaginar, nas projeções oferecidas pelas pesquisas arqueológicas em Nazaré, os valores que resplandeciam na casa do Verbo de Deus feito homem e foi conhecido como filho de um Carpinteiro. Parece-me ver uma pobre habitação com pedra ou terra batida no solo, mas limpinha e ordenada, pela
mais expressiva mãe de família da história, a cheia de graça que é dona de casa!

São Paulo VI (cf. Peregrinação à Terra Santa, em 1964), em visita a Nazaré, legou-nos uma percepção singular e profunda: “Nazaré é a escola para compreender a vida de Jesus: a escola do Evangelho. Aqui se aprende a olhar, a escutar, a meditar e penetrar o significado, profundo e misterioso, dessa
manifestação tão simples, tão humilde e tão bela, do Filho de Deus. Talvez se aprenda até a imitá-lo… Aqui se descobre a necessidade de observar o quadro de sua permanência entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a linguagem, as práticas religiosas, tudo de que Jesus se serviu para revelar-se ao mundo. Aqui tudo fala, tudo tem um sentido. Aqui se compreende a necessidade de uma disciplina espiritual para quem quer seguir o ensinamento do Evangelho e ser discípulo do Cristo… Não partiremos sem antes de colher algumas lições de Nazaré. Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito; em nós,
assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em nossa vida. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo. Uma lição de vida familiar. Que
Nazaré nos ensine o que é a família, sua comunhão de amor, sua beleza simples e austera, seu caráter sagrado e inviolável; aprendamos de Nazaré o quanto a formação que recebemos é doce e insubstituível: aprendamos qual é sua função primária no plano social. Uma lição de trabalho. Ó Nazaré, ó casa do “filho do carpinteiro”! É aqui que gostaríamos de compreender e celebrar a lei, severa e redentora, do trabalho humano; aqui, restabelecer a consciência da nobreza do trabalho; aqui, lembrar que o trabalho não pode ser um fim em si mesmo, mas que sua liberdade e nobreza resultam, mais que de seu valor econômico, dos valores que constituem o seu fim. E como gostaríamos de saudar aqui todos os trabalhadores do mundo inteiro e mostrar-lhes seu grande modelo, seu divino irmão, o profeta de todas as causas justas, o Cristo nosso Senhor”.

Este Senhor, que faz os surdos ouvirem e os mudos falarem (Mc 7,31-37) não deixa ninguém passar ao seu lado sem oferecer atenção, cura, libertação e misericórdia! Nele se encontram os sinais e a realização dos sonhos proféticos (cf. Is 35,4-7) apresentados na Liturgia do Domingo que celebramos!

Quiçá nós também aprendamos as virtudes humanas que nos diferenciam de tantas pessoas, não por orgulho e, menos ainda, por fanatismo, mas para sermos sinais visíveis do Reino de Deus, que não virá apenas na plenitude da história, mas já está presente, “reino da verdade e da vida, reino da santidade e
da graça, reino de justiça, do amor e da paz” (cf. Prefácio da Solenidade de Cristo Rei). Resplandeça em nossa casa a harmonia e o bom gosto da casa da Sagrada Família! Cuidemos dos pequenos detalhes nascidos da atenção de uns com os outros, desde um quarto arrumado, passando pela alimentação bem preparada e pela hospitalidade cultivada, com a qual acolhemos as outras pessoas. Da casa para o trabalho digno, seja qual for, deixemos que nossas mãos sejam a extensão de nosso bom coração, conscientes de sermos colaboradores de Deus no aperfeiçoamento de cada recanto de sua criação!

Enfim, não seja a nossa vida nivelada pelo rodapé da existência, mas projetada com grandes ideais, dignos dos filhos de Deus, que nos quer felizes desde esta terra e para a eternidade!