Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.
São Paulo expressou num cântico cristológico, a missão de Jesus Cristo na sua realidade divina e humana neste mundo e junto do Pai. O Cântico de Fl 2,6-11 tem presentes a sua condição divina não se apegando à sua igualdade a Deus, mas ele despojou-se fazendo servo, tornando-se semelhante ao ser humano de modo que se fez obediente até a morte e morte de cruz. Deus o exaltou acima de tudo para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai.
São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla, séculos IV e V fez duas longas homilias colocando a humildade, a vida com Deus do Senhor Jesus e a sua igualdade com o ser humano ao conceder-lhes os dons da vida e da redenção. É importante fazer a análise do cântico paulino para a nossa realidade de discípulos, discípulas, missionários, e missionários de Jesus Cristo e de sua Igreja.
O exemplo de si próprio.
O Bispo São João disse que Jesus Cristo colocou-se sempre como modelo de exemplo ao falar para os discípulos em relação às grandes exigências do discipulado. O Senhor disse que se as pessoas o perseguiram, também os discípulos serão perseguidos (Jo 15,20). Jesus disse que é para aprender dele, que é manso e humilde de coração (Mt 11,29). O Senhor pede de seus discípulos para que sejam misericordiosos como o Pai que está nos céus (Lc 6,36). O bispo disse que São Paulo agiu da mesma forma. Quando ele quis exortar os Filipenses a respeito da humildade, apresentou-lhes Jesus Cristo como modelo. Quando ele falou da caridade para com os pobres, exprimiu-se de maneira semelhante ao dizer que Jesus Cristo se fez pobre, embora fosse rico (2Cor 8,9). É importante a prática do bem porque é desta forma que uma alma grande e sábia assemelha-se a Deus[1].
A superação das diversas heresias.
O bispo, ao ter presente que o Senhor Jesus tinha a condição divina não considerou ser igual a Deus como uma rapina, um ato de tomada com violência, mas ele esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo, vislumbrou a superação das diversas heresias, como aquelas de Ário de Alexandria, Paulo de Samósata, de Sabélio da Líbia, Apolinário de Laodicéia, entre outros negadores de suas naturezas divina e humana. Muitas falanges foram derrubadas pela palavra do Apóstolo São Paulo em relação a Jesus divino-humano[2].
A superação do arianismo.
Crisóstomo afirmou contra Ário que o Senhor assumiu a condição de servo, não porque ele tinha uma substância inferior ao Pai como dizia Ário, mas porque como disse Paulo ele tinha a condição divina pela assunção da realidade humana. As duas condições de servo e de Deus são equivalentes ao Filho, a Jesus, de modo que a condição de servo significa homem, ser humano, e condição divina possui o significado de Deus por natureza. São Paulo e São João, evangelista afirmaram que ser igual a Deus em nada é menor que o Pai, mas está na mesma condição, na mesma linha divina(Fl 2,6; Jo 1,1)[3].
Senhor grande.
São João Crisóstomo precisou a intenção dos hereges para justificar a palavra de São Paulo de que Jesus, o Filho não se apegou ao seu ser igual a Deus, mas ele esvaziou-se a si mesmo na natureza humana. Aos hereges haveria as concepções de dois deuses: um maior e outro menor. Mas o bispo afirmou que o Senhor assumiu o esvaziamento de si mesmo por causa da redenção humana e também porque a Escritura não coloca dois deuses, mas a existência do único Senhor como grande e muito louvável (Sl 48,2; 96,4; 145,3). Essas referências são dadas também para o Filho que em toda a parte o chamou de Senhor, pois o Deus é grande, só Ele faz maravilhas, é o único (Sl 86,10). Outra referência fundamental encontra-se na Bíblia onde se diz que o Senhor é grande e onipotente, a sua grandeza é incalculável (Sl 147,5; 145,3). A Escritura refere-se aos atributos divinos tanto ao Pai como ao Filho, porque se trata do único Deus[4].
A intenção do Apóstolo.
São João Crisóstomo disse que a intenção do Apóstolo Paulo ao escrever para os Filipenses que o Filho existindo na forma divina não se apegou ao seu ser igual a Deus apresentou o Senhor Jesus como exemplo de humildade, porque ninguém exorta aos outros à humildade através da necessidade da humildade, considerando-se menor do que os seus semelhantes. Para o bispo a humildade é ter um modo de pensar humilde, possuir pensamentos humildes, não sendo humilde por necessidade, mas a pessoa humilha-se a si mesmo. O nome de humildade deriva de abaixamento, humilhação no modo que a pessoa pensa de si mesma[5]. Por causa do ser humano em vista de sua salvação, Jesus viveu a condição humilde.
A condição divina e de servo.
Para São João quando o Apóstolo Paulo disse que o Senhor estava na condição divina ao assumir a condição de servo, não o diminuiu por vir ao mundo. Ele entrou na realidade humana, de modo que teve que assumir a condição de pessoa humana, de servo, igual ao ser humano em tudo menos o pecado (Hb 4,15). O fato era que Ele existia numa forma divina tendo como sentido idêntico de que Deus é aquele que é (Ex 3,14), mostrando a sua imutabilidade da condição como Deus Assim o Filho não é diferente do Pai, mas está em unidade com Deus, é Deus [6].
A descida da sua dignidade.
Em base à palavra paulina, afirmou o bispo Crisóstomo também que o Filho de Deus não teve medo de descer de sua alta dignidade, porque não considerou um apego à sua condição divina, não tendo medo de que alguém lhe arrebatasse a natureza ou a dignidade. Jesus não considerou que vivendo junto ao povo de Deus, em nada ficaria diminuído, mas ao contrário elevou até a divindade, a natureza humana. Desta forma não hesitou em assumir a condição de servo. Assim ele esvaziou-se a si mesmo, humilhou-se e foi obediente até a morte e morte de cruz (Fl 2,7-8). O Senhor não estava subordinado a um outro, mas ele escolheu isso livremente, por si mesmo[7]. Desta forma o Senhor tinha um corpo, uma alma e era também Deus. Por isso São Paulo disse que ele tinha a condição divina e assumiu a condição humana, de modo que é Deus perfeito como também servo perfeito[8].
A obediência do Filho.
A homilia de São João prestou contas que a obediência do Filho foi de bom agrado ao Pai, na qual ele não desceu à terra na situação de um escravo, mas através da grande reverência que prestou ao Pai, conservando a admirável dignidade de sua filiação. Foi o Filho que prestou honras ao Pai. A obediência o levou à morte injuriosa, coberta de vergonha, de maldição porque era maldito quem era suspenso no madeiro (Gl 3,13; Dt 21,23). Nesta morte violenta houve a maior manifestação do amor de Deus à humanidade. Desta forma Deus o sobreexaltou grandemente e o agraciou com o nome que é sobre todo nome (Fl 2, 8-9)[9].
A glória do Pai.
A continuidade do hino cristológico de São Paulo é reforçado por São João no sentido de que todo o joelho se dobre no nome de Jesus e para a glória de Deus, toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor (Fl 2, 10-11). Assim quando o Filho é glorificado é também glorificado o Pai. Diante das heresias é fundamental declarar ser o Filho perfeito para a glória do Pai. O Pai gera o Filho na sua grandeza, de modo que ele não é menor que o Pai, mas é igual a ele[10].
Como Filho, Jesus prestou obediência ao Pai, obteve as honras excelsas. Fez-se servo e tornou-se Senhor de todos, dos anjos e de todas as outras criaturas, de modo que a exaltação é humilhação e a humilhação é exaltação[11]. O Senhor Jesus veio a este mundo em vista da salvação do ser humano, fez servo, obediente, e foi exaltado sobre todas as criaturas para que toda a língua proclame que Jesus é o Senhor de todas as criaturas. O cântico aos Filipenses de São Paulo estava presente na doutrina de São João Crisóstomo em vista da defesa da fé e prática na pessoa de Jesus diante das heresias, do Senhor Jesus como Deus e como ser humano para a redenção de toda a humanidade.
[1] Cfr. Sexta Homilia. Carta aos Filipenses. In: São João Crisóstomo. Comentário às Cartas de São Paulo/3. São Paulo, Paulus, 2013, pg.. 395.
[2] Cfr. Idem, pgs. 395-396.
[3] Cfr. Idem, pgs. 396-398.
[4] Cfr. Idem, pgs. 398-399.
[5] Cfr. Idem, pgs. 399-400.
[6] Cfr. Idem, pgs. 403.
[7] Cfr. Sétima Homilia, pgs. 412-413.
[8] Cfr. Idem, pgs. 413-417.
[9] Cfr. Idem, pgs. 418-420.
[10] Cfr. Idem, pgs. 420-421.
[11] Cfr. Idem, pg. 422.