por Dom Paulo Andreolli, SX
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém
Caros leitores, neste domingo, convido vocês a refletirem sobre a justiça social a partir de um personagem conhecido: Lázaro. E para me acompanhar nesta conversa semanal, conto com a contribuição de Sylvia Calandrini, licenciada em Letras e professora do Instituto Vicentino Catarina Labouré.
O Evangelho deste 26º Domingo do Tempo Comum (Lc 16,19-31) nos apresenta a parábola do rico que vestia-se de púrpura e banqueteava-se todos os dias, enquanto à sua porta se encontrava Lázaro, coberto de feridas, desejando ao menos as migalhas que caíam da mesa. A cena é forte: de um lado, a abundância que cega e humilha; de outro, a indigência que clama em silêncio por justiça.
A narrativa não é apenas sobre dois personagens; é sobre a distância entre eles. Uma distância que não era situada no espaço, isto é, geográfica, mas de coração. O rico não praticou o mal de forma direta contra Lázaro, mas sua omissão diante da dor de uma pessoa necessitada já foi suficiente para condená-lo. Ele não percebeu que a verdadeira dignidade humana se mede pela capacidade de enxergar e socorrer o irmão que está à porta, e, assim, experimentar uma profunda comunhão com o Mestre: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele, comigo” (Ap 3,20).
Essa parábola ilumina a urgência da justiça social em nosso tempo. No Brasil e, de modo particular, na Amazônia, ainda convivemos com contrastes gritantes: a riqueza natural e cultural ao lado da pobreza estrutural; mesas fartas e famílias inteiras em insegurança alimentar; progresso tecnológico e vidas descartadas pela falta de acesso a direitos básicos. Lázaros continuam à nossa porta.
A Palavra de Deus não nos convida à culpa estéril, mas à conversão do olhar e das atitudes. Não se trata de esperar milagres do céu, pois Abraão responde ao rico: “Eles têm Moisés e os profetas, que os escutem”. Nós também temos a voz da Igreja, a doutrina social, os apelos do Papa Francisco, de saudosa memória, e os sinais dos tempos que clamam por mudança. A fé autêntica se traduz em obras de caridade e em compromisso social.
A justiça social não é uma ideia abstrata, mas uma exigência do Evangelho. Significa lutar para que cada pessoa tenha pão, moradia, saúde, educação, dignidade. Significa reconhecer em cada rosto humano a presença de Cristo, especialmente nos mais pobres e esquecidos. É viver a esperança como fermento transformador, não como espera passiva.
Com sua doutrina social, “a Igreja atualiza a mensagem de libertação e de redenção de Cristo, o Evangelho do Reino”. Anunciando o Evangelho, ela testemunha e proclama a dignidade própria e vocação à comunhão dos homens e mulheres concretos, e ensina-lhes as exigências e os caminhos da justiça e da paz (CDSI, 63).
Como a justiça social está mais ligada à imagem cristã de Deus que à filosofia política, boa parte do ensinamento social da Igreja é uma resposta da fé aos problemas sociais mais urgentes de cada época da história (CDSI, 66; 77; 81).
Nesse sentido, lembramos de São Vicente de Paulo, cuja festa celebramos no último dia 27 de setembro. Ele não se contentou em sentir compaixão, mas organizou a caridade, mobilizou recursos, formou comunidades de serviço e mostrou que a fé precisa transformar estruturas de injustiça. Suas palavras ecoam ainda hoje: “O bem e o mal que fizermos aos pobres, Cristo os considerará como feitos à sua Divina Pessoa”. (SV XII, 811). E ainda: “O estado da missão é um estado de amor” (SV XI, 44). Sua vida nos recorda que não basta apenas olhar para o sofrimento; é preciso agir para que cada pessoa seja tratada como filha de Deus.
Neste mês da Bíblia, a parábola nos provoca a abrir os olhos: quem são os Lázaros que batem à nossa porta? Talvez estejam em nossas comunidades, ruas, escolas, hospitais, rios ou periferias. Não basta vê-los de longe; é preciso aproximar-se, estender a mão, partilhar, lutar por políticas públicas que garantam vida plena para todos.
Que a Palavra nos conduza a uma prática concreta de amor e justiça. E que, ao partilharmos o pão da Eucaristia, aprendamos também a partilhar o pão da vida cotidiana, transformando indiferença em solidariedade.
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