por Dom Pedro José Conti
Bispo da Diocese de Macapá

A Coragem estava sendo perseguida pelo Medo. Procurou abrigo para passar a noite. Bateu à porta da Covardia, mas ela não lhe abriu dizendo que não a conhecia. Bateu à porta da Mentira, mas ela não lhe abriu dizendo que não estava em casa. Bateu, enfim, à porta da Preguiça, mas ela não lhe abriu dizendo que já estava deitada. Então a Coragem tomou coragem. Bateu à porta da Vontade e esta lhe abriu convidando-a a entrar. Quando amanheceu as duas saíram de casa e o Medo vendo a Coragem e a Vontade juntas, fugiu.

Continuando na sua “catequese”, o evangelho de Marcos do 12º Domingo do Tempo Comum nos apresenta mais uma pergunta sobre a identidade de Jesus. “Quem é este homem, a quem até o vento e o mar obedecem?” assim os discípulos “diziam uns aos outros” depois que Jesus tinha acalmado a tempestade durante a travessia do Mar da Galileia. Podemos ficar encantados com o poder de Jesus, mas é mais do que evidente que o evangelista quer nos conduz muito mais longe que, simplesmente, nos contar um fato extraordinário ou milagroso. O objetivo do anúncio evangélico é sempre fazer-nos crescer na fé e na confiança em Jesus. Com efeito é ele mesmo que questiona os discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”.

O medo dos discípulos é devido ao vento muito forte e às ondas que começavam a encher o barco. No entanto, Jesus parece não ligar para isso; ele dorme “sobre um travesseiro”. A quem apelar? Foi o Mestre que ordenou ir para “a outra margem”. Os discípulos, então, decidem acordá-lo com um grito de socorro: “Estamos perecendo e tu não te importas?”. Pelas próprias palavras deles e de Jesus entendemos que tem algo mais em jogo que aquele momento de tempestade e de medo. Naquele barco está o Mestre e a sua nova e pequena comunidade; eles são os seus primeiros seguidores. O evangelho, porém, foi escrito sobretudo para aqueles que virão depois, se preparando para seguir Jesus – os catecúmenos – ou os já batizados e, portanto, todos os cristãos. A ordem de ir “para a outra margem” é uma antecipação do envio missionário fora das cidades conhecidas de Cafarnaum e Nazaré. Pelas suas palavras e atitudes, Jesus está encontrando a incompreensão dos familiares e aparecem verdadeiros adversários que já pensam como matá-lo (Mc 3,6). O medo dos discípulos, então, não é somente aquele da tempestade; é, antes, aquele de morrer com Jesus e, sabemos, que este medo os acompanhará até o final, quando fugirão todos na hora da cruz (Mc 14,30). No entanto, Jesus “dorme”, ou seja parece despreocupado, ausente. Será? Talvez este era o pensamento das primeiras comunidades quando foi escrito o evangelho de Marcos. Têm momentos de provação e de dificuldade pessoais e comunitários nos quais nós também duvidamos da promessa de Jesus de estar conosco todos os dias até o fim dos tempos (Mt 28,20). Depende de como entendemos a presença de Jesus no meio de nós, presença garantida também com o dom do Espírito Santo, porque é aí que nós podemos entender melhor. Com certeza nós gostaríamos que o Senhor atendesse imediatamente os nossos pedidos e assim resolvesse todos os nossos problemas, quem sabe, podendo ser nós a dormir tranquilamente, cobrando tudo dele. Não é bem assim. Desde o início  daquela que chamamos “história da salvação” Deus chamou homens e mulheres para colaborar com ele. Alguns obedeceram e fizeram coisas prodigiosas, outros menos, outros, infelizmente, desobedeceram. Igualmente fez Jesus quando anunciou a chegada do Reino e mais ainda após sua morte e ressurreição. Sempre ele irá se servir da nossa pobre colaboração, sempre saberá chamar e inspirar alguém para ajudar, também se passando por momento de martírio e de necessária conversão. Em lugar de cultivar dúvidas, precisamos vencer o medo, crescer na confiança e na certeza que ele está sempre conosco sobretudo no sofrimento e nas provações. Devemos colocar na conta do Reino, além do cêntuplo, também violência e perseguições (Mc 10,30). Se a Coragem e a Vontade juntas venceram o Medo, mais ainda isso acontecerá somando a força e a luz da Fé.