por Dom Alberto Taveira Correa
Arcebispo da Arquidiocese de Belém
Por feliz inspiração, o Papa Francisco propôs a celebração anual do “Domingo da Palavra de Deus”, no terceiro Domingo do Tempo Comum, sendo esta edição no contexto do Ano Jubilar. Trata-se de uma iniciativa profundamente pastoral que o Papa Francisco desejou para que as pessoas compreendam como é importante, na vida cotidiana da Igreja e das comunidades, a Palavra de Deus. Uma Palavra que não se reduz a um livro, mas que está sempre viva e se torna um sinal concreto e palpável. O lema escolhido pelo Santo Padre para este Domingo da Palavra de Deus é um versículo do Salmo 118,81: “Espero na tua Palavra”. “É um grito de esperança: o homem, no momento da angústia, da tribulação, do não-sentido, clama a Deus e põe nele toda a sua esperança”, sublinhou recentemente o Pró-Prefeito do Dicastério para a Evangelização, Dom Rino Fisichella.
Sabendo que em nossas Paróquias se inicia o ano pastoral em que todos somos peregrinos da esperança, com uma série de iniciativas, inspiradas no Jubileu, queremos ir, com Simão Pedro e seus companheiros, à experiência vocacional narrada pelo Evangelho de São Lucas (Lc 5,1-11). Estes eram pescadores profissionais, e chega alguém que não tinha as mesmas habilidades, instando para que lançassem as redes para águas mais profundas. É de Pedro a linda profissão de fé, mesmo que seguida dos tremores suscitados pela missão que lhe foi confiada: “Trabalhamos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, na tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5,5). O pescador teve que renunciar aos seus conhecimentos profissionais, para apostar tudo naquele que é o Senhor! O resultado foi uma pesca milagrosa e abundante! A realidade em que nos encontramos, com os desafios próprios do tempo presente, pode levar muitas pessoas e comunidades à sensação de que as ondas contrárias são muito fortes, até impossibilitando a navegação e a pesca, aquela mesma que Simão Pedro recebeu como tarefa, ser pescador de homens!
Tudo começa conosco e em nós, porque começou com Deus! Se apostarmos apenas na realidade provocante, ou nos perigos existentes, ficaremos logo esmorecidos. Só quem aposta na Palavra de Deus, na voz de Jesus que manda ir para águas mais profundas, experimentará a coragem necessária. Tomar as decisões a partir da Palavra de Deus, corajosos como a Virgem Maria, que pessoalmente disse o seu “fiat” (“Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” – Lc 1,38) e aos servos das Bodas de Caná ensinou: “Fazei tudo o que ele vos disser!” (Jo 2,5). Trata-se de perguntar o que Deus quer, agindo de acordo com sua vontade.
Como Deus nos diz sua Palavra? Certamente um olhar mais reflexivo sobre a vida e as decisões a serem tomadas, o exercício do silêncio orante, e o acolhimento das inspirações vindas da ação do Espírito em nós serão preciosas disposições para viver de acordo com a vontade do Senhor. Mas sua Palavra está à nossa disposição na Escritura,
o que pede disposição para ler, rezar e meditar com a Bíblia pessoalmente, de forma contínua. Há muitos métodos para fazê-lo, e privilegiada é a leitura orante da Palavra (Lectio Divina). Conhecemos muitos grupos de fé e vida, grupos de oração e outros modos de organizar o contato com a Palavra de Deus, a serem estimulados para acompanharem este contato direto e privilegiado com a mesma Palavra.
Entretanto, a Palavra de Deus tem seu lugar privilegiado na Sagrada Liturgia. A Santa Missa tem duas mesas, a da Palavra e a da Eucaristia. A Palavra de Deus tem a força de convocação, para reunir o Povo de Deus. E não se realizam celebrações litúrgicas sem a Palavra de Deus proclamada! Vale ainda observar que uma quantidade significativa de Comunidades Eclesiais não têm a possibilidade de Missas todos os Domingos, mas celebram a Palavra de Deus, refletem sobre ela, deixam que ela oriente a oração e desdobre em vida o que proclama.
E por falar em Palavra proclamada, neste final de semana a Liturgia se abre com o texto de Neemias 8,2-4a.5-6.8-10, onde o sacerdote Esdras fez a leitura da Lei. Podemos desejar que nossas liturgias bebam nesta experiência o clima a ser experimentado nas Paróquias e Comunidades: “‘Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus! Não lamenteis nem choreis’ – pois todo o povo chorava ao ouvir as palavras da Lei. E disse-lhes: ‘Ide para vossas casas e comei carnes gordas, tomai bebidas doces e dai porções aqueles que nada prepararam, pois este dia é santo para o nosso Senhor. Não é dia de luto, pois a alegria do Senhor será a vossa força’. E os levitas acalmavam todo o povo, dizendo: ‘Ficai tranquilos; hoje é um dia santo. Não fiqueis aflitos!’ E todo o povo se retirou para comer e beber. Levaram porções também aos outros e expandiram-se em grande alegria, pois haviam entendido as palavras que lhes foram explicadas” (Ne 8,9-12).
O Apóstolo São Paulo (1Cor 12-12-30) descreve o Corpo da Igreja, com seus diversos serviços, ministérios e vocações, sempre surgidos da prática do Evangelho. E São Lucas (Lc 1,1-4; 4,14-21) descreve o início do ministério do Senhor Jesus, conduzido pelo Espírito à Sinagoga de Nazaré. “‘O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano da graça do Senhor’. Depois, fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Os olhos de todos, na sinagoga, estavam fixos nele. Então, começou a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir’” (Lc 4,18-21). Nele, Verbo de Deus feito Carne, está nossa vida e nossa salvação. Só ele tem Palavras de Vida Eterna!
Na justa proporção, também a vida de cada cristão deve ser uma realização e cumprimento da Escritura. Consequência será a atenção a cada momento presente, preenchendo-o de vivência da Palavra. Ouçamos a advertência da Carta aos Hebreus: “Cuidai, irmãos, que não se ache em algum de vós um coração transviado pela incredulidade; que ninguém se afaste do Deus vivo. Antes, animai-vos uns aos outros, dia após dia, enquanto ressoar esse ‘hoje’, para que nenhum de vós fique endurecido pela sedução do pecado, pois tornamo-nos parceiros de Cristo, contanto que mantenhamos firme até o fim a nossa constância inicial” (Hb 3,12-14). Assim, seguros na mão de Deus, as águas do mar da vida não nos impedirão de alcançar a meta!
*Imagem Fundação Nazaré