por Vívian Marler / Assessora de Comunicação do Regional Norte 2 da CNBB
Na manhã deste domingo (15), Papa Leão XIV, durante a Solenidade da Santíssima Trindade e a Celebração do Jubileu do Esporte, na Basíllica de São Pedro, refletiu em sua homilia sobre a relação entre a Santíssima Trindade e o desporto, especialmente no contexto do ‘Jubileu do Desporto’.
Destacou que o desporto, como toda boa atividade humana, reflete a beleza de Deus, que é comunhão e relação viva, que a vida divina é comparada a uma “dança” de amor recíproco (pericoresis), e o desporto pode ajudar a encontrar essa Trindade ao exigir movimento em direção ao outro, superando o egoísmo.
Leão XIV mencionou a expressão “Dá-lhe!” como um incentivo para os atletas se darem aos outros, não apenas em performance física, mas em crescimento pessoal e para o bem dos outros envolvidos. São João Paulo II foi citado sobre o valor do desporto como alegria, jogo e festa, promovendo amizade e diálogo.
O Pontífice destacou Ttrês aspectos importantes do desporto como o ‘Combate à solidão’ onde deve-se promover a colaboração e o caminhar juntos, importantes para a vida em comunidade. A ‘Valorização do concreto’ em uma sociedade digital, o desporto valoriza o estar junto fisicamente, e o ‘Cultivo da busca pelo limite’ onde ensina a não se contentar com o mínimo, mas a buscar o melhor de si, com esforço e sacrifício.
“O desporto é visto como uma ferramenta valiosa para a formação humana e cristã, promovendo valores como colaboração, superação e concretude nas relações”, disse Leão XIV.
Após a Santa Missa, Papa Leão XIV, recitou a oração do Angelus, um momento de reflexão e oração mariana, seguida por uma mensagem e bênçao aos fiéis presentes na Praça São Pedro.
O Papa saudou os desportistas no Jubileu do Desporto, incentivando-os a praticar desporto com gratuidade e espírito lúdico, assemelhando-se ao Criador. Ele destacou que o desporto é um caminho para a paz, promovendo respeito, lealdade, encontro e fraternidade, e exorta a opor-se à violência e opressão.
O Papa expressou preocupação com conflitos em Mianmar e Nigéria, onde houve um massacre de refugiados internos. Ele pediu diálogo inclusivo em Mianmar e segurança, justiça e paz na Nigéria, especialmente para as comunidades cristãs rurais. Também mencionou a situação no Sudão, lamentando a morte de um padre e apelando ao fim dos ataques e ao diálogo pela paz.
O Pontífice pediu orações pela paz no Médio Oriente, Ucrânia e no mundo, e anunciou a beatificação do jovem mártir congolês Floribert Bwana Chui, que se opôs à injustiça. Ele encorajou os jovens da República Democrática do Congo e de África a se inspirarem no seu testemunho.
Por fim, o Papa convidou os jovens para o Jubileu dos Jovens e pediu a intercessão de Maria, Rainha da Paz.
Abaixo você poderá ler a homilia do Santo Padre na integra, na versão em português, seguida de sua mensagem no Angelus.
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[Texto traduzido do original em Italiano]
HOMILIA DO PAPA LEÃO XIV
Basílica de São Pedro – Domingo, 15 de junho de 2025
Na primeira Leitura, ouvimos as seguintes palavras: «Eis o que diz a Sabedoria de Deus: “O Senhor me criou como primícias da sua atividade, antes das suas obras mais antigas. […] Quando Ele consolidava os céus, eu estava presente; […] eu estava a seu lado como arquiteto, cheia de júbilo, dia após dia, deleitando-me continuamente na sua presença. Deleitava-me sobre a face da terra e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens”» (Pr 8, 22.27.30-31). Para Santo Agostinho, a Trindade e a sabedoria estão intimamente ligadas. A sabedoria divina é revelada na Santíssima Trindade e a sabedoria leva-nos sempre à verdade.
Hoje, enquanto celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade, vivemos os dias do Jubileu do Desporto. O binómio Trindade-desporto não é usado com muita frequência, mas a associação não é descabida. Na verdade, toda boa atividade humana traz em si um reflexo da beleza de Deus, e certamente o desporto está entre elas. Afinal, Deus não é estático, nem está fechado em si mesmo. É comunhão, relação viva entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que se abre à humanidade e ao mundo. A teologia denomina essa realidade de pericoresis, ou seja, “dança”: uma dança de amor recíproco.
A vida brota deste dinamismo divino. Fomos criados por um Deus que se compraz e se alegra em dar a existência às suas criaturas e que “brinca”, como nos recordou a primeira leitura (cf. Pr 8, 30-31). Alguns Padres da Igreja chegam mesmo a falar, com ousadia, de um Deus ludens, de um Deus que se diverte (cf. S. Salônio de Genebra, In Parabolas Salomonis expositio mystica; S. Gregório Nazianzeno, Carmina, I, 2, 589). Eis a razão pela qual o desporto pode ajudar-nos a encontrar o Deus Trino: porque exige um movimento do eu para o outro, que é certamente exterior, mas também e sobretudo interior. Sem isso, ele se reduz a uma estéril competição de egoísmos.
Pensemos na expressão “Dá-lhe!”, que é comumente usada pelos espectadores para encorajar os atletas durante as competições. Talvez não seja evidente, mas é um incentivo muito bonito: é o imperativo do verbo “dar”. E isso nos provoca uma reflexão: não se trata apenas de oferecer uma performance física, mesmo que extraordinária, mas de dar-se, de “jogar-se”. Trata-se de dar-se aos outros – para o próprio crescimento, para os torcedores, para os entes queridos, para os treinadores, para os colaboradores, para o público, até mesmo para os adversários – e, em sendo verdadeiramente um desportista, isso vale além do resultado. São João Paulo II – que era, como sabemos, um desportista – assim falou: «O desporto é alegria de viver, jogo, festa, e como tal deve ser valorizado […] mediante a recuperação da sua gratuitidade, da sua capacidade de estreitar vínculos de amizade, de favorecer o diálogo e a abertura de uns aos outros […] bem acima não só das duras leis da produção e do consumo, mas também de qualquer outra consideração puramente utilitarista e hedonista da vida» (Homilia para o Jubileu Internacional dos Desportistas, 4, 12 de abril de 1984).
Nesta perspectiva, gostaríamos de destacar três aspectos em particular que tornam o desporto, hoje, um meio precioso de formação humana e cristã.
Em primeiro lugar, numa sociedade marcada pela solidão, em que o individualismo exagerado deslocou o centro de gravidade do “nós” para o “eu”, fazendo com que o outro fosse ignorado, o desporto – especialmente quando é praticado em conjunto – ensina o valor da colaboração, do caminhar juntos, daquela partilha que, como já dissemos, está no coração mesmo da vida de Deus (cf. Jo 16, 14-15). Desse modo, pode tornar-se um instrumento importante de recomposição e de encontro: entre os povos, nas comunidades, nos ambientes escolares e profissionais, nas famílias!
Em segundo lugar, numa sociedade cada vez mais digital – em que as tecnologias, embora aproximando pessoas distantes, muitas vezes afastam aqueles que estão próximos – o desporto valoriza a concretude do estar juntos, o sentido do corpo, do espaço, do esforço, do tempo real. Assim, contra a tentação de fugir para mundos virtuais, o desporto ajuda a manter um contato saudável com a natureza e com a vida concreta, único lugar onde é possível exercer o amor (cf. 1 Jo 3, 18).
Em terceiro lugar, numa sociedade competitiva, onde parece que apenas os fortes e os vencedores merecem viver, o desporto também ensina a perder, colocando o homem frente a frente, na arte da derrota, com uma das verdades mais profundas da sua condição: a fragilidade, o limite, a imperfeição. Isto é importante, porque é a partir da experiência dessa fragilidade que nos abrimos à esperança. O atleta que nunca erra, que nunca perde, não existe. Os campeões não são máquinas infalíveis, mas homens e mulheres que, mesmo derrotados, encontram a coragem para se reerguer. A esse respeito, recordemos, mais uma vez, as palavras de São João Paulo II, que dizia que Jesus é “o verdadeiro atleta de Deus” porque venceu o mundo não com a força, mas com a fidelidade do amor (cf. Homilia na Missa pelo Jubileu dos Desportistas, 4, 29 de outubro de 2000).
Não é por acaso que o desporto teve um papel significativo na vida de muitos santos do nosso tempo, tanto como prática pessoal quanto como meio de evangelização. Pensemos no Beato Pier Giorgio Frassati, padroeiro dos desportistas, que será proclamado santo no próximo dia 7 de setembro. A sua vida, simples e luminosa, recorda-nos que assim como ninguém nasce campeão, ninguém nasce santo. É o treinamento diário do amor que nos aproxima da vitória definitiva (cf. Rm 5, 3-5) e nos torna capazes de trabalhar pela construção de um mundo novo. Afirmou-o também São Paulo VI, que vinte anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, recordava aos membros de uma associação desportiva católica o quanto o desporto tinha contribuído para trazer de volta a paz e a esperança a uma sociedade devastada pelas consequências da guerra (cf. Discurso aos membros do Centro Desportivo Italiano, 20 de março de 1965). Dizia ele: «Os vossos esforços visam a formação de uma nova sociedade: […] conscientes de que o desporto, nos sãos elementos formativos que valoriza, pode ser um instrumento muito útil para a elevação espiritual da pessoa humana, condição primeira e indispensável para uma sociedade ordenada, serena e construtiva» (Ibid.).
Caros desportistas, a Igreja confia-vos uma missão maravilhosa: ser reflexo do amor de Deus Trino nas vossas atividades, pelo vosso próprio bem e pelo bem dos vossos irmãos. Deixai-vos envolver com entusiasmo por esta missão: como atletas, como formadores, como sociedade, como grupos, como famílias. O Papa Francisco adorava sublinhar que, no Evangelho, Maria aparece ativa, em movimento, até mesmo “a correr” (cf. Lc 1, 39), pronta a partir para socorrer os seus filhos – como sabem fazer as mães – ao menor sinal de Deus (cf. Discurso aos Voluntarios da JMJ, 6 de agosto de 2023). Peçamos a Ela que acompanhe as nossas iniciativas e os nossos esforços, orientando-os sempre para o melhor, até à vitória definitiva: a da eternidade, o “campo infinito” onde o jogo não terá fim e a alegria será plena (cf. 1 Cor 9, 24-25; 2 Tm 4, 7-8).
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ANGELUS
Praça de São Pedro – Domingo, 15 de junho de 2025
Concluímos há pouco a celebração eucaristica pelo Jubileu do Desporto, e agora dirijo com alegria a minha saudação a vós, desportistas de todas as idades e proveniências! Exorto-vos a viver a atividade desportiva, mesmo a nível competitivo, sempre com espírito de gratuidade, com espírito «lúdico», no sentido nobre do termo, porque no jogo e na diversão saudável o ser humano assemelha-se ao seu Criador.
Gostaria ainda de sublinhar que o desporto é um caminho para construir a paz, porque é uma escola de respeito e lealdade, que faz crescer a cultura do encontro e da fraternidade. Irmãs e irmãos, encorajo-vos a praticar este estilo de vida de forma consciente, opondo-vos a todas as formas de violência e opressão.
O mundo de hoje precisa muito disso! Infelizmente, existem muitos conflitos armados. Em Mianmar, apesar do cessar-fogo, os combates continuam causando danos também às infraestruturas civis. Faço um apelo a todas as partes para que empreendam o caminho do diálogo inclusivo, o único que pode conduzir a uma solução pacífica e estável.
Na noite entre os dias 13 e 14 de junho, na cidade de Yelwata, na área administrativa local de Gouma, no Estado de Benue, na Nigéria, ocorreu um terrível massacre, no qual cerca de duzentas pessoas foram mortas com extrema crueldade, a maioria das quais eram refugiados internos, acolhidos pela missão católica local. Rezo para que a segurança, a justiça e a paz prevaleçam na Nigéria, país amado e tão atingido por várias formas de violência. E rezo de modo especial pelas comunidades cristãs rurais do Estado de Benue, que incessantemente têm sido vítimas da violência.
Penso também na República do Sudão, devastada há mais de dois anos pela violência. Chegou-me a triste notícia da morte do Padre Luke Jumu, pároco de El Fasher, vítima de um bombardeamento. Ao assegurar as minhas orações por ele e por todas as vítimas, renovo o apelo aos combatentes a fim de que cessem os ataques, protejam os civis e iniciem um diálogo pela paz. Exorto a comunidade internacional a intensificar os esforços para fornecer, pelo menos, a assistência essencial à população, duramente atingida pela grave crise humanitária.
Continuemos a rezar pela paz no Médio Oriente, na Ucrânia e no mundo inteiro.
Esta tarde, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, o jovem mártir congolês Floribert Bwana Chui será proclamado Beato. Ele foi morto aos 26 anos porque, como cristão, se opôs à injustiça e defendia os pequenos e os pobres. Que o seu testemunho dê coragem e esperança aos jovens da República Democrática do Congo e de toda a África!
Bom domingo a todos! E a vós, jovens, digo: espero-vos daqui a um mês e meio no Jubileu dos Jovens! Que a Virgem Maria, Rainha da Paz, interceda por nós.
Angelus Domini…”