por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo da Arquidiocese de Belém
No próximo dia vinte e seis de maio, Deus me dá a graça de completar setenta e cinco anos de idade! Destes anos, quase cinquenta e dois anos de ordenação sacerdotal. E no próximo dia seis de julho, trinta e quatro de ordenação episcopal, dos quais quinze anos à frente da Arquidiocese de Belém. De acordo com a legislação da Igreja, tenho a alegria de entregar a Arquidiocese nas mãos do Papa Leão XIV, tendo recebido, desde o dia dezenove de maio, Dom Júlio Akamine, Arcebispo Coadjutor e meu sucessor nesta Sede Arquiepiscopal, cuja apresentação oficial acontecerá no dia trinta e um de maio, Festa da Visitação de Nossa Senhora. Tenho a certeza de que a Providência de Deus tudo encaminhou para o bem do Povo Santo em nossa Igreja de Belém. Assim que apresentar a minha renúncia, teremos ainda alguns meses trabalhando juntos, Dom Júlio, Dom Paulo Andreolli e eu, para depois continuar a conviver aqui na Arquidiocese de Belém, contribuindo especialmente com minhas orações para esta grande e madura Igreja Particular.
A Liturgia do sexto Domingo da Páscoa abre os nossos olhos e corações para uma visão preciosa, que indica a vocação da Igreja e de nossa Igreja de Belém: “Um anjo mostrou-me a cidade santa, Jerusalém, descendo do céu, de junto de Deus, brilhando com a glória de Deus. Estava cercada por uma muralha grande e alta, com doze portas. Sobre as portas estavam doze anjos, e nas portas os nomes das doze tribos de Israel. A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro. Não vi nenhum santuário na cidade, pois o seu Santuário é o próprio Senhor, o Deus Todopoderoso, e o Cordeiro. A cidade não precisa de sol nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro. As nações caminharão à sua luz e os reis da terra levarão a ela
a sua glória. Suas portas não precisam de ser fechadas cada dia, pois já não haverá noite. Nunca mais entrará nela o que é impuro, nem alguém que pratique a abominação e a mentira. Entrarão nela somente os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (cf. Ap 21,10-27).
O Evangelho proporciona horizontes abertos no futuro próximo e ao mesmo tempo distante, para manter viva a esperança da plenitude que vem de Deus. Ao aspirar pela Jerusalém celeste, cidade cuja lâmpada é Jesus Cristo, Cordeiro imolado e ressuscitado, sonhamos, sim, com um lugar em que “eles serão o seu povo, e o próprio Deus-com-eles será seu Deus. Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores passaram. Aquele que está sentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,3-5). É nosso direito e nosso dever desejar o Paraíso e viver na esperança do dia sem ocaso, em que Deus será tudo em todos.
Os santos foram sonhadores incorrigíveis, com a mente voltada para o Céu e ao mesmo tempo, homens e mulheres com a humanidade em seu coração e os pés bem fincados na terra, pelo que nasceram de sua presença na Igreja e no mundo obras de caridade e serviço de grande vulto, capazes de atravessar os séculos. Um deles foi São Filipe Neri, cuja memória se celebra no dia vinte e seis de maio, meu aniversário, que tem sido meu protetor pessoal. A expressão “prefiro o Paraíso”, cunhada por ele e marca do sucesso de um filme que relata sua maravilhosa aventura, mostra o quanto seu olhar mirava longe e para o alto, sem perder o sadio realismo que lhe possibilitou agir muito e em pouco tempo pelo serviço do próximo.
Este sadio realismo se manifestou na clareza que transparecia em sua vida quanto às próprias fraquezas e limites. Não se considerava um anjo, mas sabia ser homem e carente do amor misericordioso de Deus, que o levava a dizer: “Senhor, segura Filipe senão Filipe estraga tudo”. A ele se atribui uma belíssima oração, reveladora de tal estado de alma: “Meu Jesus Cristo, quero vos servir e não encontro o caminho. Quero fazer o bem e não encontro o caminho. Quero a vos encontrar e não encontro o caminho. Quero vos amar e não encontro o caminho. Ainda não vos conheço, meu Jesus, porque não vos procuro. Procuro-vos e não vos encontro. Vinde até mim, meu Jesus. Nunca vos amarei, se não me ajudardes, meu Jesus. Cortai as minhas amarras, se quiserdes que eu seja vosso. Jesus, sede para mim Jesus. Amém!”
Resultado da mística de vida que assumiu, primeiro como leigo católico, depois como sacerdote e fundador dos Oratórios, exerceu em Roma seu apostolado, mesmo que o apelo da missão em lugares mais distantes ocupasse sua mente durante muito tempo. Sua preferência pelo Paraíso o levou a preferir os pobres, as crianças e os jovens, os doentes e abandonados. Dois polos que hão de sustentar toda a vida cristã, independente da vocação a que formos todos chamados. O Céu não se afasta da terra, mas a atrai fortemente! A Jerusalém do alto é proclamada para transformar as cidades da terra em campos de missão, a fim que a vida desejada para a eternidade comece a se implantar aqui, pelo exercício da caridade e pela ação da Igreja e de todas as pessoas que se apaixonam pelos valores do Reino de Deus.
O apostolado realizado pela Igreja e pela nossa Igreja de Belém, com a riqueza de sua história centenária, e este é o apelo também para o nosso tempo, tem sempre a sua raiz numa intensa vida de oração. São Filipe Neri, tendo experimentado o dom do Espírito Santo em visita a uma das catacumbas romanas, cultivou o espírito de oração, a celebração piedosa da Santa Missa, o exercício do Sacramento da Penitência, com horas e horas de confessionário, intensificou os tempos de Adoração ao Santíssimo Sacramento, e pregava com zelo a Palavra de Deus! Importante observar que a Igreja, passados tantos séculos, com os imensos desafios suscitados no correr da história, nunca deixou de insistir nessas práticas que geraram tantos santos, o que pode ser identificado em nossas Paróquias e Comunidades.
O fruto foi que homens e mulheres de todas as idades, assim como autoridades da Igreja se sentiam atraídos pela força de sua presença, marcada pelo dom da alegria e o acolhimento a todos: “Longe de mim o pecado e a tristeza”, proclamava o santo da alegria, para valorizar a todos os que dele se aproximavam. Com o fundamento em intensa vida de oração, prodigalizou-se no exercício da caridade, com o dom de atrair todos a si com a sua afabilidade, cortesia e modéstia. Passava noites em hospitais cuidando de doentes. Era amigo de todos e, uma vez conquistada a sua confiança, os preparava para os sacramentos e os encaminhava para o bem.
Quando lhe veio a incompreensão, a perseguição e a calúnia, o santo não perdeu a paz. Seu coração se mantinha em paz, daquela qualidade proclamada pelo Senhor: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe o vosso coração” (Jo 14,27). Manteve-se sereno, disposto a acolher uma suspensão do exercício do sacerdócio, que depois foi retirada. Quem o caluniou
e foi a fonte da pena recebida por Filipe Neri depois se converteu, fez reparação pública e seguiu seus ensinamentos, experimentou o perdão da Igreja e a magnanimidade do santo. Em sua vida, e desejamos que aconteça também conosco, realiza-se a palavra de Jesus proclamada no Sexto Domingo da Páscoa: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14,23).
Nestes quinze anos de serviço à Arquidiocese e ao Povo de Deus em Belém, tenho sido mais do que tudo um espectador, contemplando as maravilhas de Deus, realizadas por uma verdadeira legião de homens e mulheres de boa vontade, nos serviços da Evangelização, da Liturgia e da Caridade, pelo que meu coração se enche de sincera gratidão por terem acolhido o plano de Deus, ajudando a construir uma
Igreja de Portas Abertas, sem radicalizações ideológicas, sem progressismo ou conservadorismo estéreis. Além de outros aspectos positivos existentes na Igreja de Belém, devo reconhecer e valorizar as abundantes vocações sacerdotais, vocações Religiosas, Vocações para as Novas Comunidades e Vocações Missionárias, que me fazem repetir insistentemente que as vocações existem, faltando muitas vezes trato
e carinho de nossa parte. Desejei marcar a grande celebração das Ordenações Diaconais e Presbiterais, realizada há poucos dias, justamente para dar de presente ao Senhor Jesus Cristo a resposta de nossa Igreja ao seu chamado.
Certamente, cabe-me ainda a responsabilidade de pedir perdão pelas minhas faltas e pecados, e se alguma vez não transmiti às pessoas a verdadeira imagem do Bom Pastor, Jesus, a cujo serviço me consagrei. Peço que continuemos irmãos e amigos, rezando uns pelos outros e apoiando-nos na caminhada da vida cristã. Cada santo e cada cristão, cuja vocação é ser santo, seja como que uma morada viva da Trindade, como verdadeira procissão, para levar a vida nova ao mundo. São Filipe Neri, santo da alegria, rogai por nós!