por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo da Arquidiocese de Belém
“Como o forno prova os vasos do oleiro, assim é a prova da tribulação para os justos. O fruto revela como foi cultivada a árvore: assim, a palavra que provém do pensamento do coração” (Eclo 27,6-7). A Liturgia da Igreja do Oitavo Domingo do Tempo Comum nos conduz ao Coração! Coração de Cristo, aberto pela lança na Cruz, fonte inesgotável que se oferece continuamente no Sacrifício do Altar, atraindo todos a ele! Coração de cada homem e de cada mulher, chamados a tirar do seu tesouro o bem que foi plantado pela graça, para produzir frutos (cf. Lc 6,39-45). Coração ardoroso do Apóstolo São Paulo, na convicção proclamada com toda força de que a vitória sobre a morte e o pecado nos foi garantida pelo Senhor nosso, Jesus Cristo (cf. 1 Cor 15,54-58). Paulo está convicto de que Deus “quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e a humanidade: o homem Cristo Jesus, que se entregou como resgate por todos”. (cf. 1 Tm 2,4-7). Deus não fez ninguém para a perdição, ou para ficar “amassando barro” na miséria e na tristeza.
Podemos fazer uma verdadeira viagem ao coração de cada pessoa, e descobrir lá dentro a semente do bem e o anseio pela verdade. De fato, mesmo quando pecamos, acontece algo misterioso e desafiador, pois pelo menos naquele momento, por defeito na formação da personalidade, por vícios adquiridos ou por hábito de maldade e pecado, naquele momento, o erro nos pareceu o melhor, o que não justifica o erro, mas ajuda a entender e buscar caminhos para a eventual correção de rota. A experiência com os viciados em drogas que buscam a recuperação na Fazenda da Esperança tem nos ajudado a redescobrir este substrato de bondade plantado por Deus em todas as pessoas, jovens e adultos que, às vezes de inconsciente, clamam por ajuda e pela necessária luz, a fim de encontrar o caminho da verdade e da santidade. Nesta “viagem”, desejamos propor uma operação de limpeza dos resquícios de maus sentimentos, invejas, ódio, ciúme, práticas caluniosas e espírito de destruição, coisas que só estragam o tesouro precioso de nosso bom coração.
Com esta certeza, coloquemo-nos todos no mesmo barco da vida para os necessários apelos a uma vida santa. Pode ser um belo passo a recomendação de tirar do tesouro do bom coração coisas novas e velhas (cf. Mt 13,52; Lc 6,52). Se existe, podemos dizer, uma reserva de maldade dentro do coração que é mau, maior é a reserva de bondade no bom tesouro do coração. O exercício pode ser a reação positiva e construtiva diante da vida e das atitudes dos outros, a capacidade de elogiar e estimular as pessoas que estão amadurecendo na fé, as iniciativas do bem em nossos ambientes de convivência e em nossas famílias, a disposição para dar o primeiro passo de criatividade ou de perdão, a disposição para associar-nos a pessoas que estão levando adiante projetos de bem comum e uma série de ações que o Espírito Santo certamente inspirará a cada um de nós.
Aproveitemos para fazer uma pergunta positivamente provocante: o que cada um de nós tem de melhor? Ocorre-me propor um exame de consciência do lado positivo e construtivo. Agradeçamos a Deus e comprometamo-nos a colocar à disposição dos outros aquilo que temos. É bom que tal exame de consciência comece com a pergunta sobre o que Deus pensa de nós. Certamente teremos boas surpresas, pois ele nos fez por amor e para amá-lo e amar o próximo, e tem uma visão melhor a respeito de nossa história. Deus nos conhece mais do que nós mesmos! Ao fazer este exame, um bom passo será reconhecer o bem que praticamos e encontramos. Uma vida sem louvor e ação de graças não é propriamente cristã, ainda que a muitos possa parecer até realista.
Se o homem bom “tira coisas boas de seu bom coração”, desejamos indicar outro passo correspondente às graças que Deus nos dá, que é a partilha das experiências na vivência do Evangelho. Voltando à experiência da Fazenda da Esperança, a que nos referimos, nosso método de recuperação é baseado na convivência sadia, nas atividades laborativas em voluntariado e na espiritualidade. Nunca fazemos palestras ou instruções sobre drogadição, pois nosso público está repleto de informações e de práticas, das quais quer libertar-se! Duas formas de partilha ajudam a crescer na vivência evangélica, a saber, a comunhão de alma, quando cada pessoa partilha sua caminhada e a situação em que se encontra, e vêm à tona tesouros impressionantes, e depois a comunhão de experiências da Palavra de Deus vivida. Uma palavra, Comunhão, que expressa a chave do processo de recuperação!
Se a experiência da Fazenda da Esperança gera frutos impressionantes de conversão e de vida nova, será excelente levar algo semelhante às nossas famílias, comunidades e Paróquias. Muitas de nossas reuniões e encontros têm estilo de “lavar roupa suja”, havendo uma inexplicável dificuldade em falar com clareza do bem que procuramos e colocamos em prática, para edificação recíproca. Recordemo-nos mais uma vez do Apóstolo São Paulo: “Confortai-vos e edificai-vos uns aos outros, como aliás já fazeis. Pedimos-vos, irmãos, que tenhais toda a consideração para com aqueles que se afadigam entre vós e, no Senhor, vos presidem e admoestam. Cercai-os de estima e de extremado amor, em razão do seu trabalho. Conservai a paz entre vós. Pedimos-vos, irmãos: chamai a atenção dos que levam vida desordenada, animai os tímidos, sustentai os fracos, sede pacientes para com todos. Tomai cuidado para que ninguém retribua o mal com o mal, mas procurai sempre o bem entre vós e para com todos. Estai sempre alegres. Orai continuamente. Dai graças, em toda e qualquer situação, porque esta é a vontade de Deus, no Cristo Jesus, a vosso respeito” (cf. 1Ts. 5,12-17). E edificaremos o bem, a partir do bom coração!