por Dom Pedro José Conti
Administrador Apostólico da Diocese de Macapá

A corrida dos cachorros das mais diversas raças tinha acabado naquele momento. Todos estavam cansados, ofegantes e com a língua pendurada fora da boca. Quase não conseguiam falar. Mais uma vez tinham feito o possível para pegar aquela lebre que corria na frente deles. – A próxima vez teremos que nos esforçar mais – disse Branca, a única fêmea que tinha participado da corrida. – Quase eu alcancei aquela maldita lebre – reclamou Silver, um cachorro de pelo prateado. – Um dia conseguiremos, somos os mais velozes do mundo – gritou Mel, um labrador cheio de boa vontade. Nenhum deles sabia que corriam atrás de uma lebre de mentira. O falso animal era movido por um motor elétrico e controlado a distância para ficar sempre na frente dos cachorros.

O evangelho de Lucas deste Quinto Domingo do Tempo Comum nos fala de uma pesca extraordinária no lago de Genesaré e do chamado dos primeiros apóstolos para serem “pescadores de homens”. Tudo começa com o ensinamento de Jesus às multidões. O Mestre está sentado na barca de Simão e daquele lugar fala ao povo que fica à margem do lago. Ao concluir o seu ensinamento, Jesus pede a Simão de sair com o barco para pescar. O experto pescador revela que já trabalharam a noite inteira e não conseguiram nada. – Mas, em atenção à tua palavra vou lançar as redes – diz Simão (Lc 5,5). O peixe foi tão abundante que quase as redes se rompiam. A reação de Simão Pedro e dos demais companheiros foi de espanto e de medo. Jesus os encoraja e os chama ao seu seguimento. Eles deixaram tudo para participar de uma “pescaria” muito diferente: juntarão pessoas dispostas a confiar naquele homem que Simão já chamou de “Senhor” (Lc 5,8).

Podemos pensar que nada podia conquistar mais facilmente o coração daqueles pescadores do que uma pesca milagrosa. No entanto eles não ficaram por lá aproveitando da fartura. “Deixaram tudo” diz o evangelho. Algo novo devia ter chamado a atenção deles. Acredito que foi o ensinamento de Jesus. De fato, Simão Pedro declara de confiar naquela palavra que se tornou quase uma ordem: “Avança para águas mais profundas” (Lc 5,4). Este é um convite que Jesus sempre faz a todos nós. Não é algo reservado a alguns. Todos somos chamados a confiar mais sobre a sua palavra. Como Simão Pedro temos sempre muitas desculpas para não responder porque estamos conscientes das nossas limitações e fraquezas. No entanto, é justamente desta situação de acomodação e preguiça que o Senhor que nos tirar. Podemos dizer também que estamos cansados como Simão e os demais que tinham trabalhado a noite inteira. No fundo, a questão é simples: confiamos demais nas nossas forças e capacidades e menos na sua palavra. Jesus quer e precisa sim da nossa participação – ele usa o barco e as redes de Simão – mas, antes de qualquer organização e iniciativa, a primeira das nossas ações é a prática da sua palavra. De outra forma corremos o risco de dar demasiado valor ao resultado das nossas capacidades e esquecer o sentido daquilo que nos parece sucesso extraordinário. Vez por outra ouvimos falar de “milagre econômico”, todo dia aprendemos notícias de novas conquistas tecnológicas e escutamos que alguns conseguem multiplicar “milagrosamente” as suas já enormes fortunas. Dar ouvido à Palavra do Senhor para nós cristãos não significa desistir de usar a nossa inteligência e a nossa criatividade. Contudo, devemos sempre nos perguntar se o que alcançamos é para o bem de todos ou somente de alguns, se a humanidade fica melhor, mais fraterna e solidária, ou se aumentamos as diferenças, as divisões e as disputas com as relativas brigas e invejas que vão juntas. A “ordem” de Jesus de avançar para águas mais profundas não é um convite para correr atrás de qualquer sonho ou ilusão por impossível que nos pareça, em busca de um sucesso talvez grande, mas passageiro. Ao contrário é acreditar que ele será o primeiro a nos ajudar quando os nossos projetos serão mais de justiça, de paz e de partilha. O Reino de Deus que Jesus veio inaugurar não é como a lebre de mentira que serve para fazer correr os cachorros enlouquecidos. É o motivo da nossa fé e da nossa própria vida.