PARA FRENTE E PARA O ALTO

por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém

 

 

O Plano Arquidiocesano de Pastoral de nossa Igreja de Belém abriu vários horizontes para nossa ação evangelizadora, e um deles é a nossa realidade amazônica (Cf. Apresentação do Plano Arquidiocesano de Pastoral).

Num encontro da Igreja na Amazônia, apareceu com clareza o propósito de assumir o dinamismo do discipulado missionário, como “Igreja em saída”, como insiste tantas vezes o Papa Francisco. É nosso desejo deixar em evidência o modo de entender a fé como um processo e a evangelização como uma grande missão, na certeza de que há muito por fazer se quisermos ser fiéis ao Senhor que nos enviou para evangelizar a todos. Entendemos a missionariedade como fundamento do ser da Igreja. No Sínodo para a Amazônia, a Igreja em saída missionária apresentou-se como samaritana, misericordiosa e solidária, que serve e acompanha os povos amazônicos e se constitui uma Igreja com rosto desses mesmos povos. Trata-se, portanto, da vida das nossas Igrejas, que vai se moldando em caminhos de inculturação da espiritualidade, da liturgia, do ministério e da vida comunitária (Cf. Querida Amazônia, 66-103).

Desejamos caminhar, olhando para o alto – “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus; cuidai  das coisas do alto, não do que é da terra. Pois morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,1-3) – e para frente – “Não que eu já tenha recebido tudo isso, ou já me tenha tornado perfeito. Mas continuo correndo para alcançá-lo, visto que eu mesmo fui alcançado por Cristo Jesus.

Irmãos, eu não julgo já tê-lo alcançado. Uma coisa, porém, faço: esquecendo o que fica para trás, lanço-me para o que está à frente. Lanço-me em direção à meta, para conquistar o prêmio que, do alto, Deus me chama a receber, no Cristo Jesus (Fl 3,12-14). Não temos o direito de esmorecer no negativismo e no pessimismo tentador. Afinal de contas, somos discípulos de Jesus, aquele que sempre se apresenta com força e ao mesmo tempo com ternura, em todos épocas e circunstâncias, provocando as mesmas reações acontecidas nas Sinagoga de Cafarnaum (Cf. Mc 1,21-28): “Todos ficaram admirados e perguntavam uns aos outros: ‘Que é isto? Um ensinamento novo, e com autoridade: ele dá ordens até aos espíritos impuros, e eles lhe obedecem!’ E sua fama se espalhou rapidamente por toda a região da Galileia”. Se lhe formos fiéis, sempre será novo o seu ensinamento e a força para banir a presença do poder do mal vai manifestar-se continuamente.

Queremos ser Igreja servidora, profética e defensora da vida. A Igreja, discípula do Espírito de Deus, se torna parecida com Jesus Cristo em sua vida, palavra e ação. Assume a misericórdia e a compaixão do Cristo, em relação a todo ser vivo e à vida ameaçada. A Igreja se faz carne e arma sua tenda na Amazônia. A luta pelo direito dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos (Cf. Querida Amazônia, 7), torna-se um imperativo para a Igreja que não pode estar menos comprometida, chamada a escutar os clamores do povo e exercer com transparência seu papel profético (Cf. Querida Amazônia, 19).

A fecundidade e o engajamento profético da Igreja na Amazônia fazem dela uma Igreja obediente até a morte, e morte de cruz. A referência aos santos, beatos e mártires é, ao mesmo tempo, um louvor orante e uma denúncia aos níveis de violência a que chegam os enfrentamentos nos territórios amazônicos. Quanto mais irmãos e irmãs tombam por causa do

Reino, mais a Igreja tem a consciência de estar sendo fiel à missão recebida e vivenciando com radicalidade seu processo de encarnação na realidade e evangelização libertadora, com o compromisso de todos, sem desvalorizar desde os maiores até os pequenos e heroicos sacrifícios de tantas pessoas que se dedicam à Igreja e ao próximo, muitas vezes escondidas e anônimas, mas somente aos olhos humanos, porque bem conhecidas por Deus.

Há poucos dias realizamos um grande encontro sobre a Campanha da Fraternidade de 2024, com o Tema “Fraternidade e amizade social” e o lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8). Este tema nos abre para iniciativas em vista da superação de preconceitos e barreiras entre as pessoas, buscando criar laços baseados nas Sementes do Verbo de Deus, as sementes do bem, que o Espírito Santo planta nos corações de todas as pessoas. Provoca-nos também a testemunhar o diálogo com todos os segmentos da sociedade, começando pelas pessoas que têm uma fé religiosa, mesmo que a professem de modo diferente de nós. Aqui, o desafio está de modo especial nas mãos dos leigos e leigas, presentes nos diversos campos da atividade social, chamados a tomar iniciativas corajosas, sempre em comunhão e nunca num propósito de confronto. Identidade e diálogo não são conceitos que se opõem ou se excluem, antes, se exigem.

Há um desafio novo e antigo, aquele do cuidado com a criação, que vai tocar de perto nossa consciência e nossas ações, pois a cidade de Belém vai sediar, em novembro de 2025, a Trigésima Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a mudança do clima (COP-30).

Para nossa Igreja, é um privilégio viver a missão nessa região repleta de belezas, onde a aliança do Criador com o universo aparece tão fortemente, seja na tradição bíblica, seja nas culturas indígenas. Ao mesmo tempo, nos desafia a devastação e a exploração desenfreada que desumaniza e destrói o equilíbrio da própria natureza. O Sínodo para a Amazônia, cujo primeiro apelo ao Papa nasceu num encontro da Amazônia Legal realizado em Belém, apresentou esta compreensão na exigência de uma conversão ecológica. Grande é nossa responsabilidade e a exigência de participação e envolvimento, cujos passos já estão sendo dados, em comunhão com a CNBB. Consequência prática será o empenho de comunhão com o Regional Norte II e toda a Amazônia. Em nosso caso, o desafio da Pastoral Urbana pode ser a grande contribuição, ao lado dos grandes temas ambientais que serão tratados.

No início do novo ano pastoral, quando as Regiões Episcopais, Paróquias, Comunidades, Pastorais, Movimentos Eclesiais, Vida Religiosa, Comunidades de Vida e Aliança, todos começam a colocar mãos à obra na tarefa evangelizadora, é hora de coragem apostólica, criatividade e disponibilidade, a fim de encontrarmos o caminho adequado para levar a todos a Boa Nova, olhando para frente e para o alto, conduzidos pela força do Espírito Santo, Alma da Igreja.

 

foto: Vatican News

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Entretanto, sabemos que a liturgia e a devoção popular, como o Círio de Nazaré, se realizam através de gestos e atos bem humanos, passando pelos sentidos: audição, visão, olfato, paladar e tato. Durante os dias do Círio, estes sentidos, com os quais nos comunicamos uns com os outros e com o mundo, suscitaram em mim reflexões sobre a profundidade do amor de Deus, que vem ao nosso encontro, na beleza do mistério da Encarnação do Verbo, cujos desdobramentos nos alcançam através de elementos da natureza e, ao mesmo tempo, nos superam infinitamente.

Sabemos que a fé vem pelo ouvido. “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Ora, como invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele que não ouviram? E como o ouvirão, se ninguém o proclamar? E como o proclamarão, se não houver enviados? Assim é que está escrito: ‘Felizes os pés dos que anunciam boas novas!’ Mas nem todos obedeceram à Boa Nova, pois Isaías diz: ‘Senhor, quem acreditou em nossa pregação?’ Logo, a fé vem pela pregação e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10,13-17). A pregação da Palavra de Deus é abundante na preparação e realização do Círio, desde os livros de peregrinação, passando pelos retiros da Diretoria, refletindo na escolha do tema de cada ano. E durante a quadra nazarena, duas semanas de intensa pregação da Palavra, quando a Arquidiocese convida Bispos de nossa região e de outras partes do Brasil. Por sua vez, a pregação da Palavra suscita a resposta da fé, o louvor, a ação de graças, o pedido de perdão e a súplica. Na única das grandes procissões que pudemos fazer neste ano, por causa dos limites estabelecidos pelas autoridades, pude arriscar-me a perguntar a quem estava comigo no veículo que levava a berlinda, quantas vezes daquele dia as pessoas fizeram o sinal da Cruz, rezaram o Pai Nosso e a Ave Maria. Foram milhões de vezes e milhões de vozes que subiam ao Céu!
Tivemos a graça de ver as multidões, contemplar a beleza da Berlinda principal, a criatividade nas muitas berlindas, oratórios e enfeites das residências e casas de comércio. Passamos por lugares diferentes daqueles usuais do translado para Ananindeua e Marituba, casas novas ou velhas, ruas bem cuidadas ou não, mas todas as vias engalanadas pela visita da Imagem Peregrina. Mais ainda na beleza inigualável estavam as pessoas. Belas eram as mãos postas, formosos os pés e joelhos que anunciavam a paz ao prestar sua devoção a Maria. Brilhos maravilhosos de suor enfeitavam as faces de homens e mulheres. A criançada era semelhante a uma revoada de pássaros, tamanha a alegria retratada. Ao contemplar a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, vendo-a passar perto, acontecia um misto de sorrisos, lágrimas e aclamações, como um eco que parecia infinito: Viva Nossa Senhora de Nazaré!
O olfato não nos conduziu, desta vez, ao cheiro de suor e cansaço de um Círio tradicional. Entretanto, faz parte do Círio o paladar paraense, a grande força da família que se reúne para o almoço do domingo, e este chama também pessoas de outras profissões religiosas. E pela também mesa e pelos temperos o Círio gera fraternidade. E os restaurantes e lanchonetes fizeram a festa, especialmente na acolhida de turistas.
Entretanto, pensei em referir-me mais a outro paladar.

A Igreja reza e canta assim: “Do Céu lhes destes o Pão, que contém todo sabor! Senhor Jesus Cristo, que neste admirável Sacramento nos deixastes o memorial de vossa Paixão, concedei-nos tal veneração pelos Sagrados Mistérios do vosso Corpo e do vosso Sangue, que experimentemos sempre em nós a sua eficácia redentora”. Jesus é quem nos dá de verdade o Pão do Céu, e ele contém todo sabor. Todos os frutos na vida cristã podem florescer a partir de nossa participação e comunhão do Pão da Vida. Receber o Corpo e Sangue de Cristo é transformar-nos naquele que recebemos, para que sejamos comunhão de vida e amor para os irmãos. Quem comunga na mesa sagrada há de tornar-se comunhão, no serviço e na caridade com o próximo fazendo de sua vida um contínuo e criativo lava-pés. Aliás o Círio de Nazaré, não só no lava-pés da Casa de Plácido, para o qual tantas pessoas se candidatam e experimentam de verdade os apelos do serviço humilde e silencioso, mas em tantos outros gestos e serviços, como as Paróquias outras instituições que se organizam para atender os peregrinos que chegam a Belém.

Que dizer da alegria no rosto dos membros da Diretoria da Festa, ou os Guardas de Nazaré e outras guardas que ajudam? E como calcular milhares de voluntários, homens e mulheres, militares, funcionários públicos, autoridades? E o Círio acontece na desembocadura de um verdadeiro rio de iniciativas, visitas da Imagem Peregrina e outros acontecimentos suscitados pelo Espírito Santo nas pessoas e instituições!
Podemos concluir nossa percepção do conjunto retomando o tema escolhido para o Círio de 2021, antes mesmo de saber que o Papa proclamaria o ano de São José e um ano para valorizar e aprofundar a “Amoris Laetitia”, Deus nos deu a graça de estar em sintonia com a Igreja: “O Evangelho da Família na Casa de Maria”.

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