por Dom Pedro José Conti
Administrador Apostólico da Diocese de Macapá
Um marido tinha abandonado a mulher deixando-a sem recursos para sobreviver. O juiz perguntou a senhora quais meios tinha para a sua subsistência. – Para dizer a verdade tenho três meios – respondeu a mulher. – Quais? – perguntou o juiz surpreendido pela resposta. – As minhas mãos, a boa saúde e Deus – disse corajosamente a senhora.
No Terceiro Domingo do Tempo Comum iniciamos a leitura do evangelho de Lucas. Encontramos a abertura deste evangelho e as primeiras palavras de Jesus na sinagoga de Nazaré, a cidade onde se tinha criado (Lc 4,16). O evangelista Lucas reconhece que muitas pessoas já procuraram escrever sobre os acontecimentos que envolveram Jesus assim como foram transmitidos pelas testemunhas oculares e pelos “ministros da palavra”, ou seja por aqueles que depois foram autorizados a contar os fatos. O evangelista diz, indiretamente também a nós, que podemos confiar na solidez dos seus ensinamentos (Lc 1,4). Do início do evangelho de Lucas, passamos pois diretamente ao quarto capítulo. Assim somos convidados a escutar as primeiras palavras de Jesus com as quais ele apresenta a finalidade para qual foi enviado. Depois de ter feito a leitura, Jesus aplica a si mesmo a profecia de Isaias e conclui com as palavras: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,21). Aquela profecia falava do messias prometido e tão esperado. Seria alguém escolhido e cheio do Espírito do Senhor com a missão de anunciar a Boa-nova aos pobres, proclamar a libertação aos cativos e aos oprimidos, a recuperação da vista aos cegos e, enfim, abrir solenemente um “ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). Tamanha foi a surpresa dos que estavam na sinagoga que “todos tinham os olhos fixos nele”. É neste momento que Lucas coloca um dos seu tantos “hoje” do seu evangelho. O “hoje” significa que a espera tinha acabado e que a profecia começava a acontecer com Jesus ali presente. Devia ser um momento de grande alegria. No entanto, se continuamos na leitura do evangelho, sabemos que logo Jesus foi expulso da sua própria cidade. Um sinal antecipado das dificuldades que ele encontrará na sua missão. Já, de longe, aparece a sombra da cruz.
Para que um anúncio de libertação seja uma boa notícia é necessária a consciência de algum tipo de escravidão ou dependência. Podemos pensar em prisões reais ou em situações que nos fazem sofrer e das quais não conseguimos sair. Olhando para a realidade do mundo, muitos experimentam na vida condições físicas ou psicológicas sub-humanas. Algo semelhante vale para as nossas cegueiras. Se acreditamos de ter a chave para entender tudo com clareza, não estaremos preocupados em buscar a luz necessária para enxergar melhor. Pode ser, porém, que nunca tenhamos refletido sobre tudo isso. Não estamos na cadeia, nos locomovemos livremente, compramos e descartamos – consumimos afinal – à vontade. Temos na mão o “controle” da situação; o programa é bom, por que deveríamos mudar de canal? No entanto, Jesus diz que veio para nos libertar e anunciar um tempo diferente, de gratuidade, de bondade e paz. Será que precisamos sofrer para desejar uma existência melhor? Ou será que perdemos o sentido da solidariedade e acabamos nos fechando, quando podemos, em nosso comodismo e bem-estar? A humanidade fez grandes progressos: temos redes de comunicação extraordinárias, curamos doenças que antes eram fatais, alcançamos outros planetas. Mas também inventamos armas custosíssimas e cada vez mais sofisticadas, prontas para destruir inúmeras vezes o planeta ou capazes de acabar somente com a vida humana, poupando o resto. A nossa prisão continua sendo o orgulho de uma humanidade sem coração, a nossa cegueira é a indiferença que não nos faz mais ver as lagrimas de quem perde tudo numa guerra entre poderosos. O que falta para que aconteça a libertação que Jesus começou? Ele não resolveu tudo, porque não nos obriga a sermos irmãos se não o queremos. Ele nos pede de colaborar com ele, não nos abandonou, nos deu o exemplo. Sempre temos alguns recursos: as nossas mãos, a saúde, mas temos também Deus?