Luis Miguel Modino – Comunicação REPAM-Brasil 

 

 

Ler o Evangelho, que deve ser considerado fonte de todo processo evangelizador, nos faz entender a metodologia de Jesus no anúncio da Boa Nova. Ele sempre parte de realidade concreta, da vida do povo, da cultura e da linguagem do povo simples, que em volta dele entende suas palavras e descobre nelas uma fonte de vida.

O Documento de Santarém, que está completando 50 anos em 2022, também tem a realidade, neste caso amazônica, como ponto de partida no processo evangelizador da Igreja da Amazônia, afirmando a importância dos valores dos povos amazônicos, mas também as limitações e perigos.

Nessa perspectiva, no momento de elaborar as Linhas Prioritárias, atendendo a essa realidade Amazônica, “a Igreja da Amazônia opta por quatro prioridades e por quatro séries de serviços pastorais, à luz destas duas diretrizes básicas: Encarnação na realidade e Evangelização libertadora”.

Nesse sentido, a encarnação na realidade é vista como “anterior e subjacente a toda Pastoral como programa ou ação, e supõe uma vontade permanente de conversão ao verbo Encarnado”. Se faz uma exigência, insiste o Documento de Santarém, “um total entrosamento com a realidade concreta do homem e do lugar”, algo que se realiza pelo conhecimento e pela convivência com o povo, na simplicidade e na amizade do dia a dia.

Na realidade concreta vai se testemunhando o Evangelho, se fazendo concretude uma evangelização libertadora, sem dicotomias, que possibilita a toma de consciência. Algo que se torna visível nas comunidades, que o Documento de Santarém chama de Comunidades Cristãs de Base, chamadas a ser “como fermento no meio da massa”.  Por isso o texto insiste, dependendo da realidade de cada comunidade, em que “o processo varia de lugar para lugar de acordo com a circunstância situacional da comunidade”.

Santarém insiste em que “a Pastoral deve ser de acordo com o ambiente”, tendo em conta a realidade e as situações e problemáticas que fazem parte da vida do povo. A partir daí vai se configurando os programas e serviços evangelizadores, em todos os níveis.

Do mesmo modo que Jesus, quando percorria os caminhos da Galileia, apontava para o povo, para a realidade, Santarém nos lembrava as palavras do Papa Paulo VI que disse que “Cristo aponta para a Amazônia”. Hoje, a Igreja católica continua apontando para a Amazônia, algo que ficou ainda mais claro com o Sínodo Especial para a Região Pan-Amazônica.

No início da Exortação pós sinodal Querida Amazônia, falando sobre o sentido da Exortação, o Papa Francisco insiste no propósito de “oferecer um breve quadro de reflexão que encarne na realidade amazónica uma síntese de algumas grandes preocupações já manifestadas por mim em documentos anteriores, que ajude e oriente para uma recepção harmoniosa, criativa e frutuosa de todo o caminho sinodal”. O Santo Padre sempre insiste nos processos, que mais uma vez podemos dizer começaram muito tempo atrás.

Citando Laudato Si´, onde o Papa Francisco afirma que “a constante distração nos tira a coragem de advertir a realidade dum mundo limitado e finito”, ele afirma na Querida Amazônia que “muitas vezes deixamos que a consciência se torne insensível”, algo que deve nos levar a refletir sobre a importância da concretude da realidade no trabalho evangelizador.

Isso demanda avançar no caminho da inculturação, algo que a Igreja da Amazônia vem fazendo desde Santarém, buscando entender que “Deus operou de várias maneiras, porque a Igreja possui um rosto pluriforme, vista ‘não só da perspetiva espacial (…), mas também da sua realidade temporal’”, segundo recolhe a Querida Amazônia.

Por isso, vamos continuar sonhando, buscando “avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazónia e libertá-la dos males que a afligem”, que nos diz Querida Amazônia. No final das contas, o Evangelho tem que nos levar a fazer realidade um mundo melhor para todos e todas.