por Dom Pedro José Conti
Administrador Apostólico da Diocese de Macapá
Uma jovem esposa tinha só uma pequena queixa da qual reclamar com seu marido. Dizia: – Meu marido, quando fala de mim com os amigos, fala sempre bem, reconhece todas as minhas qualidades. Os amigos me contam as coisas maravilhosas que ele diz de mim. Mas eu não estou nem um pouco contente. Por que não diz as mesmas coisas direitamente para mim?
Um simples desencontro entre o casal para introduzir a página simbólica ou programática das bodas de Caná que encontramos no Segundo Domingo do Tempo Comum, tempo litúrgico que nos acompanhará até a Quarta-Feira de Cinzas. O próprio evangelho de João define a mudança da água em vinho como o “início dos sinais de Jesus” (Jo 2,11). Com isso somos convidados a entender este sinal e a nos preparar para os outros que virão depois. O casamento, entendido como aliança de amor entre o homem e a mulher, representou muitas vezes no Antigo Testamento os laços de fidelidade que deviam unir Deus ao povo escolhido de Israel. No sentido negativo, os profetas chamaram de traição e adultério aqueles momento da história nos quais o povo seguia falsos deuses. Podemos logo compreender que, com Jesus, Deus quer mais que renovar laços anteriores, ele quer realizar uma “nova aliança”, melhor daquela antiga. O mestre-sala reconhece que o vinho tirado das talhas de pedra cheias de água é melhor e mais abundante daquele servido anteriormente e que veio a faltar. Agora os ritos antigos, representados pela água preparada pelas purificações, não servem mais. Usando as palavras da própria Liturgia podemos dizer que começa a se realizar a promessa de uma “nova e eterna aliança” entre Deus Pai e um povo “novo” formado por aqueles que acreditarão no Filho e o seguirão como Mestre e Senhor. Esta “aliança” será selada pelo sangue de Jesus derramado na cruz. Para João, o evangelista-teólogo, esta será a hora da manifestação plena do amor de Deus com a humanidade. Nas bodas de Caná ainda não chegou esta hora, mas o vinho melhor antecipa o sinal eucarístico, deixado por Jesus como memorial da sua paixão, morte e ressurreição. Igualmente, a intervenção de Maria, a “mãe”, aqui chamada de “mulher”, e as suas palavras: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5) não somente abrem o caminho para que a água seja transformada no vinho melhor, mas nos convidam sempre à obediência. Com efeito, quando vivenciamos o mandamento do amor, que Jesus nos deixou, algo novo sempre acontece, a tristeza se transforma em alegria e a esperança toma o lugar do desânimo.
Somente o amor pode garantir que a festa da aliança entre Deus e o seu povo nunca acabe. O amor é fruto de muitas virtudes, precisa de fidelidade, perseverança, perdão e vontade de recomeçar. O lado fraco da aliança somos nós. Duvidamos e esquecemos do amor de Deus. Às vezes o trocamos com algum ídolo deste mundo cheio de promessas e ilusões. O salmo 115 diz que os ídolos “…têm boca, mas não falam, têm olhos mas não veem… som nenhum sai de sua garganta (v. 4 -7). No entanto hoje com a inteligência artificial eles ganharam voz, são vozes conhecidas, familiares, cativantes. Nos agradam, nos dizem o que gostamos de ouvir, nos atraem e convencem. Brincadeira? De jeito nenhum. Numa Igreja – não digo onde – até a imagem (holograma) de Jesus conversa com os devotos que lhe fazem perguntas. Mas tudo isso não passa de um computador funcionando com a inteligência artificial. Para que a água da nossa fragilidade se torne o vinho da alegria e do entusiasmo da nossa fé, devemos continuar a fazer o que Jesus nos ensinou e como ele nos deu o exemplo. Nada de subterfúgios e atalhos. Amar alguém e fazer o bem nos deve custar, exige que saiamos do nosso comodismo para ir ao encontro do irmão necessitado, pede que façamos do amor fraterno o estilo da nossa vida. Pode ser que sejamos um pouco como aquele marido que falava bem da esposa aos outros, mas nunca dizia para ela que a amava e que era o maior presente da sua vida. Quando rezamos dizemos a Jesus que o amamos e que estamos dispostos a fazer o que ele nos disser?