por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém

No início da Quaresma, acolhamos a proclamação do tempo especial da graça de Deus: “Rasgai vossos corações, não as roupas! Voltai para o Senhor vosso Deus, pois ele é bom e cheio de misericórdia! É manso na ira, cheio de carinho e retira a ameaça! Quem sabe ele volta atrás, tem compaixão e deixa para nós uma bênção! Poderá haver, então, oferendas de trigo, nem faltará vinho para a libação em honra do Senhor vosso Deus. Tocai a trombeta em Sião, convocai para um jejum, reuni a Assembleia, reuni o povo, organizai a comunidade, ajuntai os mais velhos, reuni os jovens e as crianças de peito, o jovem esposo saia do quarto, a jovem esposa deixe o aposento, os sacerdotes, ministros do Senhor, venham chorar entre o altar dos holocaustos e o pórtico do santuário”. Rezem assim: ‘Tem piedade, Senhor, do teu povo! Não entregues tua herança à gozação dos estranhos!’ Senão os outros povos poderão dizer: ‘Onde está o Deus deles?’ O Senhor se mostrou zeloso de sua terra, por isso teve compaixão do seu povo”. (Jl 2,13-18).

Há anos, séculos e milênios que o chamado de Deus convida à conversão e à mudança do coração. E anualmente a Igreja nos convoca a este tempo especial, a Quaresma, dedicado aos exercícios que expressam nossa sincera decisão de voltarmos ao Senhor, à força de sua Palavra e acolhermos de ânimo renovado sua graça que restaura e salva. Estamos em quarentena, dispostos a tomar os remédios indicados pela Igreja, com os olhos voltados para frente e para o alto, mirando as celebrações pascais e a renovação de nosso Batismo. E neste ano, reforçado se encontra o chamado de Deus e de sua Igreja por estarmos em tempo de Jubileu. Fiéis às inspirações bíblicas, fomos convocados pelo Papa Francisco a sermos peregrinos de Esperança, prestando ao nosso tempo o serviço indispensável de oferecer o sentido da vida e o rumo para o mundo ser restaurado. A esperança que trazemos no coração e na prática do Evangelho é filha de nossa fé ardente e opera na caridade vivida. E no Brasil, nossa Quaresma traz consigo a Campanha da Fraternidade, com o tema positivamente provocante “Fraternidade e Ecologia Integral”, com texto bíblico inspirador do Livro do Gênesis 1,31: “Deus viu que tudo era muito bom”.

No alforge de nosso caminho de fé, temos muitos elementos para a vivência cristã, ouvindo o convite do Apóstolo: “Exortamos-vos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: ‘No momento favorável, eu te ouvi, no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (cf. 2 Cor. 6,12). Está convocado o tempo de penitência e conversão em nossa Igreja!

Desejamos sugerir algumas “vestes” próprias a serem usadas na Quaresma! “Volta, meu Povo, ao teu Senhor e exultará teu coração. Ele será teu Condutor, tua Esperança de Salvação!” A primeira delas é a decisão interna do coração que se reconhece necessitado de um novo passo de volta para Deus. “Filho, se decidires servir o Senhor, permanece na justiça e no temor e prepara a tua alma para a provação. Mantém o teu coração firme e sê constante, inclina teu ouvido e acolhe as palavras de inteligência, e não te assustes no momento da contrariedade. Suporta as demoras de Deus, agarra-te a ele e não o deixes, para que sejas sábio em teus caminhos” (Eclo 2,1-3). Cada pessoa acolha o convite e entre na Quarentena!

Segunda veste é o manto da penitência, a escolha de um tempo de sobriedade, equilíbrio na alimentação, jejum dos olhos, buscando ver o bem nos outros, jejum do coração, superando invejas e ciúmes, jejum das mãos, abrindo-as para a partilha, jejum dos passos, saindo de si para buscar o bem de todos, especialmente os mais pobres e sofredores, mortificação de nossa vontade, voltada tantas vezes por interesses egoístas, e também o exercício do perdão recíproco e da reconciliação com os irmãos e irmãs. Podem existir entre nós rixas explícitas ou algumas guardadas no segredo do coração. É importante rever corajosamente os recantos de nosso interior, dando passos ousados, perdoando e pedindo perdão, indo ao encontro de pessoas das quais nos esquecemos ou que nos deixaram de lado. É impressionante saber o quanto existem famílias fragmentadas a serem curadas no Quaresma que ora se inicia! Peçamos esta força e a coragem, com o dom do Espírito Santo, que sopre em nós novos frutos de sua presença. Há um mundo a ser restaurado a partir de nós!

Terceira veste, tendo diante dos olhos a capa com que algumas comunidades de pessoas consagradas se revestem para a oração, é justamente rezar mais e melhor durante a Quarentena que aceitamos como proposta do Divino Mestre, tomando o remédio de uma vida espiritual mais dedicada. Mais participação na Eucaristia, Leitura Orante da Palavra de Deus, Oração da Via-Sacra, Oração do Rosário. E um gesto sacramental e oracional precioso durante este tempo, que é o Sacramento da Penitência, precedido de um honesto exame de consciência e seguido do propósito de vida nova.

Quarta veste é a da caridade, com a qual repartimos com os outros a roupa, o alimento, o dinheiro e todos os bens possíveis, sabendo que os gestos de partilha preparam e realizam um mundo que seja mais de acordo com o plano de Deus, que nos fez a todos como seus filhos e irmãos uns dos outros. E neste ano, como fruto do caminho de conversão, somos convidados pela Igreja no Brasil a viver a Campanha da Fraternidade na contribuição em vista de uma Ecologia Integral, no projeto de humanismo integral e solidário, proposto pelo Papa Francisco, tendo como bases a Amizade Social, a Educação, o Pacto Educativo Global, a Misericórdia ou Compaixão e a disposição para reanimar a economia, com novos critérios e novas práticas. Esta Ecologia Integral não é apenas a ecologia verde, no cuidado com a natureza, mas o cuidado com o ambiente no qual vivemos e nos relacionamos: da cidade, do trabalho, da família, da espiritualidade, enfim, o cuidado com todas as relações humanas e sociais que compõem a nossa vida nessa Casa Comum (cf. Texto base da Campanha da Fraternidade 2025, número 9).

A todos desejamos uma Quaresma santa e frutuosa, como tempo da graça e da reconciliação!