por Vívian Marler / Assessora de Comunicação do Regional Norte 2 da CNBB
com informações do Vatican News
No final desta manhã, 1º de julho, em um evento histórico na Sala de Imprensa da Santa Sé, líderes de igrejas de três continentes lançaram um chamado por justiça climática, desafiando as narrativas dominantes e exigindo uma mudança profunda na forma como o mundo lida com a crise ambiental. O documento, intitulado “Um Chamado por Justiça Climática e a Casa Comum: Conversão Ecológica, Transformação e Resistência às Falsas Soluções”, é fruto de um processo sinodal inédito, que reuniu vozes de comunidades marginalizadas e especialistas em ecologia integral, e foi organizado pelo Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM), pela Federação das Conferências Episcopais da Ásia (FABC) e pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), coordenados pela Pontifícia Comissão para a América Latina (PCAL).
“Não há justiça climática sem conversão ecológica, e não há conversão ecológica sem resistência a falsas soluções”, ressoou a mensagem central do documento, ecoando as palavras do Papa Francisco e do Papa Leão XIV. A declaração denuncia o “capitalismo verde” e a “economia de transição” como mascaramentos de interesses, que perpetuam lógicas extrativistas e tecnocráticas.
Participaram o cardeal Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre, Brasil, Presidente do CELAM e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB; o Cardeal Filipe Neri Ferrão, Arcebispo de Goa e Damão, Índia, Presidente da FABC; o Cardeal Fridolin Ambongo Besungu, Arcebispo de Kinshasa, República Democrática do Congo, Presidente do SECAM; e a Doutora Emilce Cuda, Secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina.
O Cardeal Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre e Presidente do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), emocionou os presentes ao levantar a voz em nome dos povos amazônicos, dos mártires da terra e das comunidades ribeirinhas, indígenas, afrodescendentes, camponesas e urbanas que cuidam da vida em meio à ameaça. “A vida está por um fio”, alertou o cardeal, lembrando a urgência de defender os mais vulneráveis.
Da Ásia, o Cardeal Filipe Neri Ferrão, Arcebispo de Goa e Damão e Presidente da FABC (Federação das Conferências Episcopais da Ásia), trouxe o testemunho doloroso dos milhões de pessoas que já sofrem os efeitos devastadores das mudanças climáticas. “Nossa mensagem hoje não é diplomática, é pastoral. É um chamado à consciência diante de um sistema que ameaça devorar a criação”, clamou o cardeal, denunciando falsas soluções que avançam sem respeito pela dignidade humana.
O Cardeal Fridolin Ambongo Besungu, Arcebispo de Kinshasa e Presidente do SECAM (Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagascar), ecoou a indignação dos povos africanos, exauridos por séculos de extrativismo, escravidão e exploração. “A África não é um continente pobre, é um continente pilhado”, afirmou o cardeal, exigindo uma economia que não se baseie no sacrifício dos povos africanos para enriquecer outros.
A Dra. Emilce Cuda, Secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, emocionou ao recordar a campanha “A vida pende de um fio”, lançada pelo CELAM em 2024, e ao destacar o trabalho comunitário, silencioso e constante de um processo de conversão ecológica integral. “Como apóstolos missionários de uma Igreja sinodal em saída, iremos à COP30 para construir essa paz em meio desta guerra a pedaços contra a criação”, afirmou a Dra. Cuda.
O documento apresenta um conjunto de propostas concretas, incluindo a operacionalização urgente do Fundo de Perdas e Danos, o reconhecimento e a assunção da dívida social e ecológica dos países desenvolvidos, o fim da expansão dos combustíveis fósseis, a expansão de soluções de energia renovável descentralizadas e o fortalecimento das redes inter-religiosas para a defesa da vida.
Em um mundo à beira do abismo climático, o chamado por justiça que ecoa do Sul Global é um farol de esperança, um convite à conversão e à ação para construir um futuro mais justo e sustentável para todos.
Leia abaixo os discursos proferidos, na integra.
Cardeal Jaime Spengler, Arcebispo de Porto Alegre e Presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano, CELAM
“Irmãs e irmãos, em nome do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ao comemorarmos o 10º aniversário da Laudato Si e do Acordo de Paris, levanto uma voz que não é só minha, mas dos povos amazônicos, dos mártires da terra, das comunidades ribeirinhas, indígenas, afrodescendentes, camponesas e urbanas que cuidaram com ternura da vida em meio à ameaça, situação que nos levou a lançar, há alguns meses, uma campanha para defendê-los: “A vida está por um fio”.
O documento que estamos apresentando não é um gesto isolado. É fruto de um processo sinodal, de um discernimento espiritual e comunitário entre Igrejas irmãs do Sul Global: África, Ásia e América Latina e Caribe. Ele contém os principais pontos de defesa, propostas e denúncias feitas pela Igreja, de acordo com o Magistério do Papa Francisco e do Papa Leão XIV, em relação à crise climática e às questões que estão sendo discutidas na COP30. Apresentamos esse documento hoje ao Papa Leão XIV e queremos que ele seja considerado na etapa preparatória da COP30. Sua mensagem é clara: não há justiça climática sem conversão ecológica, e não há conversão ecológica sem resistência a falsas soluções.
Do coração da Amazônia, ouvimos um grito que clama: como podemos permitir que um mercado sem regulamentações éticas decida o destino dos ecossistemas mais vitais do planeta? Como podemos aceitar que a solução climática seja um negócio para poucos e um sacrifício para os povos indígenas, afrodescendentes e comunidades locais? Urge tomar consciência da necessidade de mudanças de estilo de vida, de produção e de consumo (cf. LS, n. 5).
“Os problemas ambientais possuem raízes éticas e espirituais. Precisamos passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha, […] de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa”. (LS, n. 9). Denunciamos o mascaramento de interesses sob nomes como “capitalismo verde” e “economia de transição”, que perpetuam lógicas extrativistas e tecnocráticas. Rejeitamos a financeirização da natureza, os mercados de carbono, as chamadas “monoculturas energéticas” sem consulta prévia, a recente abertura de novos poços de petróleo, ainda mais grave na Amazônia, e a mineração abusiva em nome da sustentabilidade.
Do coração da Amazônia, ouvimos um grito que clama: como podemos permitir que um mercado sem regulamentações éticas decida o destino dos ecossistemas mais vitais do planeta? Como podemos aceitar que a solução climática seja um negócio para poucos e um sacrifício para os povos indígenas, afrodescendentes e comunidades locais? Urge tomar consciência da necessidade de mudanças de estilo de vida, de produção e de consumo (cf. LS, n. 5).
“Os problemas ambientais possuem raízes éticas e espirituais. Precisamos passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha, […] de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa”. (LS, n. 9). Denunciamos o mascaramento de interesses sob nomes como “capitalismo verde” e “economia de transição”, que perpetuam lógicas extrativistas e tecnocráticas. Rejeitamos a financeirização da natureza, os mercados de carbono, as chamadas “monoculturas energéticas” sem consulta prévia, a recente abertura de novos poços de petróleo, ainda mais grave na Amazônia, e a mineração abusiva em nome da sustentabilidade.
Em vez disso, abraçamos a sobriedade feliz de que nos falou o Papa Francisco, inspirada no “bem viver” dos povos amazônicos. Estamos comprometidos com uma transição que seja justa, popular, comunitária, com as mulheres, com os jovens, com as comunidades no centro.
“Toda mudança necessita de motivações e de um caminho educativo” (LS n. 15). Da região que sediará a COP30, oferecemos o compromisso eclesial de educar na ecologia integral, de acompanhar as comunidades que sofrem e de permanecer vigilantes com um Observatório de Justiça Climática que será promovido pela Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA) e que promoverá, entre outros estudos, o monitoramento das NDCs em nível nacional.
Estamos convencidos de que a conversão ecológica não é uma opção para os cristãos, mas um chamado do Evangelho, e acreditamos, com a esperança pascal, que ainda é possível mudar de rumo. Faremos isso com os pés no chão e o coração no Reino”.
Cardeal Filipe Neri Ferrão, Arcebispo de Goa e Damão e Presidente da Federação das Conferências Episcopais da Ásia, FABC
“Caras irmãs e irmãos na fé e na humanidade:
Da Ásia, uma terra de imensa diversidade espiritual, cultural e ecológica, unimo-nos ao clamor global por uma transformação que não seja apenas técnica, mas ética, profética e profundamente humana.
Nossa mensagem hoje não é diplomática, é pastoral. É um chamado à consciência diante de um sistema que ameaça devorar a criação, como se o planeta fosse apenas mais uma mercadoria. O documento que apresentamos é o reflexo de um discernimento coletivo, numa perspectiva sinodal e em comunhão com as Igrejas da África e da América Latina. Não se trata apenas de mudar políticas; trata-se de mudar corações.
Na Ásia, milhões de pessoas já vivem os efeitos devastadores das mudanças climáticas: tufões, migração forçada, perda de ilhas, poluição de rios… E, entretanto, soluções falsas estão avançando: mega infraestruturas, deslocamento para energia “limpa” que não respeita a dignidade humana e mineração sem alma em nome de baterias verdes.
Diante disso, o Fundo de Perdas e Danos deve ser urgentemente operacionalizado e, juntamente com o fundo de adaptação que se concentra na construção da resiliência climática, deve garantir o acesso prioritário às comunidades afetadas.
É necessário que os países mais desenvolvidos reconheçam e assumam a sua dívida social e ecológica, como os principais perpetradores históricos da extração de recursos naturais e das emissões de gases com efeito de estufa. Estima-se que esta dívida climática do Norte Global atingirá US$ 192 trilhões até 2050. Além disso, estima-se que aproximadamente dois trilhões de dólares sejam extraídos do Sul Global a cada ano, através de mecanismos corporativos, bancários e governamentais. Apelamos, portanto, a um financiamento climático justo e acessível para as comunidades e organizações locais, incluindo as mulheres, que não gere mais dívida, para garantir a resiliência no Sul Global.
Da mesma forma, exigimos que a sabedoria ancestral das nossas comunidades seja ouvida. Detenham a expansão dos combustíveis fósseis, expandam soluções de energia limpa renovável em consulta com homens e mulheres nas comunidades locais, especialmente soluções descentralizadas. Os países ricos devem reconhecer e pagar sua dívida ecológica, sem continuar a endividar o Sul Global.
Da mesma forma, como Igreja, para além das críticas, queremos promover alternativas: programas educativos, novos caminhos económicos baseados no decrescimento, economias circulares, espiritualidade ecológica, políticas de proteção, acompanhamento de mulheres e raparigas – os mais afetados – e fortalecimento de redes inter-religiosas para a defesa da vida.
Queremos que a COP30 não seja apenas mais um evento, mas um ponto de viragem moral. E como disse o Papa Leão XIV, precisamos de amor e unidade para “construir um novo mundo onde reine a paz”. Que a esperança floresça entre nós como uma árvore da vida“.
Cardeal Fridolin Ambongo Besungu, Arcebispo de Kinshasa e Presidente do Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagascar, SECAM
“Enquanto Igreja na África, comprometemo-nos a reforçar a espiritualidade da atenção, a formar as novas gerações para uma ética ecológica e a construir uma aliança intercontinental do Sul para dizer numa só voz: “o tempo da indiferença acabou”.
A África quer viver. A África quer respirar. A África quer contribuir para um futuro de justiça e paz para toda a humanidade. E fá-lo-á com a sua fé, a sua esperança e a sua dignidade invencível. Obrigado por ouvir esta voz que vem das margens, mas que fala ao coração do mundo”.
Acesse abaixo o documento “Um Chamado por Justiça Climática e a Casa Comum: Conversão Ecológica, Transformação e Resistência às Falsas Soluções”
PT_As Igrejas do Sul Global por ocasião da COP30
Por Vatican News – Em audiência conjunta, o Papa Leão XIV recebeu na manhã desta terça-feira, no Vaticano, o presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), card. Jaime Spengler, acompanhado do presidente da Federação das Conferências Episcopais da Ásia (FABC), card. Filipe Neri António Sebastião do Rosário Ferrão, e do presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM), card. Fridolin Ambongo Besungu, e do secretário-geral do CELAM, mons. Josef Sayer.
Juntos, eles entregaram o documento “Um chamado por justiça climática e a casa comum: conversão ecológica, transformação e resistência às falsas soluções” em vista da COP30 de Belém do Pará, que será realizada em novembro. Sucessivamente, o texto foi apresentado aos jornalistas na Sala de Imprensa da Santa Sé. Abaixo os principais registros do encontro (fotos: VaticanNews)