por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém
“Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome, e me destes de comer; estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em casa; estava nu e me vestistes; doente, e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me” (Mt 25,34-36). Jesus nos ofereceu a receita e as questões que nos serão apresentadas na prova final do curso de nossas vidas nesta terra! Basta viver tudo o que o Senhor ensinou. Ainda bem que ele mesmo desdobrou através de palavras e gestos os detalhes do que devemos praticar, em vista de sua presença real, além da Eucaristia e de sua Palavra, nos irmãos que encontramos no dia a dia!
Em Lourdes, na França, assiste-se a cada dia um belíssimo momento de oração, com doentes e enfermos que chegam de tantas partes do mundo. Numa oportunidade, perguntei a um deles, frequentador assíduo do Santuário, assentado na verdadeira “cátedra de sua cadeira de rodas”, se havia encontrado a cura de seus males. A sábia resposta foi que externamente ainda não fora curado, mas por dentro, cada ano se sentia mais transformado! E são muitas as experiências da companhia do Senhor, da Virgem Maria e da solidariedade de irmãos e irmãs, prontos ajudar os sofredores a se aproximarem das verdadeiras fontes de graça, que são os Santuários, inclusive os que existem em nossa Arquidiocese de Belém. Multiplicam-se as experiências da força do Evangelho na vida de todos os que sofrem, verificam-se as curas, a certeza da intercessão daquela que é chamada “Saúde dos Enfermos”, a Virgem Maria! E neste final de semana, no dia dedicado a Nossa Senhora de Lourdes, celebramos com a Igreja inteira o Dia Mundial do Doente, uma iniciativa da Igreja que tem ecoado e encontrado respaldo em tantas partes do mundo. Em nossa Arquidiocese, a Pastoral da Saúde está implantada, assim como seus desdobramentos, que chamamos Pastoral dos Enfermos e outra que se chama Pastoral dos Hospitais. Temos um sacerdote, Padre Santiago Calzada, como assistente para esta dimensão da caridade, acompanhado por Diáconos e irmãos leigos e leigas que se empenham em tornar concreto o contato com os enfermos e as práticas destinadas ao cuidado preventivo com a saúde de todos nós. Podemos inclusive fazer um apelo para que muitas pessoas, não só aquelas que têm preparação específica, pensando em médicos, paramédicos, enfermeiros, cuidadores e outras pessoas de áreas afins, mas também aquelas que receberam de Deus o dom especial para consolar em nome do Senhor e da Igreja.
O Papa Francisco enviou a toda a Igreja a mensagem para esta celebração, com um título positivamente inquietante: «Não é conveniente que o homem esteja só. Cuidar do doente, cuidando do relacionamento” (Cf. Gn 2,18). Acompanhemos a palavra do Papa:
“Desde o início, Deus, que é amor, criou o ser humano para a comunhão, inscrevendo no seu íntimo a dimensão das relações. Assim a nossa vida, plasmada à imagem da Trindade, é chamada a realizar-se plenamente no dinamismo das relações, da amizade e do amor mútuo. Fomos criados para estar juntos, não sozinhos. E precisamente porque este projeto de comunhão está inscrito tão profundamente no coração humano, a experiência do abandono e da solidão atemoriza-nos e a vemos como dolorosa e até desumana. E isto agrava-se ainda mais no tempo da fragilidade, da incerteza e da insegurança, causadas muitas vezes pelo aparecimento dalguma doença grave”.
E o Papa se refere depois a situações recentes, como as pessoas que sofreram terrivelmente por causa da Covid-19. E podemos pensar no século XIX, quando o mal do século era a tuberculose, ou a Aids em nossa época. E a Palavra de Deus, neste final de semana, nos faz encontrar o Senhor que toca e cura um leproso (Mc 1, 40-45), que hoje respeitosamente chamamos hanseniano. Jesus acolhe o enfermo, toca-o, enfrentando normas legais daquele tempo, dando o passo de incluí-lo na convivência social ao enviá-lo a autoridades competentes. E hoje, sabemos que se trata de uma doença grave, mas curável.
Vale reconhecer o valor de uma iniciativa recente em nosso Estado. No mês de janeiro, o Governo do Pará realizou o Dia D de combate à hanseníase por meio de ações de saúde, com o tema “Hanseníase tem cura”, para prevenir, mobilizar e informar sobre a doença. A campanha busca conscientizar a população sobre a Hanseníase no Estado, sobretudo, em relação ao estigma e discriminação da doença, à importância do diagnóstico precoce e ao tratamento oportuno para eliminar fontes de infecção e interromper a cadeia de transmissão da doença e mobilizar a população com informações sobre a doença, a cura e o tratamento, que é feito nas unidades de saúde dos cento e quarenta e quatro municípios do Pará. O Estado do Pará, informam os responsáveis pela campanha, no ano passado registrou o número de mil, trezentos e quarenta e nove casos novos, destes, noventa e dois eram casos de pessoas menores de quinze anos. A situação estadual da hanseníase, em uma avaliação da série histórica dos últimos dez anos, está em declínio devido às ações que vêm sendo realizadas, como as capacitações junto aos cento e quarenta e quatro
municípios do Estado.
O papa amplia esta visão, para que nos tornemos próximos e irmãos de todas as solidões. Referiu-se às guerras, à solidão do tempo da velhice e da doença é vivido frequentemente até no abandono. “Esta triste realidade é consequência sobretudo da cultura do individualismo, que exalta a produção a todo o custo e cultiva o mito da eficiência, tornando-se indiferente e até implacável quando as pessoas já não têm as forças necessárias para lhe seguir o passo. Torna-se então cultura do descarte, na qual «as pessoas já não são vistas como um valor primário a respeitar e tutelar, especialmente se são pobres ou deficientes, se ‘ainda não servem’, como os nascituros ou ‘já não servem,
como os idosos (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 18). Esta lógica permeia também, infelizmente, certas opções políticas, que não conseguem colocar no centro a dignidade da pessoa humana com as suas carências e nem sempre proporcionam as estratégias e recursos necessários para garantir a todo o ser humano o direito fundamental à saúde e o acesso aos cuidados médicos”. Acolhamos mais uma vez a voz do Papa: “O primeiro cuidado de que necessitamos na doença é uma proximidade cheia de compaixão e ternura.
Por isso, cuidar do doente significa, inicialmente, cuidar de seu relacionamento com Deus, com os outros – familiares, amigos, profissionais de saúde –, com a criação, consigo mesmo. É possível? Sim, é possível; e todos somos chamados a empenhar-nos para que tal aconteça. Olhemos para o ícone do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37), contemplemos a sua capacidade de parar e aproximar-se, a ternura com que trata as feridas do irmão que sofre”. Mais ainda, dirigindo-se aos enfermos: “A vós que vos encontrais na doença, passageira ou crónica, quero dizer-vos: Não tenhais vergonha do vosso desejo de proximidade e ternura. Não o escondais e nunca penseis que sois um peso para os outros. A condição dos doentes convida-nos a todos a abrandar os ritmos exasperados em que estamos imersos e a reentrar em nós mesmos”.
Não queremos apenas um dia para os enfermos, para todos os doentes, mas nossas vidas dedicadas a que nada nos impeça de ser irmãos e irmãs de todos!
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