Introdução

Na reflexão anterior abordamos o tema das mídias digitais e a evangelização. Continuemos o mesmo assunto, mas dessa feita olhando para a sensibilidade do mundo juvenil e a grande contribuição que os jovens podem dar e já estão dando à evangelização, usando as novas ferramentas do mundo digital para difundir a mensagem do Evangelho. Essa questão foi muito bem abordada no Sínodo da Juventude e também apresentada na Exortação Apostólica Christus Vivit (cf. N. 86-90). Não podemos falar de evangelização do mundo juvenil sem considerarmos a cultura digital.

Se por um lado as novas gerações já estão naturalmente imersas nesse mundo das novas tecnologias da comunicação e as usam com muita competência, as demais se esforçam para assimilar e usá-las da melhor maneira possível.

Segundo o escritor americano, Marc Prensky, as novas gerações são “nativos digitais” enquanto que as outras gerações que se esforçam para conhecer, acompanhar e usar as novas tecnologias digitais são por ele consideradas “imigrantes digitais”. Os “nativos digitais” são aqueles que já nasceram imersos numa nova cultura de tecnologia e naturalmente assimilam tudo isso com mais facilidade. Os mais velhos, porém, são como que considerados “imigrantes” porque vem de outro contexto e devem se inserir numa cultura diferente daquelas em que nasceram e cresceram; uma cultura diferente com nova linguagem, estilo de vida, formas de pensar e comunicar-se.

 

  1. A sensibilidade da Igreja

A Igreja que acompanha a história e as culturas e, ao mesmo tempo lhes favorece a purificação, após o Decreto “Inter Mirifica” sobre os meios de Comunicação do Concílio Ecumênico Vaticano II continuou seu processo de reflexão sobre a importância da evangelização usando novos meios de acordo com os tempos.

Em 1971 foi publicada a instrução pastoral “Communio et Progressio” sobre os meios de comunicação social por mandato do Concilio Ecumênico II. O referido documento afirma que o cristão encara as maravilhosas invenções da técnica, que garantem a comunicação social entre os homens, como instrumento dos planos de Deus para promover as relações sociais durante a nossa vida na terra. As novas tecnologias da comunicação geram novas relações, provocam o surgimento de linguagem nova, que torna o homem mais consciente de si mesmo e da sua relação com a pessoa do outro. Os novos meios podem contribuir para a compreensão mútua, a promoção da justiça, da paz, do amor e da comunhão (cf. N. 12).

Há poucos anos, em 2018, o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, publicou um documento com o título “Igreja e Internet”. O anúncio da Boa Nova do Evangelho passa a ser propagado através de novas ferramentas da cultura dos “mass media”. O documento reconhece que para se comunicar de modo eficaz com os homens de hoje faz necessário o uso das novas tecnologias, particularmente com os jovens (cf. N. 5).

A internet é reconhecida com uma porta aberta para um mundo maravilhoso, fascinante, rico de influência formativa; não obstante, nem tudo o que se encontra do outro lado desta porta é seguro, sadio e verdadeiro. Por isso o documento retoma a preocupação com a educação das crianças e jovens para o uso corretos dos meios de comunicação afim de que não sejam passivos desprovidos de critérios e não cedam à exploração comercial. Essa é uma séria tarefa para os pais e educadores (cf. N 11).

 

  1. Evitar a postura reacionária

Os adultos, sobretudo pais e educadores, e mais ainda os idosos muito questionam porque os adolescentes e jovens vivem tão grudados aos celulares e computadores. É que eles vivem num “outro continente”, são filhos de uma era nova. Como bons migrantes, cautelosos e curiosos vivendo em cultura diferente, deveremos cada vez mais nos esforçar para nos inserir e assimilar as riquezas e os padrões desse novo ambiente no qual nos encontramos, respiramos, trabalhamos e vivemos. Não haverá retorno.

Aberta aos sinais dos tempos a Igreja Católica, em todos os níveis, tem dado passos decisivos em direção ao máximo aproveitamento das novas tecnologias da atualidade a serviço da evangelização. Todavia, como toda novidade, em alguns ambientes e mentalidades ainda se sente certa murmuração como se o único púlpito da pregação tivesse que ser ainda aquele de madeira.

Recordo-me que nos primeiros anos de sacerdócio, quando estava em Roma estudando (cursando o mestrado em Teologia Moral), certa vez fui celebrar numa cidade fora de Roma. Era uma vila com mais ou menos dois mil habitantes; ao centro daquele vilarejo estava a sede paroquial com pesadas características medievais e o pároco, já idoso e doente estava lá havia quarenta anos. Certo domingo, numa das pregações, desci do púlpito de madeira e me aproximei do povo. Alguns ficaram assustados e outros elogiaram aquele gesto. Para grande parte dos adultos e idosos, daquela minúscula paróquia a pregação tinha perfil definido, uma linguagem precisa (modo) e um lugar físico certo. Também o povo do tempo de Jesus teve atitudes reacionárias diante das novidades que propunha em sua pregação, a simplicidade da linguagem e não tinha lugar lixo para falar do Reino de Deus. Por outro lado, sua interação com os seus interlocutores eram fantasticamente empática porque os conhecia.

 

  1. Diversas abordagens

As atitudes reacionárias carregadas de conteúdo negativo, que tantas vezes, parte das outras gerações em relação aos adolescentes e jovens, é consequência de um limitado modo de ver e compreender a consistência da internet. Isso ocasiona um determinado modo de abordagem que revela míope visão da realidade. Vejamos algumas abordagens:

  1. A abordagem “ludicista”: para muitos a internet é vista puramente como instrumento de lazer, prazer, diversão, jogos, cinema; espaço de passa tempo. Também tem isso, mas ela não se resume nesse conteúdo;
  2. Abordagem “tecnicista”: há quem vê, considere e use a internet unicamente como um instrumento técnico, como relação “pessoa x máquina”; é uma visão pobre, pois na verdade, a centralidade da atenção vai além da máquina, esquecendo a dimensão sócio-afetiva; por trás de um equipamento há uma relação com alguém, um grupo de amigos, parentes, colegas de trabalho etc.
  3. Abordagem “economicista”: outros ainda reduzem a compreensão da internet aos interesses econômicos, como máquina de sucesso profissional e fonte de recursos financeiros; também nessa visão há verdade, mas não é a totalidade;
  4. Abordagem “hedonista”: ainda muito criticada por uns e defendida por outros é a abordagem hedonista da internet; isso diz respeito a uma visão que reduz a internet como espaço de prazer; com o advento da internet a indústria pornográfica passou ser indústria pornô digital e se expandiu assustadoramente, sem fronteiras e sem controles;
  5. Abordagem “culturalista”: diz respeito à concepção da internet como novo mundo cultural onde se pensa, se produz, se compartilha e se usufrui dos mais variados conteúdos de caráter cultural de todos os contextos humanos. Na internet, sobretudo com as redes sociais, todos produzem, todos escrevem, todos são mestres, todos emitem opiniões. Resta o grande desafio do discernimento das informações nesse campo, facilmente coletadas.

Enfim, estamos diante de um dos fenômenos que mais caracterizam a contemporaneidade; trata-se de um fenômeno riquíssimo, derivado de uma longa caminhada de progresso técnico e científico que oportunizou grandes avanços e fantásticas possibilidades positivas em todas as áreas. Por isso cada uma dessas abordagens, não devem ser analisadas isoladamente, sob pena de termos uma conclusão pessimista e negativa de uma nova forma de comunicação e interação da sociedade atual.

 

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  • Como você se situa em relação à internet: é nativo ou imigrante digital?
  • Como vê o apego dos adolescentes e jovens às redes sociais?
  • Por que nenhuma dessas abordagens, analisadas individualmente, é justa?

 

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2