Introdução

No texto precedente refletimos sobre a dignidade humana e sua pluridimensionalidade. Disso decorre a necessidade da educação integral. Nenhuma dimensão humana deve ficar fora da atenção da educação porque o ser humano é uma totalidade de dimensões unificadas e interdependentes.

Mas em que consistem essas dimensões humanas? Quais consequências isso tem para a gestão da educação? Como o processo educativo interfere no dinamismo de cada uma delas? São questões importantes a serem refletidas por um educador.

Iniciemos um breve passeio por cada das principais dimensões humanas para melhor entendermos a sua identidade, dinamismo e a necessidade da intervenção da educação. Certo, é que os educadores católicos, não devem ter uma visão reducionista da pessoa humana. A educação vai muito além da oferta de informações e produção de conhecimentos.  

 

  1. A dimensão volitiva

Diz respeito à vontade. A vontade deve ser educada. Os primeiros educadores a perceberem essa necessidade são os pais e, em particular, a mãe observando as exigências de seu filho quando criança. A pessoa humana traz consigo um natural “apetite” que a impulsiona rumo à satisfação de seus desejos («querer»).

Independente das circunstâncias o ser humano sempre quer, deseja, busca… O desejo é sempre transcendente. Quando criança, exigimos tudo e protestamos contra quem não nos satisfaz porque “pensamos” que querer e poder se identificam. A criança sempre quer ter aquilo que lhe atrai e foge daquilo que é estanho e lhe incomoda.

Todavia, na sociedade não vivemos sozinhos. Então, a vontade individual deve ser disciplinada. Isso é papel da educação que começa na família. Aos poucos vamos compreendendo que, nem tudo podemos ter e nem fazer; que há limites a serem respeitados, critérios a serem seguidos. Sem a educação da vontade pessoal nos tornamos animalescos.

 

  1. A dimensão libertária

Diz respeito à liberdade. O ser humano é livre e responsável, mas para o exercício da liberdade e da responsabilidade ele precisa ser educado para compreender que a liberdade não se reduz a fazer a vontade pessoal. A luz sobre a liberdade, através da educação, nos leva à experiência do discernimento.

A pessoa humana é capaz de decidir sobre os rumos de sua vida pessoal, de fazer opções (livre arbítrio). Deus nos criou para a liberdade (cf. Eclo 14,15-20). Mas a liberdade, enquanto capacidade de escolher o Bem, a Verdade, aquilo que é justo, é uma conquista. Nos primeiros anos de nossa existência o único critério que temos é o prazer; de modo que é avaliado bom aquilo que nos dá prazer e conforto; e ruim, é tudo aquilo que nos provoca dor e incômodo. Mas esse critério é superficial. Com a educação vamos superando e percebendo que, muitas vezes, o bem nem sempre é prazeroso.

Em nossa infância, essa realidade é inexistente: tudo queremos, independente da natureza das coisas. Assumimos tudo, mas sem consciência de escolhas avaliadas. A capacidade de fazermos escolhas justas, construtivas, alicerçadas sobre valores, que nos enobrecem e edificam os outros, vem através da educação! A Vontade e a Liberdade capacitam o ser humano par ir «além dos instintos». É por isso que podemos falar de educação moral. Aqui entra o discurso sobre a importância dos valores e das virtudes, como critérios que nos orientam nas decisões.

 

  1. A dimensão racional

Diz respeito ao dinamismo da nossa inteligência, a nossa razão. A razão é aquilo que mensura, avalia, pesa, pondera, questiona. Somos racionais. É através da inteligência que somos capazes de questionar e buscar respostas para os problemas. Mas o usufruto desse potencial depende de um processo de formação. É preciso que o ser humano seja educado para a sadia exploração do seu potencial intelectual.

A pessoa humana traz consigo a capacidade de conhecer. A dimensão intelectual da pessoa humana a predispõe para resolver problemas, valorizar as coisas que nos rodeiam, investigar enigmas, especular possibilidades, articular planos, dar sentido para as experiências existenciais, adotar estratégias em vista de um projeto, tirar lições para a vida, confrontar experiências.

Com sua capacidade racional a pessoa humana dinamiza seu agir, transforma a natureza, modifica o meio onde vive, inventa instrumentos técnicos para superar seus limites (tecnologia), posiciona-se criticamente diante daquilo que se põe à sua frente: concorda, discorda, critica, defende, ataca, corrige, acolhe, propõe etc. Mas tudo deve ser mediado pela visão do Bem Comum. A razão mal educada se transforma numa arma. Quando a inteligência é colocada a serviço da criminalidade o ser humano investe na sua própria morte. A razão pode estar profundamente enganada!

 

  1. A dimensão social:

Refere-se à capacidade que o ser humano tem de relacionar-se e interagir com os seus semelhantes. A sociabilidade é uma das dimensões mais profundas e significativas do ser humano. O homem é um ser social, mas deve ser educado para as sadias e respeitosas relações interpessoais; assim descobre a beleza da alteridade.

Por causa da sociabilidade sentimos uma natural necessidade de entrar em relação com os outros. Todavia, muitos são aqueles que sofrem de solidão e não conseguem conviver em harmonia com os outros: na família, no trabalho, na sociedade, etc. Nascemos para estar com os outros, para interagir com eles, pois isso nos enriquece. O nosso processo de formação pressupões interação com os outros. Formação é relação! Isolados não crescemos e permanecemos levados por fragilidades e impulsos antissociais.    

Educar para a convivência é imprescindível. Sem educação à sociabilidade não encontramos com dignidade o nosso espaço na sociedade. Acolher os outros, escutar, dialogar, saber trabalhar em equipe, desculpar-se, negociar, aprender a compartilhar, tolerar… são maravilhosas atitudes humanas. Mas já são consequentes de um processo de educação! Sem formação somos intolerantes e autodefensivos. Eis porque, desde cedo, quando há bons educadores na família nos ensinam a importância das pequenas chaves mágicas que abrem grandes portas que ficam conosco por toda a vida: bom dia, boa tarde, boa noite, por favor, com licença, por gentileza, de nada, pois não, seja bem-vindo, parabéns, muito obrigado, me desculpe, posso lhe ajudar?! Quem faz uso delas, conquistou a virtude da gentileza. 

Quando a educação não proporciona o justo desenvolvimento da sociabilidade a pessoa permanece na infância social: conserva o egoísmo, a agressividade diante das frustrações, o medo do diferente, vive num reduzido círculo afetivo e social e sempre se sente vítima de tudo.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Como se manifesta a vontade mal educada?
  2. Por que liberdade e responsabilidade são inseparáveis?
  3. É possível que o ser humano coloque sua inteligência a serviço do mal? Por que isso pode acontecer?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2