O coração é um órgão essencial para a existência do homem, garantindo que o sangue seja transportado para todo o organismo, do que resulta a importância do cuidado para com o mesmo. De igual maneira, somos chamados a honrar e amar o coração de Jesus, que nos oferece os valores da paz e do amor, sendo ele fonte de vida para toda a humanidade. O coração é uma palavra que vem do grego kardía, cujo significado é o órgão muscular de forma cônica, que constitui o centro motor do aparelho circulatório. É também o centro da vida espiritual e afetiva do ser humano, sede dos sentimentos ou do desejo, da vontade[1].

Em nossa realidade eclesial e religiosa, é celebrada a solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Em muitas dioceses, paróquias têm como padroeiro o Sagrado Coração de Jesus. Ele é referenciado com diversos quadros nas famílias e em muitos outros lugares públicos. Louvemos a Deus Uno e Trino pelo Sagrado Coração, fonte de amor, de caridade para com toda a humanidade. Veremos a seguir como os santos padres descreveram o coração humano e o coração divino do Senhor Jesus para a salvação da humanidade.

O coração é coordenador de tudo

Pseudo Macário, um monge do Egito do século IV, afirmou que o coração humano governa os órgãos do corpo. Quando a graça de Deus entra no coração, eleva a confiança, reinando sobre todos os membros e sobre todos os pensamentos. No entanto, se o pecado adentra, há o afastamento da graça. O Senhor Jesus nos fala que é do coração que provêm os maus pensamentos (cfr. Mt 15,19), fazendo o ser humano envolver-se nas trevas. O mal tende a esconder-se no espírito de seu ser interior. Se, pois, alguém ama Deus, também Deus o torna participante do próprio amor. Deus virá ao encontro do ser humano para torná-lo sempre mais puro na vida. O Senhor fez o homem e a mulher à sua imagem e à sua semelhança (cfr. Gn 1,26) para que vivam bem em unidade com o Criador[2].

O coração que deve produzir coisas boas

Pseudo Macário ressaltou, ainda, a importância da semeadura na realidade visível e na realidade invisível com o Senhor. Assim como o desejo do agricultor é realizar uma colheita fecunda após a semeadura, da mesma forma o Senhor nutre grande anseio de semear a sua palavra no coração dos seres humanos para que produza muitos frutos de paz e de amor[3]. Deste modo, Deus fará morada no coração das pessoas para ser amado e ser adorado.

Jesus Cristo quer morar em nós

Santo Agostinho, bispo de Hipona dos séculos IV e V, asseverou que a manifestação de fé das pessoas é a condição para que Cristo habite em seus corações. Ele tem presente o episódio do evangelho segundo o qual Cristo Jesus dormia na parte de trás da barca e os discípulos o acordaram diante do perigo de um eminente naufrágio. Cristo se levantou e ordenou ao vento e ao mar e, logo em seguida, fez-se uma grande calmaria (cfr. Mc 4,35-41). Assim como a ventania agitou o mar na passagem do evangelho, causando tormenta, de igual maneira a vida de uma pessoa pode ser alcançada pelos ventos das tribulações. E o que seriam estes ventos impetuosos? Certamente seriam as faltas cometidas, de modo que é preciso acordar Cristo na vida do homem para fazer cessar as tormentas, assim como Ele foi acordado pelos discípulos. O sono de Cristo acontece no coração humano quando há o esquecimento da fé. Porém, se a pessoa restaura a sua fé, ela acorda Cristo e Ele fará morada no seu coração[4].

Deus é grandioso pelo coração

Ainda em Santo Agostinho, se encontra a afirmação que as obras de Deus são maravilhosas, sendo grandiosas ou pequeninas, pois um minúsculo grão faz germinar uma grande árvore, que produz flores, sombra e frutos. Assim também é o coração, um órgão tão pequeno que faz circular a seiva (sangue) por todas as partes do corpo, fazendo-nos compreender que sua importância vital não se relaciona com a pequenez de sua forma. De igual modo, Cristo jamais é diminuto, Ele é sempre grandioso mesmo nas coisas que nos parecem pequenas[5].

O caminho da alegria no coração

São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla dos séculos IV e V, afirmou que se o ser humano deseja a alegria verdadeira, não deveria procurá-la nas coisas exteriores, mas buscá-la no conhecimento de Deus para a obtenção das virtudes e, assim, nada mais lhe causaria aflição. A alegria vem do coração pela graça reinante de Deus e pelo esforço humano, de sua responsabilidade[6].

O coração humano deve alimentar-se das coisas de Deus

João Cassiano, monge da Gália dos séculos IV e V, afirmou que o coração humano é como uma roda de moagem de moinho que não cessa mais a sua atividade movida pelo impulso da água. Assim também é a mente humana sob o impulso da vida atual, tendo presente as tentações e os pensamentos. Mas, quando a pessoa recorre à meditação das Escrituras Sagradas, eleva a sua mente às realidades espirituais, ao desejo de perfeição, à esperança da bem-aventurança futura, o que faz surgir pensamentos de bondade, de compaixão e de partilha. Por isso o coração deve estar bem alimentado das coisas humanas e divinas. O Senhor mesmo disse que onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração (cfr. Mt 6,21)[7].

O coração é cheio do espírito

Santo Ambrósio, bispo de Milão do século IV, exortava aos seus féis que o coração se enche de espírito, que é o principio, a força específica da alma; não é a força que está nos músculos, mas é aquela que consiste nas retas decisões, na temperança, na piedade e na justiça. E se o coração do ser humano está nas mãos do Senhor, tanto mais estará a sua alma, de modo que alcance um dia o repouso eterno[8].

O Coração de Jesus na vida eclesial e em nossas vidas

O Sagrado Coração de Jesus está presente em muitas dioceses, paróquias, comunidades e famílias com alguma imagem ou mesmo quadros. As pessoas reverenciam a imagem do Sagrado Coração de Jesus pedindo saúde, paz e amor para si, seus familiares, a Igreja e para o mundo. Os fiéis proclamam as doze promessas do Sagrado Coração para as suas vidas e de todos. O grupo do Apostolado da Oração contribui para a propagação da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, mantendo essa chama viva no seio Igreja. Neste tempo de pandemia do coronavirus, os cristãos oram em suas casas, em família, pedindo forças e coragem ao Sagrado Coração de Jesus; pelo restabelecimento da saúde dos milhões de infectados; pelos falecidos; e agradecem ao Senhor pelos milhões de recuperados. A vacina permitirá a todos uma vida melhor em família e em comunidade.

O Concilio Vaticano II, através da Lumen Gentium, afirma que todas as situações da vida dos seres humanos podem tornar-se hóstias espirituais, aceitáveis a Deus por Jesus Cristo (cfr. 1 Pd 2,5) que são oferecidas ao Pai com a oblação do Corpo do Senhor na celebração da Eucaristia. Desta forma, os leigos e as leigas, como adoradores que agem santamente em toda a parte, consagram a Deus o próprio mundo[9]. Em cada mês, há um oferecimento ao Sagrado Coração de Jesus proveniente, sobretudo, pela intenção específica do Papa, que tem continuamente clamado pela situação difícil das mulheres e de pessoas perseguidas por causa da justiça e do amor.

O Coração de Jesus é fonte de vida e de luz para quem quer que seja, inefável beleza do Deus altíssimo, vida que vivifica toda a vida, luz que ilumina toda a luz. É o brilhante e suave manancial daquela fonte oculta aos olhos de todos os mortais. Ele é a profundidade infinita, altura sem limite, amplidão sem medida, pureza sem mancha[10]. O Seu coração é cheio de amor para toda a humanidade. Ele é manso e humilde de coração e Nele nós encontraremos descanso (cfr. Mt 11, 29). Ele nos amou até o fim (cfr. Jo 13, 1). Quando um soldado abriu-lhe o lado com uma lança, logo saiu sangue e água (cfr. Jo 19, 34). Ele se doou tudo para o nosso bem e de toda a humanidade.

            O coração divino de Jesus derrama as suas graças sobre o coração humano de todas as pessoas. Pedimos ao Sagrado Coração de Jesus que faça o nosso coração sempre mais semelhante ao Dele para que vivamos bem junto aos irmãos, famílias, comunidades e sociedade, sobretudo aos pobres, sofredores, necessitados. Que sejamos pastores bons a exemplo do Pastor Jesus Cristo. Somos chamados a trabalhar por políticas públicas que beneficiem a população mais carente, de modo que a bênção do Sagrado Coração de Jesus esteja em nós, em nossas famílias, comunidades e no mundo.

 

[1] Cfr. Cuòre. In: Il vocabolario treccani, Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 417.

[2] Cfr. Pseudo-Macario, Omelie, 15. 20-22. In: In: La teologia dei padri, v. 1. Città Nuova Editrice, Roma, 1981, pg. 265.

[3] Cfr. Idem, Omelie spirituali, 32,11. In: La teologia dei padri, v. 2, pg. 105.

[4] Cfr. Agostino, Commento al Vangelo di san Giovanni, 49,19. In: La teologia dei padri, v. 2, pgs. 174-175.

[5] Cfr. Agostino, Le Letere, II, 137,8 (A Volusiano). In: La teologia dei padri, v. 1, pgs. 27-28.

[6] Cfr. GiovanniCrisostomo, Omelie sulle statue, 18,4. In: La teologia dei padri, v. 3, pg. 187.

[7] Cfr. Giovanni Cassiano, Conferenze, 1,18. In: La teologia dei padri, v. 3, pg. 147.

[8] Cfr. Ambrogio, Il bene della morte, 44. In: La teologia dei padri, v. 1, pg. 216.

[9] Cfr. LG, 34. In: Concílio Ecumênico Vaticano II, Documentos. Edições CNBB, 2018, pg. 127.

[10] Cfr. Das obras de São Boaventura, bispo. Opusculum 3, Lignum vitae, 29-30, 47, Opera Omnia 8,79, séc. XIII. In: Liturgia das Horas, III, Editora Vozes, Paulus, Editora Ave-Maria, Aparecida, SP, 2010, pg. 572.

POR Dom VITAL CORBELLINI

Bispo de Marabá - PA