Todos dependem do serviço prestado pelos que trabalham a terra, homens e mulheres a serem profundamente valorizados e respeitados. Entendemos os motivos pelos quais o trato da terra se torna muitas vezes conflitivo, justamente porque tantos querem ter um pedaço ou grandes áreas de terra. Entendemos também o quanto é delicado e exigente o respeito pela mãe terra, a atenção ao meio ambiente a ser cuidado e não explorado de forma a satisfazer ganância e busca de proveito a qualquer custo. Dependemos do racional e justo uso da terra, desejamos que todos tenham o sustento e o alimento necessários e especialmente os mais pobres encontrem a devida assistência e a possibilidade de cultivar seu chão.
Se pensarmos em nossa terra paraense, será difícil encontrar famílias que não tenham, em gerações muito próximas, raízes em nosso interior, no cuidado da terra e de criações de todo tipo, tanto que a muitas agrada ir buscar em seu rincão originário descanso, inspiração e forças para a vida na cidade. Aliás, faz bem saber que muitos jovens têm casas na cidade, onde vivem para estudar, esforço de muitos pais e avós que as adquiriram a custo de muito suor. Muitos diplomas foram fruto de tais heróis e heroínas! E não nos cansamos de ver familiares do interior mandando para os filhos estudantes o resultado de seu trabalho e os frutos da terra. Parece um refrão ouvir um pai dizer que deseja ver seus filhos estudarem mais do que ele conseguiu! São gestos silenciosos e extremamente frutuosos. Podem não ser vistos aqui, mas Deus sabe e sabe bem!
E Jesus, que entende de terra, sementes, plantas, frutos e gente, usou e abusou das comparações tiradas do ambiente rural. Neste final de semana, o Evangelista São Marcos nos oferece algumas dessas pérolas, para iluminar nossa participação na Eucaristia Dominical (Cf. Mc 4,26-34). Jesus sempre apresenta o Reino de Deus, uma verdadeira paixão, através de comparações simples tiradas do cotidiano, envolvendo a natureza e as pessoas.
Desta feita, o Reino de Deus é primeiro comparado com a semente espalhada na terra, que vai caindo, caindo, caindo, como ouvi cantar um grupo de crianças. Quanto a gente pensou que está morta, vai brotando, nascendo e crescendo! Há uma presença misteriosa do Reino de Deus, onde menos se espera. Encontramos em pessoas marcadas pelo vício, o pecado e a maldade, lá dentro, um desejo de fazer o bem, tantas vezes esmagado pelas circunstâncias da vida. Olhando para a natureza, nem é difícil encontrar flores que vicejam à margem de canais de água suja! E é maravilhoso saber da capacidade incrível de recuperação de rios e igarapés, tantas vezes fustigados pelo mau trato, lixo e esgoto! Com as pessoas, é necessário abrir os olhos, os braços e o coração para identificar tais sinais de Deus, que estão presentes em toda parte. Se Jesus diz que seu Pai trabalha sempre (Cf. Jo 5,17-30), cresça em nós a certeza de que ele está plantando continuamente, pela ação do Espírito Santo, as sementes do bem. Basta olhar ao nosso redor ou deixar que se torne interior o nosso olhar para identificar a virtude no meio da lama que tanto nos assusta no mundo.
Quanto às plantas, semente, cultivo, crescimento, tempo da colheita! Homenagem se preste a tantos olhares luminosos que resplandecem quando chegam aos nossos portos e trapiches, ou nas feiras de nossas cidades, o fruto da terra e do trabalho humano, e que ele se transforme em vida e crescimento para as respetivas famílias e comunidades. Bom é recordar que quando Jesus fala de colheita, há sempre uma referência à colheita final, no fim dos tempos. A liturgia do domingo enriquece nossa reflexão com a palavra de São Paulo: “Todos temos de comparecer, às claras, perante o tribunal de Cristo, para cada um receber a devida recompensa – prêmio ou castigo – do que tiver feito, de bem ou de mal, ao longo de sua vida corporal” (2 Cor 5,10). A colheita de Deus será maravilhosa: “Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores passaram. Aquele que está sentado no trono disse: ‘Eis que faço novas todas as coisas’” (Ap 21,4-5).
Voltemos à plantação de Deus, que parece muito pequena e frágil, se pensarmos em todas as forças que intervêm em nosso mundo altamente convencido de ter respostas e soluções para tudo, mesmo quando se depara com os desafios dos tempos atuais. Uma pequena semente, um grão de mostarda, no dizer de Jesus, pode tornar-se maior do que todas as hortaliças, com ramos tão grandes e capazes de abrigar as aves do céu. O que Deus faz, e ele é todo-poderoso, pode parecer pequeno e limitado, mas abriga muita gente! Na hora dos desafios, podemos perceber como se procura a Igreja, mesmo quando as ideias estão confusas. Digam isso os sacerdotes que são procurados por gente de perto e de longe, com histórias de confessionário que ficarão guardadas no segredo do amor de Deus pelas pessoas até a eternidade. Pudessem falar as lâmpadas ao lado dos sacrários, que contemplam lágrimas e lamentos, pois os tabernáculos espalhados pelo mundo inteiro, pequenos e do tamanho da eternidade, são repositórios de tantas esperanças. Ali, as aves que somos nós, podemos nos abrigar à sombra das asas de Deus! Ali, podemos rezar com o salmista: “Tu que estás sob a proteção do Altíssimo e moras à sombra do Onipotente, dize ao Senhor: ‘Meu refúgio, minha fortaleza, meu Deus, em quem confio’. Ele te livrará do laço do caçador, da peste funesta; ele te cobrirá com suas penas, sob suas asas encontrarás refúgio. Sua fidelidade te servirá de escudo e couraça. Não temerás os terrores da noite nem a flecha que voa de dia, nem a peste que vagueia nas trevas, nem a praga que devasta ao meio-dia” (Sl 90,1-6).
Ao ouvir e ler as parábolas dos Evangelhos, abramos os olhos e os corações, para recolher os tantos ensinamentos, palavras de vida eterna, postos pelo Senhor à nossa disposição. E não deixemos de descobrir outras parábolas contadas pelo Espírito Santo na Igreja e na história humana.
POR Dom ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
Arcebispo Metropolitano de Belém - PA e Vice-Presidente Regional da CNBB Norte 2