A sociedade já se empenha em estudar as consequências do período de restrição à convivência social, no qual todos foram forçados durante o tempo da pandemia. Há alguns meses circulam hipóteses sobre o “novo normal”. E crianças nascidas neste tempo começam seus contatos com pessoas “mascaradas”, e não sabemos até quando isso será. Uma criança pode não saber como é o sorriso de seus avós, por tê-los visto apenas atrás das referidas máscaras. Com clareza vêm à tona os questionamentos sobre o estudo à distância, como há poucos dias circulou uma entrevista de uma jovem universitária que, desde a seleção e agora passando pelos semestres iniciais de seu curso, não pôs os pés na Faculdade, sentindo de forma muito justa e gritante a necessidade de conhecer e conviver com o ambiente de estudos. Podemos ampliar o horizonte, pensando nos que sentem desejo de voltar aos estádios esportivos, ou também ver a explicável teimosia das pessoas que se arriscam até ao contágio em nossas feiras ou festas, clandestinas ou não!

         Quanto à fé, temos acompanhado a grande sede de Deus e o desejo de vida em Comunidade. Temos um sem-número de Paróquias que se apressaram em adquirir equipamentos para transmissões em redes sociais, e nossa Fundação Nazaré de Comunicação tem se esmerado na oferta de celebrações e acompanhamento de eventos. Graças a Deus, pelo menos em nossa Arquidiocese, cresce o clamor pela participação presencial em nossas Paróquias e o justo anseio pela vida de Comunidade. Recentemente, a Festa de Santa Rita de Cássia, na Paróquia a ela dedicada, exigiu que a Paróquia programasse seis Missas durante o dia da padroeira, e todas repletas de fiéis, inclusive com telões externos para ampliar a possibilidade de acompanhamento da parte do povo, obedecendo às normas vigentes. Bendita criatividade de nossos sacerdotes e agentes de pastoral!

         E aqui nasce um questionamento, suscitado por afirmações de autoridades de alta cepa de que o contato com Deus não exige vida comunitária. Distinguir ajuda a entender! Respeitamos a diversidade religiosa em suas diversas formas, e que pratiquem e alimentem suas convicções como considerarem adequado. Entretanto, não nos permitimos considerar o cristianismo apenas como uma religião a mais, como prateleiras de supermercados oferecidas à escolha do freguês. Pode até acontecer que pessoas desejem temas ou orientações bonitas e tiradas da Bíblia, consideradas no mesmo nível de tantos livros de autoajuda. Cristianismo, e aqui compartilhamos com outros cristãos de Igrejas ou Comunidades Eclesiais, significa seguimento de Jesus Cristo, e sua proposta, ele que é para nós Caminho, Verdade e Vida, aponta na direção de uma vida em comunhão com o Pai e o Filho e o Espírito Santo, refletida aqui nesta terra, enquanto nela caminhamos, numa vida de comunhão e de comunidade entre as pessoas. Parece-nos oportuno recordar tais ensinamentos e convicções na oportunidade oferecida pela Solenidade da Santíssima Trindade. Fomos batizados, vivemos e rezamos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Deus não é solidão, mas família, comunhão trinitária.

         Os fundamentos se encontram na Sagrada Escritura, começando pelo povo que Deus formou no Antigo Testamento, encarregado de alimentar, justamente como povo, a esperança do Messias e de uma Nova Aliança. E aliança experimentada entre Deus e seu povo, não uma experiência apenas pessoal e, pior ainda, individualista. E a Palavra Eterna de Deus se fez carne numa família humana, num povo concreto! E Jesus formou seus discípulos como um corpo apostólico, inclusive no número doze, que recorda as doze tribos do povo de Deus. Povo, tribos, nações, grupo de apóstolos, grupo de setenta e dois discípulos, comunidades, Igreja, palavra que remete ao sentido de convocação e de assembleia.

         O mandamento novo de Jesus é o amor mútuo ou recíproco! E ele garantiu que estaria presente quando dois ou mais estivessem reunidos em seu nome. Ao menor de todos que for encontrado, foi atribuída a presença dele! E, se abrimos os Atos dos Apóstolos, a vinda do Espírito Santo suscitou imediatamente a vida em Comunidade: “Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Apossava-se de todos o temor, e pelos apóstolos realizavam-se numerosos prodígios e sinais. Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e possuíam tudo em comum; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Perseverantes e bem unidos, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava a seu número mais pessoas que eram salvas” (At 2,42-47). Uma verdadeira carteira de identidade dos cristãos da primeira hora e de todas as gerações!

         Viver em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo significa iniciar cada dia com a escolha da comunhão e do relacionamento fraterno. Pede um dia de amor a cada próximo de quem nos aproximarmos, pois cabe a cada um de nós a iniciativa. Exige, com os meios presenciais possíveis ou aqueles que a técnica nos oferece hoje, tomar iniciativas, ir ao encontro, dar o primeiro passo, oferecer o perdão, envolver-se para ajudar os que mais sofrem em qualquer situação. Um dos exercícios que desejamos propor é alcançar as pessoas que o isolamento levou à depressão. Não bastam as ajudas profissionais, sem dúvida necessárias. Elas precisam de gente que se aproxime, precisam de oração, diálogo, pontes que se estendam a fim de recuperarem o contato com as Comunidade cristã.

         Em nome da Trindade e mergulhados em sua vida divina, resplandeça com toda força a vida eucarística, litúrgica e comunitária, assim como a caridade em nossa Igreja.

POR Dom ALBERTO TAVEIRA CORRÊA

Arcebispo Metropolitano de Belém - PA e Vice-Presidente Regional da CNBB Norte 2