Por Dom Antônio Assis Bispo de Belém

Introdução

De 06-09 de maio de 2022 aconteceu em Santarém o IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal, para a celebração dos 50 anos do Encontro dos bispos da Amazônia acontecido na mesma cidade de 24-30 de maio de 1972.

Ao final desse encontro os bispos participantes definiram quatro prioridades para orientar a ação pastoral da Igreja Católica na Amazônia. O documento de Santarém é fruto de um trabalho reflexivo, crítico e profético que refletia a profunda inserção da Igreja na realidade Amazônica. As linhas prioritárias desse documento simples e provocante são inspiradas em duas diretrizes fundamentais que perpassavam a totalidade da vida pastoral da Igreja, a saber, o princípio da encarnação na realidade e a evangelização libertadora.

Fazer memória desse documento é importante por diversos motivos: as diretrizes e prioridades são consequências da assimilação da mentalidade pastoral do Concílio Vaticano II (1962-1965); são compromissos permanentes que continuam válidos ainda hoje; os pastores da Amazônia manifestaram-se zelosos pela fidelidade a Jesus Cristo, ao magistério da Igreja, ao ser humano manifestando-se sensíveis aos sinais dos tempos.

Os problemas denunciados sofreram mudanças e se ampliaram; os desafios pastorais persistem e a esperança continua. Trata-se de um documento profundamente sensível, cheio de compaixão e otimista proveniente de uma Igreja que vive “as alegrias as esperanças, as tristezas e as angústias” do povo amazônida.

 

  1. O contexto histórico eclesial

Para bem entendermos o conteúdo do Documento de Santarém é necessário considerarmos o contexto eclesial daquele período, que estava em estreita sintonia com as diretrizes e orientações pastorais do Concílio Ecumênico Vaticano II e das conclusões da II Conferência do episcopado latino-americano (documento de Medellin, 1968).

O Concílio, na Constituição Pastoral Gaudium Et Spes (GS), afirmou que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; “a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história” (GS,1). É “lei de toda a evangelização” o cultivo do respeito para com a dignidade humana e a sensibilidade para com a realidade existencial de cada povo com suas riquezas e fragilidades (cf. GS,44). Há múltiplos laços entre evangelização e cultura humana (cf. GS, 58).

Nesta mesma linha de sensibilidade para com a encarnação nas realidades humanas está o decreto “Ad Gentes” sobre a atividade missionária da Igreja afirmando a necessidade da evangelização sintonizar-se com as atitudes de Cristo em seu diálogo com a humanidade para libertá-la (cf. AG,11). Na Conferência de Medellin (Colômbia, 1968), os bispos declararam: “o episcopado latino-americano não pode ficar indiferente ante as tremendas injustiças sociais existentes na América Latina, que mantêm a maioria de nossos povos numa dolorosa pobreza, que em muitos casos chega a ser miséria desumana. Um surdo clamor nasce de milhões de homens, pedindo a seus pastores uma libertação que não lhes chega de nenhuma parte. Queremos, como bispos, nos aproximar cada vez com maior simplicidade e sincera fraternidade, dos pobres, tornando possível e acolhedor o seu acesso até nós. Devemos tornar mais aguda a consciência do dever de solidariedade para com os pobres; exigência da caridade” (Medellin, XIV).

 

  1. O contexto amazônico

A realidade Amazônica é vista pelos bispos como terra de esperança, de futuro, mas estava passando por um processo de “trepidante transformação” com muitas ameaças. Nesse delicado contexto os bispos reafirmam os valores humanos e sociais do povo amazônida caracterizado pela simplicidade, espontaneidade, fortaleza, religiosidade, vínculo com a natureza. Diversos fatores estavam contribuindo para as transformações econômicas e sociais da Amazônia como, por exemplo, a abertura de novas estradas, a criação de novas vilas de colonização, a publicidade governamental que estimulava a ocupação da Amazônia. O desenvolvimento econômico, porém, ameaçava o próprio homem, gerando a violação de direitos básicos, promovendo a injusta distribuição dos recursos materiais etc. Diante desse cenário os bispos acusaram graves consequências para o povo como novas formas de marginalização e opressão.

Tais denúncias, vistas dentro do seu contexto histórico da ditadura militar, podem ser classificadas como verdadeiramente corajosas, honestas e coerentes com o evangelho e a dignidade humana. Isso representa a firmeza profética e a liberdade dos bispos da Amazônia profundamente voltados para a promoção da vida do povo em total coerência com os valores do Reino de Deus

 

  1. Prioridades Pastorais

Diante de muitos desafios em diversas dimensões que estavam presentes nas diversas Prelazias e Dioceses da Amazônia, os bispos assumiram quatro grandes temas como compromissos prioritários, a saber: a formação de agentes de pastorais, a promoção da Comunidade Eclesial de Base, a pastoral indígena e a atenção aos novos desafios.

3.1. Na formação dos agentes de pastoral deu-se importância à promoção dos ministérios leigos, sobretudo, a capacitação de lideranças, diáconos, ministros da Eucaristia, dirigentes de cultos e de comunidades da própria região; também estimulou-se a promoção de leigos voluntários de outras regiões. O processo de formação dos leigos, com níveis variados, propunha dar atenção à teologia, catequese, bíblia, liturgia, antropologia, sociologia, psicologia, pedagogia, liderança etc. Para a formação integral dos candidatos ao sacerdócio ministerial, sugeriu-se a criação do Instituto Regional de Pastoral (IPAR) em Belém e o CENESCH em Manaus (ambos fundados em 1972);

3.2. No que diz respeito às comunidades eclesiais de base deviam ser orientadas pelas diretrizes do documento de Medellin como primeiro e fundamental núcleo eclesial responsável pela riqueza e expansão da fé, como célula inicial de estruturação eclesial, foco de evangelização, promoção humana e desenvolvimento. As paróquias foram chamadas a descentralizar sua ação pastoral, fundando Comunidades nos mais diversos contextos urbanos e rurais;

3.3. A pastoral indígena era uma resposta pastoral aos desafios e ameaças à população indígena tratada com indiferença em seus valores culturais. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que havia sido recém-criado em Brasília, foi visto como “órgão providencial” a serviço do índio e das missões indígenas devendo orientar suas atividades pastorais pela Declaração Universal dos Direitos do homem, em princípios antropológicos e teológicos.

3.4. A atenção aos novos desafios:  os muitos desafios exigiam um olhar pastoral multilateral; nesse contexto os bispos manifestaram-se atentos ao surgimento das novas estradas, novos núcleos de colonização, agrovilas, conflitos agrários, inobservância das leis trabalhistas, mineração, garimpos, serrarias, fazendas agropecuárias, olarias, usinas, imigrantes, meios de comunicação social. Todos esses fenômenos não passaram despercebidos aos olhos daqueles sensíveis pastores.

 

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Como está a sensibilidade da sua comunidade ou paróquia para com a realidade?
  2. Por que a evangelização deve ser encarnada e libertadora?
  3. Como podemos continuamente alimentar a nossa inquietude missionária e profética?

 

 

Foto: Renan Rosário, PASCOM Regional Norte 2