por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém
Para quem está lidando ordinariamente com catequizandos (crianças, adolescentes e jovens) em suas diversas etapas da Iniciação à Vida Cristã, certamente está percebendo que, cada vez mais, se tornam evidentes graves problemas existenciais pessoais e familiares. Nas últimas sentadas para confessar durante um acampamento, percebi que grande parte deles começava a confissão chorando, ato revelador de profundo sofrimento para eles.
Às vezes, muito mais do que a consciência de pecado, está em evidência o peso de uma vida oprimida por tantos male (incompreensão, ausência de referências, solidão, autoagressividade…). A catequese deve ser portadora do Evangelho da Vida, rico de compaixão, que leva conforto, serenidade, esperança e a verdade que liberta (cf. Jo 8,32). Diante de uma pessoa psicologicamente vulnerável e afetivamente fragilizada, uma atitude seca e doutrinarista gera uma profunda decepção.
Na Carta encíclica Evangelium Vitae (1995), o papa João Paulo II, refletindo sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana fala da necessidade da “educação para a Vida” que comporta a formação para os valores morais, a compreensão do sentido da vida, do sofrimento e da morte (cf. EV, 7.26.50.97-98). Tanto a educação familiar, escolar, quanto a catequese, estão todas irrenunciavelmente comprometidas com a promoção da educação para a vida e com o crescimento na sensibilidade para a percepção das múltiplas ameaças à existência. Fé e Vida caminham juntas; a Fé sem amor à vida, é vazia! Logo, educar a Fé, é estimular a paixão pela vida que implica a rejeição de tudo o que a agride.
- Dar atenção à situação existencial
Não se pode pretender catequizar sem interesse pela realidade da vida do catequizando, desconsiderando o seu contexto sociocultural e sua situação existencial. Jesus Cristo sempre acolhia todas as pessoas e lhes dava atenção na situação em que elas se encontravam dando respostas concretas para seus problemas. A pregação não estava isolada! Ele não só contemplava as realidades (porque saía), mas era compassivo, tomava iniciativas (cf. Mt 14,14;15,32; Mc 6,34;8,32).
No contexto urbano é significativo o percentual de catequizandos marcados por graves problemas como: a pobreza, miséria, conflitos familiares, vícios, dependência tecnológica, carência afetiva, violências (física, psicológica, afetiva, sexual, simbólica, religiosa…), aliciamentos, traumas, complexos, transtornos mentais, drogadição, vazio existencial, desânimo, baixa-autoestima, agressividade, bullying, automutilação, solidão, apatia, tentativas suicidas, assédios, abuso sexual, pressão materialista… Como pode um catequizando alegrar-se com sua Fé se vive oprimido e violentado no seu cotidiano? A catequese perde sua função se não for sensível à necessidade do processo de educação para o sentido da vida.
A catequese deve abraçar a totalidade da vida dos catequizandos; para isso é necessário conhecer a realidade existencial deles, ser sensível; deve gerar impacto em todas as dimensões estimulando delicadamente processos de integração, resiliência, mudanças!
A autêntica catequese deve dar atenção ao desafio do aprofundamento do sentido da Vida, da saúde integral, senso fraternal, felicidade pessoal. A Catequese deve estimular processos de experiência do Amor de Deus do qual provém o amor pela Vida, a alegria, a esperança, a paixão pela ética, pela virtudes, pela paz, fraternidade, projeto de vida, santidade. Por isso o reducionismo doutrinário atenta contra o Reino de Deus, que é a meta da catequese!
Um adolescente ou jovem catequizando estudioso da doutrina cristã, mas profundamente isolado e agressivo em casa com os pais e irmãos e, por outro ainda viciado, está percorrendo um caminho catequética esquizofrênico. Algo está sendo insuficiente e o processo de imersão na Vida cristã não está acontecendo! A Iniciação à Vida Cristã não é um percurso técnico, acadêmico e nem puramente doutrinal. Sem a dimensão moral e socioafetiva não haverá verdadeiro testemunho de vida cristã que é holístico, abraçando todas as dimensões.
O catequista, antes de querer ensinar e apresentar preceitos, deve aprender a acolher e ouvir seus catequizandos, em seguida, sair para visitá-los, conhecer a realidade sociofamiliar deles, interagir com seus pais e responsáveis, dialogar, refletir os dados colhidos, agir estimulando processos de ressignificação da Vida dos catequizandos e de suas famílias marcadas também por muitas dores, traumas, inseguranças, angústias, sofrimentos, carências… E também testemunhar seus valores, a fé, suas lutas, inquietudes e sonhos. Em muitos casos, os problemas dos catequizandos e de suas famílias, se identicam com os mesmos problemas dos filhos de muitos catequistas e seus problemas familiares! Isso constitui um estímulo a mais para o aprofundamento da sensibilidade bioética da catequese.
A questão fundamental e objetivo primordial da Catequese não deve ser a obsessão pela apresentação da doutrina, mas favorecer aos catequizandos uma experiência do Amor misericordioso de Deus que o educa a desejar o Bem, a ser Bom, amar, servir! Isso é possível à medida que se reforça a dimensão socioafetiva da catequese. A frieza doutrinal esvazia o sentido da catequese e forma fundamentalistas! A Catequese deve estimular no catequizando o desejo de bondade necessária para a Vida eterna (cf. Lucas 10,25.29; Mt 25,31-46).
- Catequese e bioética
A Catequese é chamada a ser biófila, ou seja, amante do ser humano, apaixonada pela vida, sensível aos problemas sociais e a tudo aquilo que diz respeito ao universo biológico. Nesse universo estão presentes, não somente a qualidade do relacionamento com os seres humanos, mas também o digno tratamento dos animais e a preocupação com o meio ambiente. A ideia de cuidado com a “Casa Comum” deve também ser proposta na Catequese (cf. Laudato Sì).
A sensibilidade bioética da Catequese demanda muitas atitudes afetivas e pedagógicas do catequista, como por exemplo: saber acolher, ser afetivo, ser capaz de escutar, ter espírito de iniciativa para visitar os catequizandos, ter mentalidade aberta, buscar parceiros para ajudar a quem precisa, criar clima humano (amizade) nos encontros catequéticos, estimular campanhas de solidariedade, educar para o respeito incondicional das pessoas, sensibilizar para a não violência e a experiência da compaixão. Crianças e adolescentes, quando educados para a compaixão, são capazes de atitudes admiráveis.
A Catequese deve despertar nos catequizandos a paixão pela Vida, o respeito pela dignidade humana, o conhecimento dos direitos humanos, estimular a sensibilidade para com os problemas sociais a partir das atitudes de Jesus Cristo… Progressivamente e com linguagem adequada de acordo com as fases de amadurecimento. Nos Evangelhos encontramos muitas passagens ricas de inspirações e de estímulos para o cuidado, como por exemplo: a parábola do bom samaritano, a parábola do rico e Lázaro, a parábola do Pai Misericordioso, a parábola do juízo final etc. Sem contar muitas passagens reveladoras da bondade de Jesus agindo em prol dos pobres, doentes, sofredores, pagãos.
- A importância da interdisciplinaridade da Catequese
A promoção da cultura da compaixão e do cuidado, ricas de espírito de iniciativa, exigem abertura da pastoral catequética para a interdisciplinaridade. A consciência da necessidade da interdisciplinaridade da Catequese deve levar os catequistas à interação com profissionais como assistentes sociais, pedagogos, médicos, psicólogos, para que juntos, planejem atividades estratégicas para contribuir com a promoção do sentido da Vida e da Saúde integral dos catequizandos. Não se pode esquecer que o catequizando é também um filho, estudante, cidadão…
A catequese não pode ser desconectada da sua meta que é formar discípulos missionários compromissados com a promoção do Reino de Deus. Para isso, através da Leitura Orante, pode muito incentivar o conhecimento e o encontro com Jesus o Senhor da Vida, sensível aos problemas humanos e cheio de compaixão. A educação para a compaixão só é possível através de experiências educativas como visitas a doentes, à área de grande pobreza, asilos e abrigos; contato com moradores de rua ouvindo suas histórias, promovendo feiras e campanhas da solidariedade, assistindo filmes, ouvindo testemunhos, promovendo rodas de conversas, programando todos os anos a Jornada mundial dos pobres.
A sensibilidade bioética da catequese pode contribuir com a promoção da cultura da paz, da acolhida fraterna, eliminar barreiras entre ricos e pobres, destruir preconceitos, estimular a cultura da amizade, reduzindo a banalização da violência e o mal social da indiferença. Dessa forma a catequese muito contribuirá com a “cultura bioética”, a “civilização do Amor”, a “cultura de paz”.
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
- Por que os problemas existenciais interessam à Pastoral Catequética?
- Como podemos fortalecer a interdisciplinaridade da Catequese?
- Quais atividades pedagógicas a Pastoral Catequética pode promover para estimular o sentido da Vida?