por Dom Pedro José Conti
Bispo da Diocese de Macapá
Falar de caça hoje é antiecológico, mas houve um tempo que caçar fazia parte da vida e da sobrevivência humana. Certo dia, lá na África, um caçador pediu a um feiticeiro que inventasse alguma coisa para facilitar o seu trabalho. Depois de muitas tentativas, o dito feiticeiro lhe entregou uma flauta mágica que, ao ser tocada, amansava e fazia dançar qualquer animal por mais feroz que fosse. O caçador achou por bem convidar alguns amigos para uma caçada. O grupo encontrou um tigre faminto. Logo tocaram a flauta. O tigre começou a dançar e levou um tiro certeiro. Em seguida avistaram dois leopardos que estavam se aproximando. Novamente tocaram a flauta e os dois leopardo acabaram mortos. Já estavam voltando para casa quando apareceu um leão na frente deles. Tocaram a flauta, mas o leão não começou a dançar. Desesperados, os pobres caçadores continuaram a tocar, mas foram devorados pelo leão brabo. Simplesmente, o leão era surdo e não podia ouvir a música da flauta mágica.
No evangelho de Marcos do Décimo Domingo do tempo Comum encontramos mais uma disputa de Jesus com os seus adversários. Eles o acusam de usar do poder do “príncipe dos demônios” para libertar as pessoas de diversos tipos de doenças. Por serem inexplicáveis naquele tempo, muitas enfermidades eram consideradas possessões de espíritos maus. Jesus aproveita da contradição do raciocínio deles para silenciá-los. Se fosse verdade o que eles dizem o próprio Belzebu estaria contra os demais demônios. Uma família dividida não pode manter-se e se tiver um homem forte defendendo a sua casa, nenhum ladrão, sem vencê-lo, conseguiria entrar para roubar. Portanto, somente alguém mais forte do que Belzebu pode derrotá-lo e vencer os demais espíritos maus. Esta “força” que age em Jesus e que liberta tem nome, é o espírito bom, o Espírito Santo de Deus. Quem blasfemar contra ele não será perdoado porque não acreditou no poder do amor de Deus que está se manifestando no profeta de Nazaré. Pelo evangelho aprendemos também que muita gente procurava Jesus e que ele e os seus discípulos não conseguiam nem comer. Talvez foi por isso e pelas disputas acirradas com os mestres da Lei e os fariseus que os parentes quiseram “agarrá-lo” e, com isso, protege-lo. Em resposta Jesus nos deixou mais uma lição sobre os seus verdadeiros amigos e irmãos: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,35).
De uma forma ou de outra, todos nós fazemos a experiência de forças opostas que lutam entre si. Pode ser uma dificuldade que não sabemos como superar, uma pessoa com a qual temos problemas para lidar. Pode ser, enfim, a luta de sempre, entre, digamos, o bem e o mal ou, ao menos o que nós percebemos como um bem e outra realidade que consideramos errada e má. Gostaríamos que vencesse sempre o bem, nos alegraríamos muito com a solução de tantos conflitos que nos afligem pessoalmente, fazem sofrer as nossas famílias e outros gravíssimos que atormentam a humanidade inteira. Muitas vezes, nos sentimos incapazes de superar as dificuldades e, infelizmente, acabamos achando que seja inútil lutar, que o mal nunca será derrotado e que nunca veremos a luz do bem vencer as trevas do ódio, da violência e da maldade. É assim que caímos no pecado contra o Espírito Santo, o pecado do desânimo e da dúvida, de achar que o “demônio” e todos os males da vida tenham sempre a última palavra. Pior ainda quando caímos na tentação de ficar do lado do mal já que nos parece tão forte e invencível, quando esquecemos que é mais larga a porta e mais espaçoso o caminho que leva à perdição e que, ao contrário, “estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à vida” (Mt 7,13-14). Como e com Jesus sabemos que é o caminho da cruz que conduz à vitória pascal sobre o mal e a morte. O “segredo”, portanto, não é nenhuma flauta mágica, é escutar bem, entender e praticar a “vontade de Deus”, aquele Deus Pai que Jesus veio nos fazer conhecer. Precisamos sempre de muita fé, esperança e amor. Serve perseverança; mágicas, não resolvem.