por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá
A acolhida é um dom divino e é também um dos compromissos dos fiéis seguidores e seguidoras do Senhor Jesus, uma vez que Ele quer ser amado por todas as pessoas mas sobretudo por aquelas mais necessitadas, porque nelas Ele se faz presente (cfr. Mt 25, 40). Nós estamos passando por muitas guerras, fome, violências de modo que muitas pessoas necessitam migrar para outros países ou comunidades. É importante perceber a atuação da Igreja nos séculos IV e V através dos bispos, sacerdotes, leigos e leigas, os santos padres que deram um bom testemunho assumindo atitudes acolhedoras para o povo simples, pobre que vinha de longe em relação às suas comunidades.
A face do nosso Salvador
São Gregório de Nissa, bispo do século IV afirmou a presença do Senhor Jesus na face de pessoas nuas e sem teto. Às portas de muitos fiéis existia uma multidão de prisioneiros, e dentre estes, não faltavam estrangeiros e emigrantes que estendiam a mão para uma ajuda. Muitos deles se refugiavam nas grutas, mas também encontravam pessoas de boa vontade que os alimentavam. Em relação à bebida, tomavam as águas nas fontes como os animais[1].
Desde o princípio não era assim
São Gregório de Nissa tinha presente a vida primitiva quando Deus criou tão bem as coisas e as pessoas (cfr. Gn 1). Esta vida errante e selvagem não foi assim desde o principio, mas era conseqüência das desventuras, das injustiças, e dos sofrimentos humanos[2]. Por isso o bispo convocava as pessoas para que o jejum realizado ajudasse aquelas pessoas. A generosidade fosse dada aos infelizes, pessoas mais necessitadas. As coisas poupadas ao seu estômago fossem concedidas ao faminto, porque um justo temor de Deus produziria a igualdade.
O Verbo eterno de Deus
São Gregório também dizia que as melhorias das coisas não fossem só belas conversas para modificar a vida de quem estivesse na miséria, mas sim houvesse a caridade, o amor. Um bom desejo que viria do coração para se tornar realidade pela ação humana visasse o amor para com os pobres. O Verbo eterno de Deus dê a eles a casa, a cama, a mesa, através da palavra dos servos, servas, porque com os bens que a pessoa teria, procurasse aquilo que mais servisse aos mais pobres[3].
A pessoa também era pobre
O Nisseno afirmava que ainda que a pessoa dissesse que também ela era pobre, ela deveria dar aquilo que tem para pessoas mais pobres, porque Deus não pede além das próprias forças. Se uma pessoa desse um pão, outra ajudasse com uma bebida, um outro ainda concedesse uma roupa, um pouco de solidariedade libertar-se-iam alguma ou mais pessoas, das desgraça, dos sofrimentos do qual muitas passavam. As moedas da viúva foram bem consideradas pelo Senhor porque ela deu muito mais do que os outros (cfr. Lc 21, 1-4)[4].
O rosto do Senhor
São Gregório convidava as pessoas para não desprezar os pobres que estivessem no chão como se não merecessem nada. Eles estavam naquela situação porque pediam ajuda para quem tivessem mais condições de vida. Eles possuíam uma dignidade pelo fato de que eles revestiram a face do nosso Salvador[5].
O benefício da hospitalidade
Evágrio Pôntico, monge do século IV dizia que a hospitalidade trazia benefícios seja para a pessoa que necessita, seja para quem a recebe. Como a pessoa não mostraria bondade e caridade para com o irmão por ele ser membro da caridade portadora de Cristo? Se uma pessoa vier a fazer-lhe uma visita, seja caritativa para com ela, porque trata-se da visita do Senhor. O monge afirmava que não se podia dizer que as visitas das pessoas fossem um incômodo, mas era uma ajuda na luta contra a falange do Adversário porque unidos pelo vinculo da caridade, afastaremos o mal e transferiremos o fruto do trabalho das nossas mãos no tesouro da hospitalidade[6].
O colírio de Deus
O monge Evágrio também afirmou que o hóspede e o pobre são o colírio de Deus (cfr. Ap 3,18). Quem os acolhe recuperará logo a vista[7]. O Deus que seguimos e adoramos quer o bem de todas as pessoas, sobretudo dos pobres e dos marginalizados. A Sagrada Escritura tem presente a predileção do Senhor para as pessoas que são mais necessitadas.
O estrangeiro e o peregrino
São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla, nos séculos IV e V dizia que os santos eram estrangeiros e peregrinos neste mundo em vista do Reino dos céus. Abraão declarou-se ser uma pessoa estrangeira e peregrina porque ele saiu de uma terra distante para fazer a vontade de Deus (cfr. Gn 12,1). O rei Davi também disse que era estrangeiro e peregrino como todos os seus pais (cfr. Sl 38,13). Os santos habitavam em tendas e compravam com o seu dinheiro as sepulturas aparecendo de uma forma clara que eram estrangeiros, pois eles não tinham local onde sepultar os seus mortos. O Senhor disse a Abraão de abandonar a sua terra e de ir numa terra estrangeira (cfr. Gn 12,1). Desta forma ele praticou a virtude humana da hospitalidade, preparando-se para a vida divina através da hospitalidade e da caridade fraterna[8].
Nós vimos as manifestações dos autores cristãos, os padres da Igreja que elaboraram aspectos da hospitalidade cristã, tendo como ponto essencial Jesus Cristo que veio do Pai e pedia aos seus discípulos, discípulas a acolhida de muitas pessoas. Nós somos chamados a viver a Palavra de Deus que nos chama à conversão de vida, assumirmos obras de caridade para um dia participarmos do Reino dos céus.
[1] Cfr. Omelie sull’amore per i poveri 1,4-5,7 di Gregorio de Nissa. In: “Non dimenticate L´ospitalità”. Antologia dai Padri della Chiesa. Milano, Paoline, 2022, pgs. 106-107
[2] Cfr. Idem, pg. 107.
[3] Cfr. Ibidem, pg. 107.
[4] Cfr. Ibidem, pg. 107.
[5] Cfr. Ibidem, pg. 108.
[6] Cfr. A Eulogio 24 di Evagrio Pontico. In: “Non dimenticate L´ospitalità”. Antologia dai Padri della Chiesa, pgs 112-113.
[7] Cfr. Sentenze spirituali 14. In: Idem, pg. 114.
[8] Cfr. Omelie sulla Lettera agli Ebrei 24,2 di San Giovanni Crisostomo. In: Idem, pg. 131.