por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá
Jesus contou para os seus discípulos a parábola do homem que tinha muitas riquezas, e de uma pessoa muito pobre, Lázaro (cfr. Lc, 16,19-31). Os dois estavam próximos e ao mesmo tempo distantes. O Senhor quis dizer que a vida eterna ou a condenação eterna iniciam neste mundo e no julgamento após a morte as coisas se darão conforme a vida vivida neste mundo. A seguir veremos nós a interpretação dada por Santo Ambrósio, Bispo de Milão no final do século IV.
A vestimenta de púrpura
A parábola colocou a realidade de uma pessoa com muitas riquezas e outra com a pobreza. A pessoa rica se vestia de púrpura, de modo a ter mundanas delícias. A pessoa se aproveitava destas situações não se importando com a vida das pessoas, sobretudo das pessoas mais necessitadas. Ela estava no deleite das realidades presentes, parecendo que tudo andasse bem[1]. Mas nesse caso ele só vivia para ele, não se importando com a vida das outras pessoas.
A figura do pobre
Lázaro era pobre, buscando sempre ajudas mas estas foram negadas pela pessoa rica. A pessoa que tinha mais condições para ajudar a pessoa pobre ficou indiferente às suas solicitações. Segundo Santo Ambrósio era ele pobre neste mundo, mas era rico diante de Deus[2]. Ele era pobre em palavra, mas era rico na fé (cfr. Tg 2,5), no amor.
A fé de Lázaro
Santo Ambrósio afirmou que a passagem da Sagrada Escritura aludiria a fé de Lázaro e que foi rejeitada da mesa do rico. Suas feridas sem dúvida horrorizaram o desgostoso rico porque em meio aos seus suntuosos banquetes, na companhia de perfumados convivas certamente não tolerava o mau cheiro daquelas feridas, enquanto os cães as lambiam, porque para o rico o odor do ar da própria natureza proporcionava repugnância[3].
Alheios à condição humana
A parábola colocou insolência e a altivez da pessoa rica traduzida em sinais apropriados, pois ela era de maneira alheia à condição humana, indiferente ao sofrimento do pobre, como se estivesse situado acima da natureza humana, encontrando nas misérias dos pobres, incentivos a seus prazeres, chegando a rir do miserável, insultar o faminto e despojar-se daqueles de quem conviria apiedar-se com amor[4].
A comida do pão e a evangelização dos pagãos
Certamente Lázaro não teve a graça da comida do pão material. Ele a terá do pão espiritual, a vida eterna com o Senhor Jesus. Santo Ambrósio colocou um ponto importante da evangelização dos povos pagãos, a sua vocação, sendo como que as feridas lambidas pelos cães: “Voltarão ao entardecer, e terão fome como cães”(Sl 58,15). Ou mesmo como o reconhecimento do mistério da cananéia quando o Senhor disse para ela que “Ninguém toma o pão dos filhos e o lança aos cães”(Mt 15,26). A mulher cananéia afirmou que os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos (cfr. Mt 15,27). Estas migalhas são do pão que é o Verbo, e a fé no Verbo, as migalhas como pontos fundamentais da doutrina da fé em Jesus. Por isso Jesus disse para ela que grande era a sua fé (cfr. Mt 15,28)[5].
Louvor às coisas
Santo Ambrósio louvou as situações de vida do pobre Lázaro, no sentido que aquelas feridas impediram uma dor perpétua como a pessoa que estava na riqueza. As migalhas seriam especiais, pois elas repeliram um sempiterno jejum que seriam após a morte cumulados de eternos alimentos. As migalhas eram as palavras das Escrituras, que dão vida e salvação às pessoas[6]. Santo Ambrósio colocou a pobreza como sinal de confiança dos pobres em Deus, de libertação para uma vida digna, como as bem-aventuranças tem presentes (cfr. Lc 6, 20).
O grande abismo
Entre o rico e o pobre, houve um grande abismo, porque após a morte os méritos ou os sofrimentos não puderam mudar-se de modo que o pobre estava no seio de Abraão, na felicidade e o rico foi colocado no inferno, desejoso de haurir, buscar no patriarca e nele uma brisa refrescante (cfr. Lc 16,22-24)[7]. O valor da água é importante porque ela é também o refrigério da alma posta entre dores, na qual o profeta Isaias afirmou que brotará água com deleite das fontes da salvação (cfr. Is 12,3). Existe segundo o Bispo de Milão a tortura antes do julgamento porque para o luxurioso carecer de delícias seria uma pena tendo presentes as palavras do Senhor que haverá choro e ranger de dentes, quando as pessoas virem Abraão, Isaac e Jacó e todos os profetas no Reino de Deus (cfr. Lc 16,9)[8].
Ser mestre
A parábola quer ensinar às pessoas, o valor da partilha, a busca pelo bem, pela paz e o amor entre as pessoas com Deus, para ser mestre em Deus. A situação foi contrária à pessoa rica, quando tinha um tempo para aprender, para viver o amor, mas ela se fechou aos sofrimentos das pessoas. A passagem da Escritura quis colocar pelo ensinamento do Mestre Jesus que o Antigo Testamento era o fundamento da fé, da esperança e do amor, até a sua vinda, sendo desta forma, o cumpridor das Escrituras. O ensinamento fundamental da parábola é a doação das coisas para as pessoas mais necessitadas em vida, doar aos pobres[9], os prediletos do Reino dos céus (cfr. Lc 6,20).
[1] Cfr. Comentário ao Evangelho de São Lucas, Livro 8 (Lc 16,14-19,27), 13. In: Santo Ambrósio. São Paulo: Paulus, 2022, pg. 513.
[2] Cfr. Idem, pg. 514.
[3] Cfr. Ibidem, 14.
[4] Cfr. Ibidem, pgs. 514-515.
[5] Cfr. Ibidem, 15, pg. 515.
[6] Cfr. Ibidem.
[7] Cfr. Ibidem, 18, pg. 517.
[8] Cfr. Ibidem.
[9] Cfr. Ibidem, 19-20, pg. 517.