A SENSIBILIDADE SOCIAL NOS ATOS DOS APÓSTOLOS (Parte 6)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro

Bispo Auxiliar na Arquidiocese de Belém do Pará

Introdução

A sensibilidade social de Jesus foi muito bem assimilada pelos doze, com exceção de Judas Iscariotes que, atraído pelo dinheiro, acabou-se tragicamente (cf. Mt 27,1-6). Por outro lado, a partir do testemunho presente nos diversos escritos do Novo Testamento, além dos Evangelhos, percebemos que as primeiras comunidades foram movidas por uma grande sensibilidade social. Comecemos esse aprofundamento a partir dos Atos dos Apóstolos.

É muito importante a que a catequese considere essa forte sensibilidade social das primeiras comunidades. Nelas não havia somente a liturgia e as celebrações da Fração do Pão (a Eucaristia), mas também um profundo compromisso de testemunho da Caridade que dava respostas concretas aos problemas comunitários e sociais. Vejamos alguns exemplos de sensibilidade social nos Atos dos Apóstolos.

 

  1. A viva memória de Jesus de Nazaré

As comunidades primitivas fizeram todo esforço possível para consolidar a memória viva de Jesus de Nazaré como um homem profundamente sensível que, no meio do povo, realizou milagres, prodígios e sinais de bondade (cf. At 2,22). Ele passou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos (cf. At 10,38). Os apóstolos eram continuadores da sua missão com seus gestos, palavras e atitudes.  Jesus continuava vivo através deles.

A rejeição da violência é um dos primeiros temas sociais tratados nos Atos dos apóstolos. Nos primeiros capítulos, encontramos não só o testemunho sobre a ressurreição de Jesus, mas também a paixão de Deus pela vida e a rejeição a toda e qualquer forma de violência (cf. At 2,24). Deus não quer o abandono de seus filhos no reino da morte e sempre lhes ensina os caminhos da vida (cf. At 2,27).

  1. Os retratos da comunidade primitiva

Nos diversos retratos da comunidade primitiva encontramos uma profunda sensibilidade social. As narrações, muito mais do que ressaltar fatos pontuais, nos apresentam o perfil moral da Comunidade. O primeiro retrato da comunidade primitiva apresenta a experiência de comunhão fraterna, prodígios e sinais que eram realizados pelos apóstolos (cf. At 2,42-43). A sensibilidade social de uma comunidade cristã é consequência da qualidade da sua vida interna. Os que abraçavam a fé eram capazes de compartilhar o que tinham e, dessa forma,  ninguém passava necessidade (cf. At 2,44-45). Essa qualidade de vida interna e a sensibilidade social da comunidade gerava impacto muito positivo e a comunidade crescia (cf. At 2,47). Ao contrário, o intimismo de uma comunidade, fechando-se em si mesma, produz consequências contrárias, e assim se empobrece, se enfraquece e morre.

No segundo retrato da comunidade primitiva diversas características sociais se repetem (cf. At 3,32-35), mas observamos outro elemento: o exemplo concreto de José, levita nascido em Chipre, apelidado pelos apóstolos com o nome de Barnabé, que significa «filho da exortação» que vendeu o campo que possuía, trouxe o dinheiro e o colocou aos pés dos apóstolos (cf. At 3,36-37). Esse exemplo nos diz que a sensibilidade social de uma comunidade é consequência da solidariedade dos seus comunitários.

No terceiro retrato da comunidade (cf. At 5,12-16), ressalta-se a grande sensibilidade que a comunidade tinha para com os doentes que até eram transportados em esteiras e macas para as praças “para que Pedro, ao passar, pelo menos a sua sombra cobrisse alguns deles” (At 5,15) e outros doentes de diversas cidades vizinhas também eram curados de males físicos e espirituais (cf. At 5,16). Neste terceiro retrato da comunidade primitiva podemos notar a evidente preocupação com a saúde integral das pessoas. Essa questão é sintetizada no milagre de Pedro e João na porta formosa do templo quando estavam indo para a oração das três horas da tarde. Os apóstolos rejeitaram o pedido de esmola daquele homem. Mas Pedro, lhe declarou: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu lhe dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareu, levante-se e comece a andar!» (At 3,7). Pedro o ajudou a levantar-se e o homem ficou curado (cf. At 3,7-8). A mensagem parece ser bem clara para os líderes da Igreja: eles não podem ser insensíveis diante das misérias humanas. Culto ao Senhor da vida e esmola, não combinam.

Nessa narração há outra questão importante: a Igreja dá a sua contribuição na promoção da dignidade humana em nome de Jesus Cristo e não por causa da política ou das ciências. Por isso disse Pedro com firmeza: “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareu, levanta-te e anda” (At 3,7). Há uma íntima relação entre evangelização e promoção da dignidade humana.

Outro retrato da comunidade primitiva encontramos no capítulo nove dos Atos dos Apóstolos. Essa narração evidencia a experiência da Paz na comunidade, seu crescimento e a promoção da saúde ao apresentar a cura do paralítico Enéias, morador de Lida (cf. At 9,31-33) e da ressurreição de Tabita, a bondosa moradora de Jope (cf. At 9,38-43). A Evangelização é compromisso com a promoção da vida.

  1. Novas necessidades, novos ministérios

A sensibilidade social da comunidade primitiva também foi evidenciada através da fundação de novos ministérios, como resposta comunitária diante do surgimento de novas necessidades. Uma vez que o número dos discípulos tinha aumentado, os fiéis de origem grega começaram a queixar-se contra os fiéis de origem hebraica dizendo que suas viúvas eram deixadas de lado no atendimento diário. A resposta a essa questão não foi a sobrecarga dos apóstolos, mas foi a promoção de novos servidores. É sinal de sensibilidade social de uma comunidade a convocação e capacitação de novos ministros (cf. At 6,1-6).

Outras situações sociais são acolhidas e geridas pelos Apóstolos como por exemplo:

– Em Listra Paulo cura um homem paralítico das pernas, coxo de nascença (cf. At 14,8);

– Em Filipos Lucas nos apresenta um caso de testemunho de libertação desmascarando  a mentira, o enriquecimento ilícito e a opressão; era o caso de uma jovem escrava que era usada como meio de lucro por seus patrões (cf. At 16,16-24);

– Chegando em Atenas, Paulo não só observa a realidade da cidade mas também começa a dialogar em praça pública com alguns filósofos epicureus e estóicos (cf. At 16,18) e no areópago anuncia uma nova doutrina (cf. At 16,19); Paulo representa a Igreja que tem profunda consciência de sua identidade e é aberta ao diálogo com outras realidades e sujeitos;

– Em Éfeso Paulo se opõe a uma economia promotora da idolatria; os artesãos de ouro e prata que fabricavam peças em prol do culto da deusa Artêmis, liderados por Demétrio, se opuseram duramente a pregação de Paulo (cf. At 19,23-29);

– Enfim, para concluir esta reflexão recordemos a atitude de Paulo defendendo seus direitos apelando para a própria cidadania Romana desejando que o seu caso fosse julgado por César (cf. At 25,1-12); Paulo, enquanto o cidadão romano, apela para o direito de ter uma audiência com o imperador, uma vez que tinha a consciência de estar sofrendo injustiças no seu processo; os membros da Igreja não renunciam seus direitos civis, pois a esperada cidadania celeste compromete os discípulos de Jesus Cristo a cumprir seus deveres de cidadãos terrestres. Dizia São João Bosco para os seus estudantes que a meta da educação dada aos seus alunos era aquela de “formar bons cristãos e honestos cidadãos”.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que mais lhe chamou a atenção quanto à sensibilidade social nos Atos dos Apóstolos?
  2. Qual característica mais lhe chamou a atenção dos retratos da comunidade primitiva?
  3. Quais dos problemas sociais evidenciados ainda se fazem presentes em nossa sociedade?

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