por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá

São João Crisóstomo foi bispo de Constantinopla no final do século IV e início do século V, sendo uma das importantes expressões do episcopado da Patrologia Grega, o Oriente. As suas homilias encantavam o povo de Deus e Ele foi um dos grandes pastores da Igreja, vivendo as dimensões das bem-aventuranças em vista do Reino de Deus. Ele enfrentou autoridades políticas e religiosas em vista do bem comum, da justiça e do amor entre as pessoas, sobretudo com os pobres. Ele foi um fiel seguidor de Jesus Cristo e do apóstolo São Paulo. Nós veremos a seguir como ele interpretou a passagem a respeito da caridade na Primeira Carta aos Coríntios.

A aspiração pelas coisas do alto

São João Crisóstomo afirmou que os cristãos devem aspirar às coisas do alto, ao indicar o caminho (cfr. 1 Cor 12,31) que é a caridade. Desta forma ele introduzirá o capitulo seguinte do apóstolo em relação à caridade. Ele terá presente que sem a caridade, de nada valem os carismas, os serviços, sugerindo desta forma a máxima necessidade de as pessoas se amarem mutuamente, porque a omissão da caridade é a causa de todos os pecados, males. A missão dela é a sua unidade congregando tudo num só corpo[1].

A língua dos anjos e o dom da profecia

No início do capitulo 13 o apóstolo São Paulo disse que ainda que a pessoa falasse a língua dos anjos, a maneira como os anjos se comunicam entre si, sem a caridade, a pessoa não é nada (cfr. 1 Cor 13,1). Sem caridade a pessoa não vive bem. Em seguida diz de uma forma clara que se ainda a pessoa tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência, ainda que a pessoa tivesse a fé na sua totalidade, ao ponto de transportar as montanhas, mas a pessoa não tem caridade, nada é (1Co 13,2)[2]. A pessoa que tiver fé na sua grandeza é chamada a viver na humildade, na sinceridade, na paz e no amor.

O corpo às chamas

Segundo São João Crisóstomo, São Paulo teve presente a pior espécie de morte, o corpo às chamas, ser queimado vivo, mas que esta atitude não tenha caridade, não é ação grandiosa (cfr. 1 Cor 13,3). Tudo deve estar ligado ao próximo. O bispo teve presente à palavra de Jesus que disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Tudo evidencia que o amor é o maior bem. Desta forma a pessoa que passar pela entrega de seu corpo às chamas, terá grande lucro no Senhor, se amar o próximo, porque caso contrário não terá grande proveito[3]. A pessoa que entregar o seu corpo às chamas em nome do Senhor é chamada a amar os outros e a Deus. É o amor que deve chegar à morte pelos seres amados[4]

A descrição da caridade

São João Crisóstomo fez uma descrição da caridade. Talvez o seguidor, a seguidora do Senhor não o tenham ainda olhado bem de perto, mas é necessário vê-la com toda a intensidade. Assim é fundamental pensar quantos bens não se originariam se ela fosse em toda a parte superabundante[5]. Se todas as pessoas se amassem e fossem amadas, nenhuma injustiça se cometeria, e afastar-se-iam para bem longe morticínios, lutas, guerras, seduções, rapinas, avareza e todos os males e os vícios ignorar-se-iam até os seus nomes[6]. O Senhor nos pede pela sua palavra de salvação que o amor a Deus deve estar acima de tudo, bem como o amor ao próximo como a si mesmo (cfr. Mt 22,37-39).

O proveito da caridade

A caridade estabelece grande alegria e amor na alma da pessoa, na vida de cada pessoa. Ela torna as pessoas livres em Cristo Jesus. Quem ama serve as pessoas, ajuda-as a viver melhor no ambiente que vive. Ela torna leve e fácil o que é laborioso, facilita a virtude da própria caridade e dá a graça para superar o pecado[7], porque como diz São Pedro a caridade apaga uma multidão de pecados (cfr. 1Pd 4,8). O fato é que o diadema da caridade assinala o verdadeiro discípulo de Cristo Jesus para todas as pessoas segundo a palavra do Senhor que disse: “Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,35). Jesus Cristo ensinou a todas as pessoas a amar, dando o novo mandamento do amor que Ele cumpriu por atos, dando a sua vida pela salvação da humanidade (cfr. Jo 13,1), passando pela morte, dando o seu perdão aos que o insultavam(Lc 23,34), até chegar à glória da ressurreição[8].

A caridade elimina os vícios

O Bispo São João disse em unidade com o apóstolo que a caridade elimina os vícios como a inveja, a ostentação, o orgulho (cfr. 1 Cor 13, 4). A caridade impede que brotem estes vícios, purificando a pessoa para viver bem com Deus e com as pessoas[9]. O bem sempre está prestes a ser assumido para os outros e para Deus. São João teve presentes Jesus como Aquele que viveu a caridade ao extremo por suportar as injúrias na sua paixão e morte, porque considerava tudo isso como glorificação (cfr. Jo 17,1)e também porque introduziu no paraíso o ladrão arrependido (cfr. Lc 23,48)[10].

A caridade nunca passará (cfr. 1 Cor 13,8)

A caridade faz a pessoa amar a todos seres humanos. São João Crisóstomo disse que quem ama, nunca cai na tentação do ódio, seja o que for que acontecer, porque tem presente um bem maior, a caridade[11]. O fiel é chamado a odiar o pecado e não o pecador, para que ele se converta e trilhe o caminho da vida eterna. Nada neste mundo atrai tanto quanto a caridade, porque pela caridade a pessoa será admirada, amada[12]. Se as coisas passarão, jamais a caridade passará, não só no momento presente, mas também no futuro[13].

As três virtudes, fé, esperança e caridade

No momento permanecem a fé, a esperança e a caridade, mas a maior delas é a caridade (cfr. 1 Cor 13, 13). São João disse que a fé e a esperança são virtudes teologais importantes, no entanto, elas passem, mas a maior delas é a caridade[14]. A caridade faz as pessoas buscarem o bem dos outros e a glória de Deus.

Nós percebemos a importância da caridade, sendo a maior virtude porque ela nos faz amar a Deus, ao próximo como a si mesmo. Tudo perpassa pela caridade. Os santos e as santas se fizeram pela caridade dada a Deus e aos seus semelhantes, homens e mulheres, sobretudo o amor pelas pessoas necessitadas. Vivamo-la cada dia, cada momento para assim nos preparar dignamente para o encontro com o Senhor.

[1] Cfr. Homilias sobre a Primeira Carta aos Coríntios, 31,31. In: São João Crisóstomo. Comentário às Cartas de São Paulo/2. São Paulo: Paulus, 2010, pgs. 448-449.

[2] Cfr. Idem, 13,1-2, pgs. 450-451.

[3] Cfr. Ibidem, pg. 452.

[4] Cfr. Ibidem, pg. 454.

[5] Cfr. Ibidem, pg. 455.

[6] Cfr. Ibidem, 455.

[7] Cfr. Ibidem, pg. 457.

[8] Cfr. Ibidem, pgs. 461-462.

[9] Cfr. Ibidem, Trigésima Terceira homilia, 4. Ibidem, pg. 464-465.

[10] Cfr. Ibidem, 5, pg. 466.

[11] Cfr. Ibidem, 8, pg. 471.

[12] Cfr. Ibidem, pg. 474.

[13] Cfr. Ibidem, Trigésima quarta homilia, 8. Ibidem, pg. 480.

[14] Cfr. Ibidem, pgs 483-484.