por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

A experiência da Amizade nos proporciona dois níveis de esperança: o primeiro é aquele mundano, da nossa história, deste mundo no relacionamento com os outros; o outro é a Esperança da vida eterna onde está a plenitude da Amizade. A experiência da amizade neste mundo, marcada pela vulnerabilidade humana, é um esforço necessário que nos prepara para Amizade plena, sem fim, totalmente transcendente, no paraíso.

  1. Nossa realidade existencial

Fatos da vida nos mostram que a experiência da amizade está sempre carregada de esperança. Quantas vezes alguém numa situação difícil pensou: “se eu não encontrar uma saída para essa situação, vou pedir ajuda do meu amigo que certamente vai me ajudar!”. A esperança de poder contar com um amigo, nas horas difíceis, é muito consoladora!

Os amigos são sempre para nós referências de esperança de apoio, ajuda, segurança, alívio, conforto, calmaria, ampliação das perspectivas. Por isso, a amizade é carregada de esperança! Ao contrário, a indiferença ou o “não” dos amigos nos coloca numa situação de total desamparo, piorando nossa vulnerabilidade. Recordemos o drama de Judas Iscariotes que, oprimido pelo sentimento de culpa buscou alguém, mas não encontrando acolhida e atenção, acabou se suicidando (cf. Mt 27,3-5).

Por falta de um verdadeiro amigo, muitos acabaram abraçando a morte e liquidando a própria existência. Por isso, é sempre necessário fazermos todo o possível para ajudar os amigos, mesmo que, às vezes, nos custe e nem sempre podermos resolver seus problemas. Simão Cirineu, não resolveu o problema de Jesus, mas contribuiu para aliviar o seu tormento por alguns minutos (cf. Lc 23,26). É sempre prazeroso ajudar a quem queremos bem. Aliás, é um dever moral que se impõe a nós pelo vínculo do cuidado recíproco. Por outro lado, quem na hora da urgência, não quer incomodar o amigo, está senso orgulhoso, e ainda não amadureceu no sentido da amizade. Sempre que necessário, os amigos se incomodam reciprocamente, pois a solidariedade é uma das mais fortes características da amizade.

O recurso aos amigos como fonte de esperança também pode ser motivado simplesmente pela busca de um conselho, de uma palavra confortadora, de uma ideia inspiradora para a resolução de um problema. Às vezes, uma boa ideia é densa de bons estímulos que desperta o gatilho de muitas respostas para determinadas situações causadora de sofrimento.

Se por um lado “as más companhias corrompem” (1Cor 15,32), também é verdade que as boas companhias são capazes de educar e apontar para o Norte seguro. Os amigos se educam e, por isso, são seguras referências morais para o futuro. Onde há o espírito ético que brota da verdade, do amor e da justiça lá também há Esperança e segurança moral. Os verdadeiros amigos são como que bússolas que a acusam com liberdade sincera, o melhor o rumo que devemos seguir.

  1. Três virtudes inseparáveis

Há um vínculo inseparável entre as três virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade. A fé gera o dinamismo da Esperança voltada para o futuro que se manifesta em nossa história através da Caridade (Amor). Por isso, a tensão para o futuro nunca é espera passiva, mas é ativa, tornando-se visível através da experiência da amizade. A amizade não é uma relação estática, nem presentista, mas aponta para o futuro, a plenitude, pois na Santíssima Trindade está a perfeita Amizade, sem fim.

Os amigos verdadeiros nunca tem prazo de validade, mas sendo profundamente significativos no presente, desafiam o futuro e se encontrarão na vida eterna. Lá faremos a experiência da perfeição nas relações conosco e com os outros. Esse compromisso já começa neste mundo.

A relação entre amizade e esperança é também evidenciada pela natural experiência do cuidado. Os amigos, se cuidam, se protegem, se ajudam, se corrigem… São atitudes que nos apontam para o futuro. Todavia, o egoísmo é consumista, imediatista, fechado sem perspectiva de futuro. Onde impera o egoísmo não há espaço para a Amizade.

Como bem nos fala o Apóstolo São Paulo, “o Amor tudo espera”… mas sobretudo, espera o Todo, que é a plenitude! Deus que é Amor, é a nossa plenitude; Nele está a nossa plena realização. Pois assim diz o salmista: “Guardai-me, ó Deus, porque em vós me refugio! Digo ao Senhor: “Somente vós sois meu Senhor: nenhum bem eu posso achar fora de vós!” (Sl 16,1-2).

  1. A dimensão escatológica da Amizade

O “escaton” é aquilo que é definitivo, irreversível, que virá por último, é o destino final da nossa existência com todos os nossos esforços. Segundo a nossa fé, o destino da nossa Esperança e da prática do Amor é experiência da entrada na plenitude da Amizade e da harmonia com Deus e os outros. É isso que dá o sentido definitivo para o exercício de todos os nossos recursos naturais como a inteligência, a vontade, a liberdade, a afetividade… Todos esses recursos somados com a fé tem uma única meta: o Céu (a Salvação) que é a plenitude da Amizade! E toda autêntica experiência de Amizade aponta para a sua plenitude.

Assim como cremos na esperança de uma sociedade fraterna, justa e pacífica que depende da prática do Amor, de modo semelhante Jesus Cristo na parábola do juízo final, nos diz que não haverá Paraíso para quem não foi capaz de amizade neste mundo, não sendo capaz de praticar a solidariedade, a compaixão, a gratuidade, o respeito, a justiça, o perdão etc (cf. Mt 25,31-46). Na parábola do Rico e Lázaro essa mensagem é muito clara, forte, provocante (cf. Lc 16,19-31).

Na Carta Encíclica Spe Salve (2007), o Papa Bento XVI, refletindo sobre a Esperança Cristã, afirma que “Não é a ciência que redime o homem. O homem é redimido pelo amor. Isto vale já no âmbito deste mundo. Quando alguém experimenta na sua vida um grande amor, conhece um momento de «redenção» que dá um sentido novo à sua vida” (SS,26). A nossa Esperança está no incondicionado Amor de Deus para com a humanidade, como reflete São Paulo: «Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor» (Rm 8,38-39).

A fonte da nossa Esperança é imutável: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem e hoje, e será sempre o mesmo” (Hb 13,8). Essa dinâmica fidelidade do amor divino, alimenta a nossa esperança, nos educa para o permanente cultivo das boas relações com os outros, nos fortalece para a prática das boas obras, nos leva à vida fraterna em comunidade e nos compromete num processo de animação recíproca em vista da Salvação (cf. Hb 10,24-25).

Animados pela Esperança os fiéis discípulos de Jesus Cristo são chamados a perseverarem no amor fraterno, a praticar a hospitalidade (cf. Hb 13,1-2). Nossos amigos não morrem; permanecem vivos em nós e na Vida Eterna estaremos juntos numa qualidade de relação sem nenhuma vulnerabilidade. Assim Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15,28).

No céu ninguém poderá entrar se não estiver em paz com todos. A paz com todos na terra significa aqueles com os quais nos relacionamos, que é um universo reduzido, mas no céu a experiência da Amizade certamente vai nos surpreender, será sem fronteiras.  Por isso, enquanto estamos a caminho da pátria definitiva, somos estimulados pela Esperança a sempre a cultivar um bom relacionamento com todos e, a todos quando necessário, dar o devido perdão e resolver as pendências relacionais; pois não poderemos entrar no céu estando de mal com alguém. O desejo do céu nos educa para a Amizade.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que significa em nossa vida a inseparabilidade da Fé, da Esperança e da Caridade?
  2. O que significa “o Amor tudo espera”?
  3. Por que o desejo do Céu nos educa para a experiência da Amizade?