por Dom Pedro Jose Conti
Bispo da Diocese de Macapá

Justino era um andarilho bastante conhecido pelo seu vigor físico e mental. Não bebia nada que tivesse álcool. Tinha um amigo de infância que constantemente se embriagava. Certo dia, procurou convencê-lo a libertar-se da escravidão do alcoolismo, enfatizando as vantagens e privilégios do seu sistema de vida e apontando os perigos a que o vício poderia conduzir o amigo. Impressionado com os argumentos de Justino, o seu amigo tomou uma decisão: – Bem, vou abandonar as bebidas fortes, mas aos poucos! Justinho, perplexo, retrucou: – Se você fosse envolvido por um incêndio, será que pediria aos bombeiros para salvá-lo aos poucos?

No caminho do Advento deste ano, o Segundo Domingo é substituído pela Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria, a “Nossa Senhora da Conceição” como é popularmente conhecida. Foi no dia 8 de dezembro de 1854 que o então Papa Pio IX proclamou Maria preservada, por Deus Pai, da mancha do pecado original “em vista dos méritos de Jesus Cristo” preparando assim uma digna mãe para a encarnação do Filho. Só podemos nos alegrar e aprender com Maria a praticar cada vez mais e melhor a nossa fé em comunhão com a Tradição da Igreja, ou seja, com tantos cristãos e cristãs que nos precederam neste caminho e nos transmitiram aquilo que acreditamos. O evangelho proclamado nesta Solenidade será, mais uma vez, a página bem conhecida da “anunciação”. Logo pensamos em Maria, mas, na realidade, a festa que celebramos no dia 25 de março é da “Anunciação do Senhor” que é feita à Nossa Senhora. A Maria é anunciada a concepção do filho ao qual porá o nome de Jesus. O anjo explica, entre outra coisas, que aquela criança será grande e chamado Filho do Altíssimo. Ela fica “perturbada” com a notícia e precisa ser encorajada pelo anjo a não ter medo. Tudo o que acontecerá será obra do poder de Deus para o qual “nada é impossível”. O sinal que vai ajudar a entender e a confiar é o sexto mês de gravidez da parenta Isabel, a idosa estéril. Todos conhecemos a resposta de Maria que sempre vale a pena deixar ecoar em nosso coração: “ Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). O evangelista Lucas quer nos dar uma boa notícia: a encarnação do Filho de Deus. Ele faz isso do jeito bíblico, narrativo, e não simplesmente através de um comunicado, mais ou menos enfeitado, como poderia ser hoje uma mensagem, por exemplo, colocada nas redes sociais. Cabe, portanto a nós, perceber o valor e o sentido do “anúncio” mais do que ficar preocupados com a forma da apresentação. O que deve nos interessar mais é a boa notícia – se completou o tempo previsto (Gl 4,4), o tempo da espera – e a adesão plena e humilde de Maria. Depois, daqui a poucos dias, no Natal, contemplaremos o nascimento de Jesus, o Menino-Deus.

Como cristãos somos chamados a oferecer a nossa colaboração para que aquele evento, único na história, continue produzindo os seus frutos de salvação e libertação. A “encarnação” do Filho Unigênito é o compromisso do amor de Deus com a humanidade para que esta encontre o rumo certo no meio de tantos caminhos tortos, de brigas, guerras e confusões. Jesus não veio para complicar a nossa vida com listas de pecados ou para nos impor obrigações religiosas. Ele nos mostrou o que vale mais de tudo e que somente pode mudar a história da humanidade. O nosso “vício” é o egoísmo. Gastamos tantas energias querendo aproveitar e arrancar da vida o que mais podemos de bens, fama, sucesso, riquezas e prazeres. Ele nos ensinou a colocar a disposição dos outros, amigos ou não, os dons que recebemos e, não último, o grande bem do próprio planeta, a Casa Comum. Parece que só pensamos em ganhar. Se buscamos isso, sempre ficaremos insatisfeitos. Sempre teremos inveja dos outros e disputaremos mais e mais até aqueles bens que são dádivas para todos. Jesus  ensinou a doar e não a cobrar para receber. Maria, teve medo, perguntou, quis saber, mas depois que deu o seu “sim”, não voltou mais atrás, foi totalmente fiel. E nós? Bastará nos corrigir “aos poucos”? Como está o nosso “sim”?